"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” - epígrafe da obra
As formas várias de olhar, as formas de ver, o que se observa e o que se repara.
Intuir, absorver informação, interpretar e desenvolver a capacidade de interagir com o mundo que nos rodeia.
Esta obra, é, se assim se pode dizer, uma grande "porrada", naquilo a que se chama a consciência humana. Encerra em si, e abre, ao mesmo tempo, para o mundo, uma explanação sobre a evolução do ser humano.
A cegueira que se espalha numa manifestação de epidemia galopante, coloca várias questões apresentadas em patamares diferentes. Podemos observar a questão da precariedade pessoal, quando confrontados com uma deficiência ou diminuição das capacidades individuais; a questão da solidariedade da população, nos seus diferentes planos ou relações. o "eu e o tu", o "eu e o nós", o "nós e os outros"; a intervenção das instituições que garantem e governam as sociedades perante o caos.
Todos estes níveis de observação, foram colocados dentro de uma enorme metáfora, esquematizados de forma densamente pragmática, tendo em conta, aquilo que é a evolução do ser humano e a sua histórica incapacidade de evoluir em humanidade, num contexto global, que se pretende evoluído e (utopicamente) geradora de todas as condições e princípios básicos com que se deve reger a humanidade.
Esta epidemia, a "cegueira branca", talvez a maior limitação que o ser humano possa sofrer, aqui enquadrada num contexto de massas, de população afectada, fará descer a "unidade", o conjunto de afectados pela mesma doença, ao seu próprio inferno - a falta de dignidade na perspectiva individual potenciada pelo caos do grupo.
Saramago, recorre a este "castigo", para demonstrar que a lucidez de espírito dos que vêm, está afectada pela incapacidade do homem gerar e criar valores, como a humanidade, a urbanidade, a bondade, e que, adormecidos sobre o seu próprio egoísmo, perante uma brutal calamidade são obrigados a descer ao nível mais baixo da sua dignidade.
Neste patamar, onde os homens são equivalentes a todo e a qualquer animal, que sobrevive pelo instinto mais básico e primitivo, surge em contraponto com o caos, a imagem da esperança - a imagem do "cão das lágrimas" que lambe o sofrimento da "mulher do médico" e lhe transmite algum conforto.
Quem deverá ler esta obra?
Qual o público leitor alvo?
Homens e mulheres, que conseguem olhar para as atrocidades do mundo, como que, se de um reality show tratasse.
Cuidado... a cegueira... vive e sobrevive, neste pasto, neste caldo de humanidade...
(o cão que lambe as lágrimas que escorrem
pela face da "mulher do médico")
(...) "Há muitas formas de cegueira. Estamos a falar de cegueiras metafóricas e não de cegueiras reais. Uma forma de cegueira é não querer compreender, é levantar uma barreira para que as coisas de fora não nos venham agredir e há uma infinidade de formas de ser cego. Vamos imaginar que uma pessoa não é cega... e quando diz que não se quer chatear até parece alguém que está consciente do passado do mundo e, simplesmente, não quer que o mundo o aborreça. Essa pessoa não se dá conta que essa é a sua cegueira." (...)
em, "Uma longa viagem com José Saramago"
João Céu e Silva
Porto Editora, página 85
Sem comentários:
Enviar um comentário