em http://www.universodosleitores.com/2015/07/o-ano-de-1993.html
"O ano de 1993, de José Saramago". por Kellen Pavão
"E porque os antigos deuses haviam morrido por inúteis os homens descobriram outros que sempre tinham existido encobertos pela não necessidade."
(Imagem da capa da obra "O Ano de 1993", edição da Companhia das Letras)
Quando eu pensava que José Saramago já havia me surpreendido o bastante, percebi que ainda não conhecia o livro "O ano de 1993". O livro que em 2015 completa 40 anos de publicação, traz difere da maioria de seus romances e destaca o ótimo trabalho do escritor se aventurando no gênero fantasia . O romancista português, que é conhecido por sua capacidade quase camaleônica de se comunicar, já publicou ensaios, romances, distopias e até passeou pelo universo infantil.
Desta vez Saramago ousou e provou sua originalidade em uma distópica previsão do ano de 1993. A história traça um futuro hipotético onde os humanos caminham em um mundo devastado e dominado por forças ocultas, que utilizam a violência para manter homens e mulheres sob controle. Animais mecanicamente modificados são utilizados para guardar e aterrorizar as hordas humanas que perambulam sem destino e sem objetivo.
O inimigo é "invisível" e os humanos já não conseguem identificar o que há por trás dos ameaçadores animais mecânicos, permanecendo oprimidos por táticas de guerra que massacram, devastam e violam em favor do governo.
"Todas as calamidades já haviam caído sobre a tribo a ponto de falar da morte com esperança."
Há violência, angústia e medo em meio ao caos, o que impossibilita grandes perspectivas com relação ao futuro. A perda da intimidade, da privacidade, o retorno a hábitos primitivos, e a relação dos humanos com a sexualidade são alguns dos efeitos de tanta repressão.
Entretanto, apesar de todo caos e das baixas perspectivas também há esperança alimentada pelo instinto de sobrevivência.
É interessante observar que Saramago constrói sua história com elementos de épocas bem distintas: máquinas e tecnologia avançada contrastam com a volta do homem às cavernas, em um looping que nos faz refletir sobre o destino da humanidade e a relatividade do tempo, além de nos fazer questionar as "influências invisíveis" às quais estamos submetidos. A linha que separa os humanos de outras espécies torna-se bastante tênue e o homem retorna à hábitos primitivos diante da ausência de referências e da necessidade de sobrevivência.
Vale lembrar que o livro foi escrito pouco depois da Revolução dos Cravos e acaba consagrando-se como uma forte crítica aos regimes ditatoriais e a todo tipo de repressão.
"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar."
A história, que faz fronteira entre frase e verso, é bastante peculiar e combina situações e personagens inverossímeis. Por isto, apesar das frases curtas e do texto aparentemente simples, não recomendo O Ano de 1933 para um primeiro contato com os livros de Saramago, já que a narrativa peculiar pode dificultar as primeiras impressões sobre as obras escritor. No entanto o livro é um grande presente aos admiradores do vencedor português do Nobel de literatura e certamente agradará aos fãs de fantasia por meio ao cenário apocalíptico singular imaginado por Saramago.
Kellen Pavão
"28 anos, administradora do blog Universo dos leitores, apaixonada por leitura, formada em direito e servidora pública nas horas vagas. Gostaria de ter leitura dinâmica e tem extrema dificuldade em falar de si mesma na terceira pessoa. Enquanto ainda não tem tempo e dinheiro para conhecer o mundo viajando, conhece pessoas e lugares através dos livros, e acredita que desta forma pode ir para onde quiser. Nutre um imenso fascínio por pequenos prazeres e manias, e se encanta com as formas poéticas de descrever a vida, o que inclui a música, literatura, dança, cinema e artes. Tem imaginação fértil, já quis ser bailarina e astronauta. Não gosta de arte moderna, adora aprender, não vê a hora de começar o curso de letras e não vai esperar se aposentar pra fazer todas as graduações que tem vontade de fazer."
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