Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Congresso Internacional “José Saramago: Vinte Anos com o Prémio Nobel”

Congresso Internacional “José Saramago: Vinte Anos com o Prémio Nobel”

Coimbra, Convento São Francisco

8, 9 e 10 de outubro de 2018

Organização: Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra e
Câmara Municipal de Coimbra



© Fotografia de Pedro Soares

"Para celebrar os 20 anos da atribuição do  Prémio Nobel da Literatura a José Saramago, o Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra  organiza, com a Câmara Municipal de Coimbra, o Congresso Internacional  “José Saramago: 20 Anos com o Prémio Nobel” (8  a 10 de outubro de 2018, no Convento São Francisco, em Coimbra). Veja o programa provisório. 

Está em curso, até 31 de julho, a segunda fase de apresentação de propostas de comunicação (aceda aqui à terceira circular e também à ficha de inscrição.). As inscrições sem proposta de comunicação encerram-se a 15 de setembro, tendo sido fixado um máximo de 200 participantes.

Como atividade paralela, foi instituído um prémio de ensaio literário, destinado a estudantes do ensino secundário português. O prazo de envio de trabalhos terminou a 31 de julho. Aceda aqui ao regulamento do concurso.

Foi  atribuída acreditação ao congresso pelo Conselho Científico-Pedagógico de Formação Contínua (grupos: 200 Português e Estudos Sociais/História; 210  Português e Francês; 220  Português e Inglês; 300  Português). 

Apoios: Reitoria da Universidade de Coimbra; Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; Fundação José Saramago; Porto Editora."


8 de outubro
9h30 Cerimónia de abertura.
10h45 Eduardo Lourenço: apresentação do Último Caderno de Lanzarote, de José Saramago.
11h00 Pausa para café.
11h15 Conferência por Teresa Cristina Cerdeira: “Primo Levi e José Saramago: a obra eterna e o quadro infinito”.
13h00 Almoço.
14h30 Sessões paralelas: comunicações.
16h00 Pausa para café.
16h15 Mesa plenária: “Personagens e identidades”.
Ana Paula Arnaut: “Ricardo Reis: o mesmo e o outro”.
Miguel Koleff: “De Juan Maltiempo a Cipriano Algor. Tres o cuatro pinceladas
sobre los personajes saramaguianos”.
Antonio Sáez Delgado: “José Saramago, transiberista”.

9 de outubro
9h30 Mesa plenária: “Diálogo sobre Deus e Saramago”.
Gerson Roani: “Deus como mito literário na escritura de José Saramago”.
Anselmo Borges: “Sobre o Deus de Saramago”.
11h00 Pausa para café.
11h15 Sessões paralelas: comunicações.
13h00 Almoço.
14h30 Mesa plenária: “Outros Saramagos: transmediações”.
Jorge Urrutia: “Intermedialidad y transformación en el cine sobre Saramago”
Filomena Oliveira: “Memorial do Convento e O Ano da Morte de Ricardo Reis – propostas dramatúrgicas”.
Mário Vieira de Carvalho: “Blimunda de Azio Corghi / José Saramago encenada
por Jerôme Savary (1990)”.
16h00 Pausa para café.
16h15 Conferência por David Frier: “De crónicas familiares à construção dum romance: da génese de Levantado do Chão”.
20h00 Jantar do congresso (por inscrição).

10 de outubro
9h30 Conferência por Roberto Vecchi: “Disjecta membra do século breve: memórias em risco e história a contrapelo em dois romances de José Saramago”.
11h00 Pausa para café.
11h15 Sessões paralelas: comunicações.
13h00 Almoço.
14h30 Sessões paralelas: comunicações.
16h00 Pausa para café.
16h15 Conferência por Carlos Reis: “José Saramago e a personagem como alegoria”.
17h00 Sessão de Encerramento: com Pilar del Río.
17h30 O Ano da Morte de Ricardo Reis (adaptação dramatúrgica de Filomena Oliveira e Miguel Real; por Éter – produção cultural).

