Poderá uma palavra perder significado.
Perder peso do seu significado.
Transformar-se, evoluir, caracterizar-se de outra forma.
Até que ponto o contexto social, evolutivo ou regressivo numa sociedade pode exercer força sobre a dimensão caracterizadora da palavra.
José Saramago, na conferência realizada em 2005, na Universidade Complutense de Madri - "Democracia e Universidade", abordava a questão.
(...) "o significado das palavras não é eterno; a semântica de uma palavra não é imutável, muda como nós mudamos, como mudam os usos e costumes, como mudam as estações. Esta mudança não tem que ver nem com sintaxe nem com morfologia, nem com lugar que ocupam na frase, ou com as palavras que acompanham as que queremos dizer e que colocadas à frente ou atrás incidem de uma maneira ou de outra, de modo que a acompanhante às vezes pode tornar-se a palavra definitiva. (...) há palavras, inclusive expressões, que caem em desuso porque reflectiam actividades já desaparecidas, e portanto está certo que apareçam outras para ocupar o lugar daquelas e assim falar de modo a que a gente se entenda.
O mal, e era aqui que queria chegar com este preâmbulo, é quando a palavra permanece mesmo depois de mudar o seu conteúdo. (...)
Quem nos iluminou a todos de forma definitiva acerca do que afirmo, e com que profundidade, foi Jorge Luis Borges num conto a que deu o título de "Pierre Menard, autor do Quixote".
Via Wikipédia, em http://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_Menard,_Autor_do_Quixote
"Pierre Menard, Autor de Quixote (“Pierre Menard, Autor Del Quixote” no original em Espanhol) é um conto do escritor argentino Jorge Luiz Borges inserido no livro Ficções.
Originalmente foi lançada na revista Sur em Maio de 1939. O lançamento oficial, em língua espanhola, foi na publicação do livro O Jardins de Veredas que se Bifurcam que posteriormente foi incluído na obra Ficções em 1944.
O Conto é escrito como se fosse uma revisão ou uma crítica literária sobre Pierre Menard, um escritor de ficções do século XX e de nacionalidade francesa. Ele começa com a breve introdução e uma lista do trabalho de Menard.
Borges enfoca os esforços de Menard em ir além de uma mera tradução releitura ou revisão do Dom Quixote, de Cervantes, mergulhando profundamente no trabalho de se tornar hábil a recriar o livro, linha por linha, de maneira igual ao modelo do século XVII. Assim Pierre Menard é frequentemente usado para levantar questões e discussões sobre a natureza da autoria, apropriação e interpretação.
O conto é escrito em forma de critica literária, mas por meio da fantasia, ironia e humor. Seu narrador/revisor considera o “Quixote de Mernard” (linha por linha idêntico ao original) muito mais rico em ficção do que o “Quixote de Cervantes” original dado que Mernard esta a luz de conhecimentos posteriores a 1602. Cervantes, afirma o crítico, se entrega à critica aos toscos contos de cavalaria e a parca realidade e provincial do país. Enquanto Menard escreve distante do passado, em Cervantes há a proximidade com os Bandos de Ciganos, conquistadores e dos autos de fé. Neste conto, Borges antecipa a teoria pós-moderna que da centralidade para a resposta do escritor. Seu nome aparece na questão de Jaques Derrida e responde em seu ensaio de 1966 para o congresso internacional de Sociologia e Filosofia da língua francesa “Na Biblioteca de Babel, Borges contempla um efeito oposto: a melhoria de um texto através de sua reprodução. No padrão análogo do teorema dos infinitos macacos , todos os textos se passam em uma vasta livraria apenas porque completam a possibilidade aleatória e eventual da combinação de todas as letras.
Ambas as histórias lidam com grande dificuldade de criação de significado ou, talvez achar ou determinar o sentido. No caso do Quixote o sentido esta sobre a resposta do escritor e ou o contexto do trabalho em que o livro é escrito. Na Biblioteca de Babel é difícil se encontrar algum trabalho coerente pois a Biblioteca possui todos os trabalhos possíveis. Contudo qualquer trabalho com sentido é aleatório e não produzido pela ação humana e portanto, drenado de sentido. No caso de Quixote a ação humana de escrever e ler o trabalho conferem sentido.
Borges escreveu a história enquanto se reestabelecia de um ferimento na cabeça. Se o conto é considerado como uma obra de ficção, então foi o primeiro publicado sob seu próprio nome ( o ”Homem da Esquina Rosada” foi publicado pelo pseudônimo de H. Bustos). Como é comum em sua escrita, o conto é rico em ricas referencias e piadas sutis. Seu narrador/revisor é um Católico ortodoxo que destaca que os leitores de uma revista rival são “uns poucos Calvinistas, se não maçons e circuncisos”. De acordo com Emir Rodríguez Monegal e Alastair Reid, Menard é em parte “uma caricatura de Stéphane Mallarmé e Paul Valéry, ou de Miguel de Inamuno e Enrique Larreta”.
Seguindo o conferencista José Saramago
(...) Em todo o caso, há que ler o conto de Borges. (...)
(...) sobretudo, recomendo que se detenham a pensar o que quer dizer o conto, o que Borges quis dizer quando escreveu esta história fabulosa. Porque em dado momento aparece a palavra "justiça" e Borges chama a atenção para o facto de, mesmo que a palavra seja a mesma, não ter o mesmo significado num tempo e noutro; isto é, justiça no século XVII não significava o que significa hoje, no século XXI. (...)
Há no entanto uma armadilha a que devemos escapar: quando uma palavra tem um significado concreto e por razões várias, ou sem-razões, se transforma praticamente no seu contrário. Um exemplo do que digo sucede com a palavra "bondade". O conceito de bondade, com o tempo e as mudanças de mentalidade e costumes, não só se usa pouquíssimo na comunicação quotidiana como adquiriu outro sentido, exactamente esse em que vós estareis pensando, quase pejorativo, porque agora se relaciona a expressão com a falta de inteligência.(...)
(...) As palavras que quero trazer aqui ao falar de democracia e universidade não são apenas as que mudaram com o uso, ou as que são equívocas, mas as que equivocam conscientemente, as que enganam, as palavras que mentem porque quem as diz está a manipular para alcançar objectivos que de uma forma não poderia conseguir.
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