(Quadro de João Amaral, realizado em aguarela - 2015)
17 de Outubro (1993)
"Javier e María «inauguraram» ontem a sua casa, festejando ao mesmo tempo o recente aniversário de Javier, 41 anos, uma mocidade. (Ao escrever este número lembrei-me, subitamente, de que por essa mesma idade escrevi um poema, «Lugar-comum do quadragenário», que não resisto a transcrever aqui. Era assim:
Quinze mil dias secos são passados,
Quinze mil ocasiões que se perderam,
Quinze mil sóis inúteis que nasceram,
Hora a hora contados
Neste solene, mas grotesco gesto
De dar corda a relógios inventados
Para buscar, nos anos que esqueceram,
A paciência de ir vivendo o resto.
Como vejo eu isto, trinta anos depois? Sorrio, encolho os ombros, e penso: «Que coisas nós dizemos aos quarenta anos...».) Fechado o parênteses, volto ao assunto. María e Javier resolveram convidar amigos para a festa e a casa encheu-se de gente, a maior parte da qual eu não conhecia nem de vista. Mas não é esta a questão. A questão foi ter eu confirmado a tremenda dificuldade que tenho em conviver com pessoas que ainda não tive tempo de conhecer, e mais quando o ambiente ferve de música alta e de palavras que têm de ser gritadas. Senti--me a pessoa mais sem graça, mais sem espírito, que é possível imaginar, e não me restou outra saída que desaparecer discretamente e ir fazer companhia ao cão que, na nossa casa, sofria de abandono como creio que só podem sofrer os cães."
in, "Cadernos de Lanzarote - Diário I"
Caminho, páginas 144 e 145
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