"Lembro-me" de Marcelo Buanain, fotógrafo e documentarista

A reportagem fotográfica pode ser recuperada e consultada aqui
em, http://www.buainain.com/blog/2013/6/7/lembro-me

"LEMBRO-ME"

"LEMBRO-ME que em 25 de fevereiro de 1996, em Lisboa fui buscar o escritor José Saramago em uma casa localizada no bairro da estrela. Enquanto o conduzia em um simplório carro – por acaso neste mesmo automóvel tive também a honra de transportar o fotógrafo Sebastião Salgado e a sua esposa Lélia – tentava dissimular a minha ansiedade com conversas sobre a nossa amiga em comum, a jornalista Cristina Duran, responsável pela conexão entre nós dois e que gentilmente nos cedeu a sua casa em Alfama para a sessão fotográfica."


A história dessas imagens surge a partir de uma insatisfação pessoal em relação ao padrão dos retratos clichês que na época predominavam nas mídias, levando-me a conceber o projeto Caras e Pessoas, cuja proposta era apresentar uma personalidade portuguesa sob duas óticas: uma face que espelhasse o normal e a outra - a exemplo da famosa fotografia de Albert Einstein com a língua de fora - o insólito, o inusitado. Bingo! A ideia estava concebida, faltava apenas a elaboração de uma lista com os nomes, a concepção para cada retrato e a produção, esta a parte menos atrativa uma vez que se tratavam de celebridades, da disponibilidade de suas agendas e das barreiras geralmente colocadas pelos seus assessores e empresários.


"O drama humano narrado no livro Ensaio sobre a Cegueira, de autoria do Prêmio Nobel José Saramago, inspirou-me a produzir uma série de retratos com ênfase nos olhos do escritor português. A namorada da época declara que a ideia de utilizar a bola de metal partiu dela... Não querendo ignorar o mérito de ninguém, porém é fato que este exercício de brincar com a visão do Nobel para mim não se tratava de uma experiência inédita, pois na década de 80, durante uma sessão fotográfica com o então vizinho, o poeta Manoel de Barros, em alusão à sua figura reservada e avessa à fotografia, servi-me de um caracol para também vedar os seus olhos.
Quando o assunto é retrato, acredito que além da técnica e criatividade seja necessário uma cumplicidade entre o fotógrafo e o seu personagem. Em se tratando do Nobel Saramago, nada foi as Cegas, a sessão aconteceu sem perda da acuidade visual."

Marcelo Buanain
"Nasceu em 1962 na cidade de Campo Grande, Estado do Mato Grosso do sul – Brasil. (...)  fotógrafo e documentarista"


"El legado de Saramago se completa con un texto inédito" de Francisco Chacón (ABC, 19/08/2018)

Pode ser consultado e recuperado aqui
em https://www.abc.es/cultura/libros/abci-legado-saramago-completa-texto-inedito-201808190210_noticia_amp.html?

"Saramago, en su casa de Lanzarote en 2009 - EFE"


El legado de Saramago se completa con un texto inédito
«El cuaderno del año del Nobel», que verá la luz en octubre, permitirá conocer su diario de 1998, año en que fue premiado por la Academia sueca

Francisco Chacón (@chaconbilbao), 19/08/2018

"«El arte no avanza, se mueve», escribió José Saramago en sus «Cuadernos de Lanzarote». Fue poco después de un encuentro literario en Ponta Delgada, donde confrontó sus ideas con Joao de Melo, Francisco José Viegas o Urbano Tavares en medio de la serena inspiración de las islas Azores. Hoy, 25 años después, la Fundación que preside su viuda, Pilar del Río, contribuye a completar su legado sacando a la luz la sexta y última de esas entregas, «El cuaderno del año del Nobel».

Será una edición casi simultánea de este inédito del único Nobel portugués: el 8 de octubre se publicará en Portugal de la mano de Porto Editora (vinculada a la histórica Librería Bertrand, la más antigua del mundo y refugio favorito de Fernando Pessoa durante sus años lisboetas); tres días después Alfaguara la difundirá en España... en el año en el que los escándalos sexuales de la Academia Sueca harán que no se reúna el jurado.

Congreso
Según ha podido saber ABC, la puesta de largo se celebrará el mismo día que se inaugurará el primer congreso acerca de la obra del autor de «Ensayo sobre la ceguera» en la Universidad de Coimbra. El desembarco en las librerías coincidirá, por tanto, con el XX aniversario de la concesión del máximo premio mundial de las Letras, un orgullo para el país vecino, donde su espíritu se mantiene vivo en la Casa dos Bicos, ese feudo del Campo das Cebolas donde la Fundación Saramago despliega su labor.

«En este cuaderno, hay menos vida personal que en los anteriores, en especial el primero. Y hay un mayor posicionamiento cultural y ético», explica Pilar del Río a este diario.

