em http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1597499&page=1
Por João Marcelino, João Céu e Silva e Maria João Centeno
2007 - Data não conhecida ou indicada no site do DN, mas a entrevista remete para depois da última obra publicada ("As Intermitências da Morte" - 2005) e em vésperas de completar 85 anos
"Portugal acabará por integrar-se em Espanha"
"Sou de onde nasci, sou da terra que me criou"
"Tu estavas e agora já não estás. Isso é a morte"
“Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de conhecer Pilar,
morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”
Dentro de dias vai completar 85 anos. Está a escrever um livro. Vai ser o último?
Não sei. Se a vida me der tempo, ou se a vida me dá tempo e não me tira as ideias da cabeça, pode ser que não seja o último. Mas, como alguma vez algum vai ter de ser um que foi o último, também pode acontecer que seja esse o último. A minha Viagem do Elefante pode realmente ser o último. E será publicado, se não acontecer nenhuma desgraça, no ano que vem.
Como está hoje o seu processo produtivo? Escreve menos?
Não, não escrevo menos. Até tenho uma boa tendência a escrever algo mais.
Pensa muitas vezes na morte nesta fase da vida?
É impossível não pensar. E de resto, muito recentemente, publiquei um livro chamado As Intermitências da Morte. É um livro divertidíssimo que pode levar até à gargalhada, o que parece um paradoxo total porque estou a falar da morte. E, repare, aquilo que me chateia - e vou usar esta palavra ,o ouvinte me perdoará - não é exactamente a morte. Aquilo que profundamente me dói, e não posso fazer nada contra isso, é porque eu penso que a morte autêntica não tem que ver com esse momento em que uma pessoa passa de um estado ao outro, está vivo e está morto. É outra coisa que se resume desta maneira: "Tu estavas e agora já não estás." Isso é a morte.
Nunca pensa que a morte pode não ser o fim da existência?
Ah, isso, oxalá seja mesmo. Imagine que tínhamos de aguentar qualquer outro tipo de existência depois de morrermos. Já não bastava...
Podia ser diferente, podia ser melhor...
E o que significa ser melhor? Também para ser melhor do que isto não era preciso muito. Para mim é uma convicção absoluta que com o fim da vida acaba tudo. Tudo.
Já escreveu o testamento?
Tenho o meu testamento feito. Mas tenho de revê-lo, actualizar certas coisas, até porque agora deixo responsabilidades muito grandes, como a criação da Fundação que leva o meu nome. É preciso definir as competências e as responsabilidades das pessoas que em princípio, como é o caso da Pilar [a mulher, que presidirá à Fundação], vão continuar o trabalho que não é uma espécie de instituição levantada à glória de fulano tal. É uma instituição que quer ser útil.
Vive num país [Espanha] que pouco a pouco toma conta da economia portuguesa. Não o incomoda?
Acho que é uma situação natural.
Qual o futuro de Portugal nesta península?
Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos.
Seria, então, mais uma província de Espanha?
Seria isso. Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castilla la Mancha e tínhamos Portugal. Provavelmente [Espanha] teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria. Se Espanha ofende os nossos brios, era uma questão a negociar. O Ceilão não se chama agora Sri Lanka, muitos países da Ásia mudaram de nome e a União Soviética não passou a Federação Russa?
E os portugueses aceitariam a integração?
Acho que sim, desde que isso fosse explicado, não é uma cedência nem acabar com um país, continuaria de outra maneira. Repito que não se deixaria de falar, de pensar e sentirem português. Seríamos aqui aquilo que os catalães querem ser e estão a ser na Catalunha.
Costuma ler autores portugueses?
Alguns, aqueles de que gosto.
Em Portugal há dois autores que vendem muitos livros, Miguel Sousa Tavares e José Rodrigues dos Santos, que aliás têm em comum consigo o trabalho na área da informação [José Saramago foi director adjunto do Diário de Notícias].
Ambos acabam de apresentar as suas mais recentes obras. Já leu algum livro deles? Considera-os como autores...
[Interrompendo] Como poderia não os considerar como autores se eles o são?
Como autores de uma literatura maior...
Bem, essa discussão sobre o que deveria ser ou poderia ser uma literatura maior também nos levaria longe. Mas como eu não li realmente nenhum deles não posso ser efectivo juiz nesta matéria. Em todo o caso, não diria nunca que esses livros não têm méritos literários. Como não os li não posso confirmá-lo.
Qual o livro [que escreveu] de que gosta mais?
É muito difícil. poderia dizer o Ano da Morte de Ricardo Reis ou o Memorial do Convento ou As intermitências da morte, que é um livro de que eu gosto muitíssimo.
Foi bom voltar a casa com Prémio Nobel?
É sempre bom voltar a casa. Tu sais daqui sem prémio, voltas com prémio, é outra coisa.
O que é que isto vai mudar na sua vida?
Na minha vida? Nada. (...) Conhecendo-me eu e conhecendo a Pilar, conhecendo-nos como somos, não acho que mude. Acontece que a nossa estabilidade económica aumenta, estamos mais defendidos, do ponto de vista material.
Mais do que o dinheiro, o importante será o reconhecimento do mundo...
O reconhecimento da Academia Sueca. Mas como o Prémio Nobel se transformou numa espécie de mito, é o único que todo o mundo, àquela hora, espera o anúncio para saber quem ganhou.
Todo o mundo menos o José Saramago...
Sim, eu ia embarcar para vir para aqui. Se em algum ano achei que havia motivos para pensar nisso, foi o ano passado e viu-se o que aconteceu: o prémio foi para o Dario Fo.
Este é um prémio português, mas muito celebrado aqui. Também é um prémio um pouco espanhol.
Não. O que há da parte dos espanhóis não é que eles queiram apropriar-se de mim, que isso ninguém o poderá fazer. Eu sou de onde sou. Sou de onde nasci, sou da terra que me criou, sou da língua que falo, sou da história que o meu país tem, sou das qualidades e dos defeitos que nós temos, sou dos sonhos e das ilusões que são nossos, ou foram ou vão ser. É daí que eu sou, é aí que eu pertenço. O que há na relação de Espanha comigo é uma grande generosidade. Eles receberam-me como se eu fosse um deles.
Continua a escrever com prazer?
Eu nunca escrevi com prazer. Ao contrário do que é uso dizer-se, eu não acredito muito no prazer da escrita. Acredito no prazer da leitura. Para mim a escrita é um trabalho e é muito difícil que um trabalho, entendido assim, dê prazer.
Apesar de estar feliz, continua triste com o mundo?
Não, o mundo nem quer saber nada da minha tristeza. O que acho é que este mundo não está bem e nós não temos a coragem para entender o que se está a passar e tirar daí as devidas conclusões. Mas não podemos limitar-nos a dizer que há coisas que não estão bem: é preciso fazer qualquer coisa.
Sente que o Nobel lhe dá mais responsabilidades, mais deveres nesse campo?
Penso que sim. Pelo menos, o prémio torna-me mais visível e as coisas que eu diga são mais audíveis. Como nunca fugi às responsabilidade que tive até hoje, espero não fugir às que vier a ter no futuro.
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