(...) "Escolas que fecham... Eu tenho uma crónica escrita naqueles antigos anos do diário "A Capital", em 1968 ou 1969, na qual o narrador conta que tinha tido um sonho, que tinha vivido em Marte, não muito tempo - mas o tempo em Marte é de outra maneira - e que havia coisas que ele não conseguia compreender na sociedade marciana. E uma coisa que estava lá escrito era o eu não compreender como havia uma escola num sítio qualquer que tinha dois ou três alunos e que tinha sete ou outro professores cada um com a sua matéria para ensinar aquelas crianças. É uma fábula que não tem grande importância, mas agora, em Portugal, encerra-se uma escola com uma serenidade tremenda e não satisfeitos diz-se logo «vão fechar mil e não sei quantas escolas», enquanto no século XIX se afirmava que a abertura de uma escola significava o encerramento de uma prisão. Aquela gente era realmente tonta e irrealista - o irrealismo significa tonto - porque julgavam que era certo o que faziam, mas o futuro até aos dias de hoje veio dizer que uma coisa não tem nada a ver com a outra. (...)
"Uma Longa Viagem com José Saramago"
Porto Editora, João Céu e Silva
Pág. 90
Saramago aborda o problema da educação versus instrução, e menciona uma participação num congresso de professores, em São Paulo - Brasil,. Aborda a temática da tutela do ensino, em que no antigamente eram criados ministérios da "instrução" e que nos tempos mais próximos, passaram a chamar de Ministério da Educação.
E leva-nos a esta, pertinente e musculada, observação.
(...) " a questão, pelo menos tal como eu a entende, é bastante simples e reduz-se a duas perguntas: pode a escola educar? Ou deve a escola fazer o que lhe compete, que é instruir? Este problema parece um capricho sofista, de separa a educação da instrução, até pode parecer que estou a brincar com as palavras mas não, porque se pensarmos que noutros tempos de uma família de analfabetos podiam sair crianças educadas por esses pais, avós e tios que não conseguiam passar conhecimentos mas podiam transmitir, inconscientemente até, valores de convivência, de trabalho, de respeito e valores de identidade pessoal. (...) Actualmente, o que aconteceu foi que a partir de certa altura e, principalmente, nos tempos mais recentes, com a crise da família - com o desaparecimento da autoridade não imposta mas reconhecida - isso acabou. Espera-se que a escola eduque e a escola não o pode fazer porque não sabe e, mesmo sabendo, não tem os meios que seriam necessários. A educação é outra coisa! Fazia parte das obrigações da família, digamos assim, e de alguma forma também de uma sociedade educada que necessariamente produziria mais ou menos cidadãos educados. Agora, vivemos numa sociedade deseducada, vivemos num processo de deseducação integral - podemos falar noutras circunstâncias de um processo de educação integral - e não somos os únicos, pois todo o mundo está todo assim. Chega ao extremo, e isso deixa-me confuso, de os professores estarem sujeitos à agressão. Onde é que já se viu que o mestre, aquele que transmite, que abres as portas para o mundo e para o conhecimento das coisas, seja tratado como é hoje em dia em toda a parte. Agressões, desprezo e pontapés e essa pobre gente - refiro-me à grande maioria dos professores - são realmente os heróis do nosso tempo. Eles podiam bater com a porta e dizer «não volto mais!» e pergunto-me «porque é que não o fazem?» Porque precisam de viver e de ganhar o seu ordenado, mas era o que deviam fazer. Não é uma greve de um dia, é fechar as portas das escolas, sair e não voltar até que o assunto se resolva." (...)
"Uma Longa Viagem com José Saramago"
Porto Editora, João Céu e Silva
Páginas. 90 e 91
em http://caderno.josesaramago.org/67896.html
"Cada vez mais sós
Acho que todos nós devemos repensar o que andamos aqui a fazer. Bom é que nos divirtamos, que vamos à praia, à festa, ao futebol, esta vida são dois dias, quem vier atrás que feche a porta – mas se não nos decidirmos a olhar o mundo gravemente, com olhos severos e avaliadores, o mais certo é termos apenas um dia para viver, o mais certo é deixarmos a porta aberta para um vazio infinito de morte, escuridão e malogro."Cada vez mais sós", in Deste Mundo e do Outro, Ed. Caminho, 7.ª ed., p. 216(Selecção de Diego Mesa)"
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