Justo cuando se acaban de cumplir ocho años de la muerte del comprometido escritor, nos llega este broche final a sus diarios, relativo a un año que cambió su vida para sumergirlo en un maremágnum de citas, conferencias y entrevistas con la referencia puesta en su entonces flamante Nobel.

Otros autores, como Günter Grass, han testimoniado la revolución personal que supone la entrega del codiciado galardón. Y Saramago lo comprobó enseguida, tanto que él mismo anticipó que se trataría del cuaderno postrero, ya que se le vino encima toda una avalancha de compromisos.

De acuerdo con Pilar del Río, «el libro aparece en el momento en que más se necesita: entenderán lo que digo cuando vayan avanzando en su lectura. Veinte años después, es el momento adecuado para ciertas reflexiones y confidencias».

Lo que está claro es que no quedó completamente perfilado, a juzgar por las lagunas que se encontraron en el archivo que había permanecido en el disco duro de su ordenador. Por ejemplo, algunos temas no se desarrollan, sino que únicamente se mencionan.

Carpeta
Quien fue su infatigable compañera testimonia las excepcionales circunstancias del hallazgo: «Fernando Gómez Aguilera estaba preparando un volumen centrado en los discursos y conferencias de José. Entonces una noche, mirando en su ordenador en Lanzarote, vi una carpeta en la que no había entrado nunca, llamada “cuadernos”. Ahí vi por primera vez que había un sexto volumen». Y prosigue su relato para este periódico: «Me quedé no ya emocionada, sino helada. También vi que él mismo avanzaba que se publicaría en 2001, aunque luego no fue así».

Pilar del Río subraya la vigencia de los pensamientos contenidos en este libro: sobre la inmigración, sobre Europa, sobre la democracia, sobre la libertad, sobre América Latina.

Además, la edición se completará con la de «Un país levantado en alegría», escrito por Ricardo Viel, brazo derecho de Pilar del Río en la Fundación, para radiografiar el contexto que rodeó a Saramago en aquel 1998. Y todo se amplificará a través del privilegiado altavoz de la Feria del Libro de Guadalajara (México), que contará con Portugal como país invitado del 24 de noviembre al 2 de diciembre."

UIMP Universidad Internacional Menéndez Pelayo - Fotografia de Juantxu Rodríguez (Arquivo da UIMP)

"Universidad Internacional Menéndez Pelayo 
La foto es obra de Juantxu Rodríguez, perteneciente al Archivo de la UIMP." 

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

"Sobre a ignorância" de Monica de Bolle, publicada na revista "Epoca"

A crónica de Monica de Bolle, pode ser consultada e recuperada aqui
em https://epoca.globo.com/monica-de-bolle/sobre-ignorancia-22983986

"Sobre a ignorância"
"Deveríamos almejar não chegar ao fim da campanha presidencial da mesma forma como nela entramos: cheios de interrogações e assoberbados por mistérios inacessíveis
Volto a escrever neste espaço após três semanas de férias no calor escorchante da Península Ibérica. Para fugir da canícula e do excesso de turistas em Lisboa, passei algumas horas na Fundação Saramago deleitando-me com artigos e áudios, frases e reflexões do escritor. Não surpreendentemente, encontrei o melhor resumo da atualidade: “A ignorância é a mãe de todas as polêmicas”. A frase deveria servir como referência não só para os candidatos que pretendem apresentar propostas concretas para resolver os problemas econômicos do país, como também para todos os responsáveis por entrevistá-los e moderar os debates que teremos pela frente.

Durante as férias, pouco acompanhei as entrevistas, sabatinas e os debates de presidenciáveis. A impressão que tenho de tudo que vi desde que voltei é que polêmicas e ruídos continuam abundantes, enquanto o conteúdo é quase nulo, em parte porque muitos candidatos não demonstram interesse em esmiuçar suas propostas, em parte porque o formato das entrevistas e dos debates não permite que o façam. O primeiro debate entre os presidenciáveis, com tantos a se apresentar e falar, nada esclareceu. O resultado da cacofonia foi a citação de entidade fictícia por um candidato cujas chances de se eleger são nulas. A “Ursal” muita polêmica gerou nas redes sociais, muito barulho por nada, embora, como toda polêmica, há quem ainda acredite em sua existência. As sabatinas conduzidas por grandes emissoras de rádio e TV tampouco foram informativas. Na maior parte dos casos, a numerosa bancada de entrevistadores — ainda que formada por excelentes jornalistas — criou profusão de oportunidades para ruídos, pegadinhas e tentativas de esquivar-se de temas espinhosos.

