Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Entrevista DN - João Marcelino, João Céu e Sil e Maria João Centeno entrevistam José Saramago

A entrevista pode ser consultada e lida, aqui
em http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1597499&page=1
Por João Marcelino, João Céu e Silva e Maria João Centeno

2007 - Data não conhecida ou indicada no site do DN, mas a entrevista remete para depois da última obra publicada ("As Intermitências da Morte" - 2005) e em vésperas de completar 85 anos

"Portugal acabará por integrar-se em Espanha"
"Sou de onde nasci, sou da terra que me criou" 
"Tu estavas e agora já não estás. Isso é a morte"

“Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de conhecer Pilar, 
morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”


Dentro de dias vai completar 85 anos. Está a escrever um livro. Vai ser o último?
Não sei. Se a vida me der tempo, ou se a vida me dá tempo e não me tira as ideias da cabeça, pode ser que não seja o último. Mas, como alguma vez algum vai ter de ser um que foi o último, também pode acontecer que seja esse o último. A minha Viagem do Elefante pode realmente ser o último. E será publicado, se não acontecer nenhuma desgraça, no ano que vem.

Como está hoje o seu processo produtivo? Escreve menos?
Não, não escrevo menos. Até tenho uma boa tendência a escrever algo mais.

Pensa muitas vezes na morte nesta fase da vida?
É impossível não pensar. E de resto, muito recentemente, publiquei um livro chamado As Intermitências da Morte. É um livro divertidíssimo que pode levar até à gargalhada, o que parece um paradoxo total porque estou a falar da morte. E, repare, aquilo que me chateia - e vou usar esta palavra ,o ouvinte me perdoará - não é exactamente a morte. Aquilo que profundamente me dói, e não posso fazer nada contra isso, é porque eu penso que a morte autêntica não tem que ver com esse momento em que uma pessoa passa de um estado ao outro, está vivo e está morto. É outra coisa que se resume desta maneira: "Tu estavas e agora já não estás." Isso é a morte.

Nunca pensa que a morte pode não ser o fim da existência?
Ah, isso, oxalá seja mesmo. Imagine que tínhamos de aguentar qualquer outro tipo de existência depois de morrermos. Já não bastava...

Podia ser diferente, podia ser melhor...
E o que significa ser melhor? Também para ser melhor do que isto não era preciso muito. Para mim é uma convicção absoluta que com o fim da vida acaba tudo. Tudo.

Já escreveu o testamento?
Tenho o meu testamento feito. Mas tenho de revê-lo, actualizar certas coisas, até porque agora deixo responsabilidades muito grandes, como a criação da Fundação que leva o meu nome. É preciso definir as competências e as responsabilidades das pessoas que em princípio, como é o caso da Pilar [a mulher, que presidirá à Fundação], vão continuar o trabalho que não é uma espécie de instituição levantada à glória de fulano tal. É uma instituição que quer ser útil.

Vive num país [Espanha] que pouco a pouco toma conta da economia portuguesa. Não o incomoda?
Acho que é uma situação natural.

Qual o futuro de Portugal nesta península?
Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos.

Seria, então, mais uma província de Espanha?
Seria isso. Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castilla la Mancha e tínhamos Portugal. Provavelmente [Espanha] teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria. Se Espanha ofende os nossos brios, era uma questão a negociar. O Ceilão não se chama agora Sri Lanka, muitos países da Ásia mudaram de nome e a União Soviética não passou a Federação Russa?

E os portugueses aceitariam a integração?
Acho que sim, desde que isso fosse explicado, não é uma cedência nem acabar com um país, continuaria de outra maneira. Repito que não se deixaria de falar, de pensar e sentirem português. Seríamos aqui aquilo que os catalães querem ser e estão a ser na Catalunha.

Costuma ler autores portugueses?
Alguns, aqueles de que gosto.

Em Portugal há dois autores que vendem muitos livros, Miguel Sousa Tavares e José Rodrigues dos Santos, que aliás têm em comum consigo o trabalho na área da informação [José Saramago foi director adjunto do Diário de Notícias].

Ambos acabam de apresentar as suas mais recentes obras. Já leu algum livro deles? Considera-os como autores...
[Interrompendo] Como poderia não os considerar como autores se eles o são?

Como autores de uma literatura maior...
Bem, essa discussão sobre o que deveria ser ou poderia ser uma literatura maior também nos levaria longe. Mas como eu não li realmente nenhum deles não posso ser efectivo juiz nesta matéria. Em todo o caso, não diria nunca que esses livros não têm méritos literários. Como não os li não posso confirmá-lo.

Qual o livro [que escreveu] de que gosta mais?
É muito difícil. poderia dizer o Ano da Morte de Ricardo Reis ou o Memorial do Convento ou As intermitências da morte, que é um livro de que eu gosto muitíssimo.

Foi bom voltar a casa com Prémio Nobel?
É sempre bom voltar a casa. Tu sais daqui sem prémio, voltas com prémio, é outra coisa.

O que é que isto vai mudar na sua vida?
Na minha vida? Nada. (...) Conhecendo-me eu e conhecendo a Pilar, conhecendo-nos como somos, não acho que mude. Acontece que a nossa estabilidade económica aumenta, estamos mais defendidos, do ponto de vista material.

Mais do que o dinheiro, o importante será o reconhecimento do mundo...
O reconhecimento da Academia Sueca. Mas como o Prémio Nobel se transformou numa espécie de mito, é o único que todo o mundo, àquela hora, espera o anúncio para saber quem ganhou.

Todo o mundo menos o José Saramago...
Sim, eu ia embarcar para vir para aqui. Se em algum ano achei que havia motivos para pensar nisso, foi o ano passado e viu-se o que aconteceu: o prémio foi para o Dario Fo.

Este é um prémio português, mas muito celebrado aqui. Também é um prémio um pouco espanhol.
Não. O que há da parte dos espanhóis não é que eles queiram apropriar-se de mim, que isso ninguém o poderá fazer. Eu sou de onde sou. Sou de onde nasci, sou da terra que me criou, sou da língua que falo, sou da história que o meu país tem, sou das qualidades e dos defeitos que nós temos, sou dos sonhos e das ilusões que são nossos, ou foram ou vão ser. É daí que eu sou, é aí que eu pertenço. O que há na relação de Espanha comigo é uma grande generosidade. Eles receberam-me como se eu fosse um deles.

Continua a escrever com prazer?
Eu nunca escrevi com prazer. Ao contrário do que é uso dizer-se, eu não acredito muito no prazer da escrita. Acredito no prazer da leitura. Para mim a escrita é um trabalho e é muito difícil que um trabalho, entendido assim, dê prazer.

Apesar de estar feliz, continua triste com o mundo?
Não, o mundo nem quer saber nada da minha tristeza. O que acho é que este mundo não está bem e nós não temos a coragem para entender o que se está a passar e tirar daí as devidas conclusões. Mas não podemos limitar-nos a dizer que há coisas que não estão bem: é preciso fazer qualquer coisa.

Sente que o Nobel lhe dá mais responsabilidades, mais deveres nesse campo?
Penso que sim. Pelo menos, o prémio torna-me mais visível e as coisas que eu diga são mais audíveis. Como nunca fugi às responsabilidade que tive até hoje, espero não fugir às que vier a ter no futuro.


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