Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 17 de abril de 2018

De Jacinto Manuel Galvão "O Imaginário Português Historiografia Cultural nos Romances de José Saramago" (Calendário de Letras, Salamanca 1999)

A 6 de Julho de 1993, José Saramago já tinha feito referência a troca de correspondência com o professor Jacinto Manuel Galvão ("Cadernos de Lanzarote Diário I"). Frequentando a Universidade de Salamanca, informava que pretendia fazer uma tese sobre a obra de Saramago. 

Remate curioso, sendo o professor de Brunhosinho, perto de Mogadouro, alude ao facto de morar muito longe de Lisboa. Saramago escreve "Vamos a ver como se resolve o problema: ele parece não saber quão longe vivo, também eu, de Lisboa..."

Nesta altura José Saramago e Pilar del Río estariam já devidamente instalados em Lanzarote.
Mais tarde o encontro que fica imortalizado no "Diário III" dos "Cadernos de Lanzarote".
Assim.
27 de Maio (de 1995)

"Almocei com Jacinto Manuel Galvão, que veio de Mogadouro, onde mora, para falar comigo acerca do seu projecto de tese sobre o tema Historiografia Cultural nos Romances de J. S. A ideia perece-me interessantíssima. Segundo ele, o seu trabalho começará pelo levantamento de elementos fundamentais da cultura portuguesa, como seja um matriarcado recalcado por um patriarcado que se veio impondo ao longo dos séculos graças ao cristianismo, religião marcadamente patriarcal. O matriarcado ficou presente na religião popular, no sonho, na saudade, no sentimentalismo, no mito do encoberto... Diz também que tenho procurado operar nos meus livros um diálogo de desmontagem desses elementos da nossa cultura, sobretudo através de uma crítica sarcástica à moralidade portuguesa, cobarde e egoísta, de uma religiosidade farisaica. Provavelmente tudo isto é certo. Durante o almoço não se falou tanto da tese como da minha vida, das razões conhecidas ou intuídas de fazer eu o que faço, das andanças boas e más por que passei. Talvez que depois de duas horas de conversa, que mais foi monólogo meu, o autor tenha conseguido mostrar o que há de pessoa própria em ficções que, literalmente falando, não têm nada de autobiográficas. Esse foi o meu objectivo, e isso, creio, era o que queria Jacinto Galvão: que eu me explicasse." (Página 125) 




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