Temos poucos meses para elucidar assuntos básicos e outros nem tão básicos. Temas como a necessidade de fazer a reforma da Previdência, as dúvidas ponderáveis sobre a sustentabilidade do atual teto para os gastos públicos, as propostas para retomar o processo de redução da desigualdade, medidas para aumentar a produtividade e reduzir o desemprego, entre tantos outros assuntos urgentes, precisam ser discutidos para que as pessoas entendam o que significam e como cada candidato pretende resolvê-los. No entanto, do que se viu até o momento,

o risco é que o povo continue ignorante, a ignorância dando espaço para polêmicas inúteis e para a perpetuação do espírito maniqueísta e tribal que assola o país.

Voltando a Saramago, é importante lembrar que ignorância não é sinônimo de simplicidade, humildade ou modéstia. Em 1978, escreveu o escritor português uma de suas mais belas crônicas, intitulada “Carta para Josefa, minha avó”. “Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Criaste pessoas e gado (...). Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião.” A perplexidade do escritor se desvela nas palavras finais, em que revela não entender como pessoa tão humilde e simples, tão aparentemente distante dos problemas do mundo, possa por ele ter tanto interesse ao revelar, aos 90 anos, a pena que sente em morrer. A simplicidade das palavras escolhidas por Saramago para escrever para sua avó, que talvez não o entendesse caso o vocabulário fosse mais rebuscado, é outra lição para candidatos, jornalistas, formadores de opinião, todos aqueles, enfim, que querem que os eleitores entendam o que está em jogo. Não é a sociedade, mas sim o povo que terá de decidir o que quer. Não é déficit fiscal, mas quanto o governo gasta acima do que arrecada com impostos. Não é ajuste fiscal, mas arrecadar mais do que se gasta por meio da redução das despesas do governo. Para que isso seja possível, o governo não pode mais dar benefícios a quem não precisa nem pagar aposentadorias generosas para aqueles que têm recursos para se sustentar — por isso a reforma da Previdência. Citar enxurrada de números mais confunde e desinteressa do que elucida.

Parafraseando Saramago, deveríamos almejar não chegar ao fim da campanha presidencial da mesma forma como nela entramos: cheios de interrogações e assoberbados por mistérios inacessíveis. A ignorância não pode ser soberana.

Monica de Bolle * Diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University

"Los libros de la isla desierta: “Ensayo sobre la lucidez, de José Saramago’" de Óscar Hernández Campano, publicado em "Culturamas" (21/08/2018)

Los libros de la isla desierta: “Ensayo sobre la lucidez, de José Saramago’ 
de Óscar Hernández Campano, publicado em "Culturamas" (21/08/2018)

Pode ser consultado e recuperado aqui
em https://www.culturamas.es/blog/2018/08/21/los-libros-de-la-isla-desierta-ensayo-sobre-la-lucidez-de-jose-saramago/



"Cada pocos años tengo una cita con José Saramago. Desde que lo conocí en persona en la feria del libro de Madrid en 2003, regreso de vez en cuando a su prosa magnética para zambullirme en sus historias tan originales como profundas. Comencé con La caverna, a aquella fábula sobre la voracidad del capitalismo le siguieron otro títulos del portugués inmortal y no hace tanto, me adentré en la ceguera blanca que colma su extraordinario Ensayo sobre la ceguera. Obviamente le había de seguir este título que hoy comparto con vosotros y que me acompañará a la isla desierta. El Ensayo sobre la lucidez es, sin lugar a dudas, un texto que rezuma lucidez y clarividencia por los cuatro costados. Publicado en 2004 y con traducción de Pilar del Río, se adelantó el Nobel a la crisis económica y sobre todo a la revolución política que supuso el 15-M en España y otros movimientos paralelos, similares o parecidos en otros estados del mundo. Saramago parte, como siempre hace, de una forma magistral, sencilla e inteligente, de un supuesto plausible, o no, verosímil, al menos en el universo de la narración, al tiempo que increíble para este mundo en el que vivimos.

