Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

"Problema de Homens" texto de José Saramago a propósito da violência contra as mulheres (Obvious Mag.)

Artigo completo publicado, aqui
em http://lounge.obviousmag.org/desmistificador_de_dalias/2015/03/problema-de-homens-por-saramago.html
Autoria de J. Douglas Alves, e publicado na Obvious (link geral http://obviousmag.org/)

(Desenho de Vitor Teixeira, inserido no trabalho que se publica - 2015)

"Problema de Homens (por José Saramago)"
"Vejo nas sondagens que a violência contra as mulheres é o assunto número catorze nas preocupações dos espanhóis, apesar de que todos os meses se contem pelos dedos, e desgraçadamente faltam dedos, as mulheres assassinadas por aqueles que creem ser seus donos. Vejo também que a sociedade, na publicidade institucional e em distintas iniciativas cívicas, assume é certo que só pouco a pouco, que esta violência é um problema dos homens e que o homem tem que resolver.

De Sevilha e da Estremadura espanhola chegaram-nos, há tempos, notícias de um bom exemplo: manifestações de homens contra a violência. Até agora eram somente as mulheres que saíam à praça pública a protestar contra os contínuos maus tratos sofridos às mãos dos maridos e companheiros (companheiros, triste ironia esta), e que, a par de em muitíssimos casos tomarem aspectos de fria e deliberada tortura, não recuam perante o assassínio, o estrangulamento, a punhalada, a degolação, o ácido, o fogo.

A violência desde sempre exercida sobre a mulher encontrou no cárcere em que se transformou o lugar de coabitação (neguemo-nos a chamar-lhe de lar) o espaço por excelência para a humilhação diária, para o espancamento habitual, para a crueldade psicológica como instrumento de domínio.
É o problema das mulheres, diz-se, e isso é verdade. O problema é dos homens, do egoísmo dos homens, do doentio sentimento possessivo dos homens, da poltronaria dos homens, essa miserável covardia que os autoriza a usar a força contra um ser fisicamente mais débil e a quem foi reduzida sistematicamente a capacidade de resistência psíquica.

Há poucos dias, em Huelva, cumprindo as regras habituais dos mais velhos, vários adolescentes de treze e catorze anos violaram uma rapariga da mesma idade com uma deficiência psíquica, talvez por pensarem que tinham direito ao crime e á violência. Direito de usar o que consideravam seu. Este novo ato de violência de género, mais os que se produziram neste fim de semana, em Madrid uma menina foi assassinada, em Toledo uma mulher de 33 anos morta diante de sua filha de seis anos, deveriam ter feito sair os homens à rua. Talvez 100 mil homens, só homens, nada mais que homens, manifestando-se nas ruas, enquanto as mulheres, nos passeios, lhes lançariam flores, este poderia ser o sinal de que a sociedade necessita para combater, desde o seu próprio interior e sem demora, esta vergonha insuportável. E para que a violência de género, como resultado de morte ou não, passe a ser uma das primeiras dores."

Nota sobre a origem do texto, publicado no link mencionado
"Texto transcrito da Revista Mátria, Ano 8, Vol. 1, n. 8, março de 2010 (que, por sua vez, transcreveu da Revista Presença da Mulher, ano XXII, nº 57, setembro/2009)."

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