Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Portugal de 75 "À espera de Godot?" de Beckett - A analogia com a politica nacional

O momento político nacional, nos tempos do verão quente de 1975.
Os que fazem e concretizam o espírito da revolução, e os seus momentos de pausa e recuos.

Os Apontamentos
Caminho - 2.ª edição / 1990

À espera de Godot? - 17 de Junho de 1975



Godot, quem é? Na peça de Beckett, todo o tempo se passava na espera e na esperança dessa entidade invisível que resolveria todos os problemas, quando chegasse. Quando chegasse, e se chegasse... Quem conhece a peça, sabe que nenhuma diferença há entre o princípio dela e o fim, que a mesma árvore seca cobre ou agride o mesmo esperar e o mesmo desespero. Continuaremos a literatizar? Um pouco mais, apenas, para satisfazer o gosto... Aqueles personagens discutem, ferem-no, alternam o ódio e reconciliação, tudo de acordo com a chamada natureza humana, para Beckett idêntica e transmissível de todos os tempos para todos os tempos: tudo se resumiria a um eterno esperar, a um projecto contínuo, só projecto, sem começo sequer de realização, porque sem Godot nada se pode fazer e Godot não vem...
E nós, em Portugal? Godot chegou a 25 de Abril, e tornou outras vezes: Junho, Setembro, Março recente, não por predestinação ou favor especial dos deuses, mas porque aqui nos esforçámos todos os que querem a Revolução e a estão fazendo. Este Godot de carne, osso e vontade não precisa das artes da dramaturgia,  mas depende da vitalidade de um processo que muitas mãos empurram (bem ou mal) e outras procuram travar. (...)
(...) E aqui voltaríamos à peça de Beckett: pela primeira vez, em momento de crise, se passam tão poucas coisas à luz do dia e às claras, e tantas tão secretas, nos bastidores. É como se o Poder (onde esteja) desconfiasse do peso das massas populares e da sua distribuição, e, desconfiando, prefira deliberar, apresentar e praticar sozinho. (...)

Referência na Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Esperando_Godot

En attendant Godot ou Waiting for Godot, em inglês (À Espera de Godot em Portugal; Esperando Godot no Brasil) foi a primeira peça de teatro escrita pelo dramaturgo Irlandês Samuel Beckett (1906-1989). Escrita originalmente em francês, foi publicada pela primeira vez em 1952 e apresentada no pequeno Théâtre Babylone em Paris, com direção de Roger Blin (1907-1984). O Brasil foi o segundo país a ter uma montagem deste texto, com a direção de Alfredo Mesquita, em 1955. É considerado um das principais textos do teatro do absurdo e a principal obra de Samuel Beckett.
A Criação - Beckett escreveu a peça em 1949 e só veio a publicá-la no ano de 1952, em francês. Em 1955 Beckett realizou sua versão inglesa. Personagens da peça:
Vladimir
Estragon
Pozzo
Lucky
Um garoto
A peça é dividida em dois atos. Nos dois atos, inicialmente contracenam dois personagens: Vladimir (Didi) e Estragon (Gogo). Durante cada um dos atos, que são bem semelhantes, surgem dois novos personagens: Pozzo e Lucky. Além destes, entra em cena no final de cada ato um garoto.
O Enredo - A rubrica inicial define: Estrada, árvore, à noite (Route à la campagne, avec arbre. Soir). Em cena Estragon e Vladimir. Aparentemente esperam um sujeito de nome Godot. Nada é esclarecido a respeito de quem é Godot ou o que eles desejam dele. Os dois iniciam longo diálogo, só interrompido quando da entrada de Pozzo e Lucky. Lucky carrega uma pesada mala que não larga um só instante. O segundo ato desenvolve a mesma dinâmica. O cenário é o mesmo, apenas a árvore está um pouco diferente, agora com algumas folhas. Estragon e Vladimir iniciam sua jornada na espera de Godot. Surgem novamente Pozzo e Lucky. Pozzo está cego e Lucky surdo. Após a partida destes, aparece novamente um garoto anunciando novamente que Godot não virá, talvez amanhã. O diálogo final, que encerra o ato e a peça é o seguinte:
Vladimir: Então, devemos partir? (Alors, on y va?) (Well, shall we go?)
Estragon: Sim, vamos. (allons-y.) (Yes, let's go.)
Eles não se movem. (Ils ne bougent pas.) (They do not move.)

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