Fue un especialista el escritor afincado en Lanzarote de las premisas sorprendentes que se resumen en un: ¿Qué pasaría si…? Y eso es lo que plantea en este Ensayo sobre la lucidez. ¿Qué pasaría si la mayoría de la población votara en blanco? La respuesta, con idas y venidas, con salto de protagonista, con múltiples aristas, con un tono que pasa de la euforia al pesimismo, se desarrolla durante más de 300 páginas que pasan volando. El don de José Saramago era la capacidad de coger de la mano al lector y llevarlo a través de sus páginas, arrojarlo a la corriente de narración propia y peculiar del Nobel, para que llegue, de forma fluida y apacible, a un final abrupto, duro, estremecedor que, en página y media, sobre todo en unas líneas, abofetea al lector y le hace quedarse temblando y, sobre todo, le obliga a reflexionar sobre todo lo que ha propuesto el narrador, que poco no ha sido.

Pues bien, en la capital portuguesa, las elecciones municipales dan como resultado un voto en blanco de las tres cuartas partes del censo. El Gobierno, de derechas, seguido por el partido del medio, y de lejos por el de izquierda, este último intentando hacer suyo el voto de protesta, decide repetir las elecciones. Es que llovía a cántaros, la gente  no lo tenía claro, esto no puede ser. Así que se repiten y la participación masiva, en una soleada jornada electoral, da como resultado que el 83% de los votantes han depositado en las urnas votos en blanco. El Gobierno, noqueado por el resultado y sin precedentes a los que agarrarse, declara el estado de sitio, evacúa los poderes del Estado de la capital, ordena a la policía y al ejército que abandonen la ciudad y la rodea militarmente, a la espera de que la anarquía y el caos purguen y castiguen a la indisciplinada Lisboa. Sin embargo, nada de eso sucede. La ciudad se organiza y vive con calma la nueva situación. No obstante, los gobernantes, temiendo que la revolución se extienda por el país y sospechando que un grupo está detrás de lo que califican como un ataque a la democracia, tomarán cartas en el asunto.

José Saramago nos plantea cuestiones trascendentales en esta novela. ¿Hasta qué punto la ciudadanía ha sido domesticada por el sistema? ¿Cómo reaccionarían los gobiernos ante una situación, pacífica y democrática, que altera el juego de los partidos políticos? ¿Qué harían los políticos para volver al status quo previo? ¿Seríamos los ciudadanos capaces de organizarnos para recuperar el poder político que nos corresponde?

La novela, llena de matices, críticas más o menos veladas y personajes, nuevos y ya conocidos, que se nos antojan no sólo verosímiles, sino cercanos y llenos de sentimientos, pasiones e ideas humanas, se apodera de nuestros sentidos y nuestra mente para hacernos partícipes de la revolución democrática que vive la capital portuguesa (a la que sus políticos le roban la capitalidad del Estado por disoluta y rebelde). Saramago nos dice que el voto es sagrado, que es poderoso, que el sistema democrático se sustenta en el derecho a la libertad de expresión, de ideología, de prensa, de pensamiento y, por supuesto, a votar lo que consideremos oportuno. ¿Por qué si el 83% vota a un partido el resultado es legítimo y si lo hace en blanco es porque hay una conspiración detrás?

Dentro de un tiempo regresaré a mi cita con el maestro José Saramago y me adentraré en una nueva propuesta tan fantástica como realista, pero, sobre todo, lúcida."

"Saramago para além do romance – Um nobel em outros gêneros" de José Figueiredo via "Homo Literatus"

"Saramago para além do romance – Um nobel em outros gêneros"  
de José Figueiredo, publicado em "Homo Literatus"

O texto pode ser consultado e recuperado aqui



"A obra do Nobel de 1998 é bem maior do que apenas a sua faceta conhecida nos romances. Saiba quais são os livros de poesia, conto e teatro de Saramago.

Quando se fala de José Saramago, alguns lugares comuns são inevitáveis: ser o único autor de língua portuguesa a receber o Nobel de Literatura; os seus romances extensos com períodos longuíssimos e parágrafos infindáveis; a análise crítica da História portuguesa; a tentativa de mostrar alguns problemas do mundo moderno e seus desdobramentos. O que, porém, nem sempre se fala é que a obra do Nobel de 1998 é bem maior do que apenas a sua faceta conhecida nos romances.

Se juntarmos o conjunto da obra, encontraremos um complexo amalgama formado peças de teatro, livros de contos – por mais difícil que possa parecer aos que conhecem seus romances caudalosos -, poesia, crônica, diários, memórias, livros de viagens e (imaginem só!)  até um livro infantil.

