Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

segunda-feira, 21 de março de 2016

"Inventário" a poesia de José Saramago cantada por João Afonso - Integra a obra "Nesta esquina do Tempo" (Disco/Livro)

O poema pode ser ouvido, via YouTube, aqui

"Inventário" 

De que sedas se fizeram os teus dedos,       - De qué sedas están hechos tus dedos,
De que marfim as tuas coxas lisas,   - de qué marfil tus muslos lisos,
De que alturas chegou ao teu andar - de qué alturas llegó a tu andar
A graça da camurça com que pisas.        - la gracia de gamuza con que pisas.

De que amoras maduras se espremeu    - De qué moras maduras se extrajo
O gosto acidulado do teu seio,         - el sabor acidulado de tu seno,
De que Índias o bambu da tua cinta,            - de qué Indias el bambú de tu cintura.
O oiro dos teus olhos, donde veio.         - el oro de tus ojos, de dónde vino.

A que balanço de onda vais buscar - A qué mecer de ola vas a buscar
A linha serpentina dos quadris,         - la línea serpentina de tus caderas,
Onde nasce a frescura dessa fonte              - de dónde nace la frescura de esa fuente
Que sai da tua boca quando ris.      - que sale de tu boca cuando ríes.

De que bosques marinhos se soltou - De qué bosques marinos se soltó
A folha de coral das tuas portas,  - la hoja de coral de tus puertas,
Que perfume te anuncia quando vens       - qué perfume te anuncia cuando vienes
Cercar-me de desejo a horas mortas.         - a rodearme de deseo las horas muertas.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis" 
Reedição Porto Editora, página 143

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