Para aqueles que ainda não conhecem o autor para além dos romances, elencamos algumas obras de outros gêneros para quem quiser ir além dos romances no mundo saramaguiano.

Que farei com este livro? (Teatro)
É provavelmente a melhor das cinco peças escritas por José Saramago, além de ser a que tem o mote mais interessante: Luís de Camões retorna das Índias depois de muito sacrifício e da ajuda de um amigo e deseja publicar a sua grande obra, Os Lusíadas. Mas estamos em Portugal do século XVI, ou seja, temos a Inquisição que não vê com bons olhos um livro onde deuses pagãos ditam o destino da humanidade; além disso, vemos uma corte portuguesa ociosa, puxa-saca e comandada por Dom Sebastião – um sujeitinho um tanto aficionado em lutar contra os mouros no norte de África. Mesmo sendo uma peça – e não tendo, assim, um narrador –, José Saramago consegue mostrar o mundo contraditório e por vezes mesquinho de Portugal por meio de diálogos afiadíssimos.

Cadernos de Lanzarote (Diários)
Escritos por Saramago no alto dos seus setenta anos, estes cadernos são o cotidiano do escritor português entre 1993 e 1995. Neles encontramos os mais variados assuntos: o cotidiano caseiro em Lanzarote; comentários sobre o que é Literatura e sobre outros autores; a reação de Saramago frente aos acontecimentos do mundo e ao recebimento do Prêmio Camões; a sua evolução no romance que escrevia à época, Ensaio Sobre a Cegueira. Não há nada de bombástico nesses cadernos-díários, encontramos apenas o autor a se desvelar dos assuntos mais prosaicos – sobre o fato de ter aparecido mais um cão sem dono à sua casa, por exemplo – aos mais complexos e espinhosos, sempre com total dedicação e entusiasmo.

O Conto da Ilha Desconhecida (Conto)
Pode parecer estranho, ou até aterrador, que Saramago tenha escrito contos, dado o seu estilo nada conciso de escrita, mas o fato é que ele se aventurou pelas histórias curtas algumas vezes durante a vida, tendo encontrado o seu melhor resultado nesse livretinho de trinta e pouca páginas. O mote que dá espaço para as divagações do autor é bem simples: um homem bate no castelo e pede um barco para descobrir uma ilha; sendo indagado qual ilha ele quer descobrir, ele responde que quer descobrir a dita ilha desconhecida do título. Saramago, assim, cria uma grande metáfora sobre o homem, focando suas ambições e frustrações durante a existência.

O Ano de 1993 (Poesia)
Quando se fala desse livro, normalmente é para se mostrar espanto em relação a ele. Escrito antes de Saramago retomar o romance, gênero que havia abandonado há vinte cinco anos, temos narrado aqui um mundo distópico onde o caos está instalado. Uma alegoria da história da humanidade (é fácil reconhecer vários eventos da história). Já aqui o autor mostra muitas das características que fariam parte da sua escrita a partir de então: sintaxe flexível, personagens sem nome, histórias/parabólicas (estes dois últimos pontos, ele retomaria apenas vinte anos depois, em Ensaio Sobre a Cegueira). Um ponto de transição da sua incursão pelo mundo da poesia para o da prosa, o livro é composto por pequenos trechos de escrita elíptica, que nada lembram a enxurrada de palavras que estava por vir. É um livro interessante para quem quer conhecer um grande escritor em formação.

Há ainda outras recomendações que poderíamos fazer, tais como Os Poemas Possíveis, seu primeiro livro de poesia, ou as peças A Segunda Vida de Francisco de Assis e In Nomine Dei, nas quais Saramago aborda mais uma vez a boa e velha religião católica. Seja como for, José Saramago é um mundo a parte – muito maior que apenas seus romances conhecidos."

terça-feira, 14 de agosto de 2018

"Aquilo que não foi esquecido continua vivo e presente" - José Saramago (in Revista Blimunda #74 - Julho de 2018)



Link da edição #74 da Revista Blimunda (Julho de 2018)

Páginas 61 a 70

"Em 1998, meses antes de receber o Prémio Nobel, José Saramago concedeu ao jornal italiano Liberazione uma extensa entrevista a propósito do romance Todos os Nomes, que acabara de ser publicado em Itália. A Blimunda publica as respostas que o escritor enviou ao jornalista Marco Romani, por fax, no dia 30 de agosto. 
As perguntas, embora não estejam reproduzidas por José Saramago, deduzem-se da leitura das respostas enviadas.

1) A vida do Sr. José funcionário duma conservatória de Registo Civil nada tem que ver com a minha. Nunca vivi só, estou casado pela terceira vez, tenho uma filha e dois netos. Também não assaltei escolas nem falsifiquei documentos. O facto de o Sr. José ter esse nome resulta apenas do facto de eu ter pretendido dar-lhe um nome banal que estivesse de acordo com a insignificância do personagem. Não encontrei nome mais banal que o meu próprio... Não é este o primeiro romance em que os personagens não têm nome. Já em Ensaio Sobre a Cegueira isso sucedia. Nesse caso foi a exepcionalidade da situação criada – uma cidade de cegos, um mundo de cegos – que me fez compreender como são frágeis os nomes que usamos, como facilmente deixam de ter significado quando o indivíduo se dissolve no grupo, no bando, na multidão. Nos campos de concentração não se tatuavam nomes, mas números, e as sociedades em que hoje vivemos parecem mais interessadas em conhecer o número do nosso cartão de crédito do que em saber como nos chamamos. O caso de Todos os Nomes é diferente. Pessoas diferentes têm o mesmo nome, dizer o nome não é suficiente para «dizer» a pessoa. O Sr. José sabe como se chama a mulher desconhecida, mas isso é o mesmo que nada saber. 

2) Não afirmo que procurar uma coisa seja o «único» significado que ela tem, mas, tratando-se do «outro», o caminho que nos deveria levar a ele não tem ponto de chegada. Iremos aproximando-nos cada vez mais, mas nunca poderemos dizer: «Conheço-te». O Sr. José tem consciência dessa impossibilidade (uma consciência difusa, mas que está presente em todos os seus actos), por isso semeia de obstáculos o seu caminho. Vencer esses obstáculos é mais importante para ele do que
encontrar o objecto da busca.

3) Ponhamo-nos no lugar do Sr. José, ou talvez não seja preciso tanto. Na vida de cada um de nós houve pelo menos um momento em que tivemos de «inventar» uma razão para mudar a vida, uma razão maior que nós, uma razão capaz de transportar-nos aonde não nos levaria a rotina do quotidiano. O que o Sr. José fez foi «inventar» uma ilha desconhecida e lançar-se ao mar à procura de si mesmo, que é o que realmente fazemos quando procuramos o «outro»...

4) A ordem hierárquica dos funcionários da Conservatória pode ser interpretada com a ordem de uma História em que todos os factos, datas e nomes tivessem os seus lugares marcados e fixados de uma vez para sempre. O Sr. José irá perturbar esta fixidez, primeiro procurando alguém a quem não deveria procurar e sem para tal estar autorizado, depois, pouco a pouco, fazendo desaparecer a linha que separa a morte da vida, ou a vida da morte, segundo se prefira. O Sr. José, se se me permite a ousadia, é uma espécie de Orfeu...

5) Da colecção de notícias do chefe da Conservatória não chegamos a saber nada. Sabemos apenas que ele tem conhecimento de tudo o que se vai passando. Aproxima-o do Sr. José precisamente o carácter «subversivo» das acções deste, e essa aproximação torna-se em cumplicidade quando o chefe compreende que a humanidade autêntica é o conjunto dos mortos e dos vivos, confundidos uns com os outros no ontem e no hoje, inseparáveis no agora e no sempre.

6) Na Conservatória estão os papéis da vida e da morte de todos os seres humanos nascidos, no Cemitério estão os restos dos que já não pertencem à vida mas pertencem invisivelmente à História. Assim, Cemitério e Conservatória são complementares, nenhum deles poderia existir sem o outro. No fundo são uma coisa só.

7) Penso que comentemos um erro grave quando esquecemos os nossos mortos, crendo que essa é a maneira de negar a morte. Também tentamos negar a velhice quando retiramos os velhos da vida afectiva e social. Nesse momento começamos a esquecê-los. Como em Todos os Nomes está escrito, só o esquecimento é a morte definitiva. Aquilo que não foi esquecido continua vive e presente.

8) Essa declaração é feita por um dos personagens do romance, e não por mim... Mas é verdade que a metáfora nos aparece como uma iluminação das coisas diferente, como uma luz rasante que iluminasse o releve de uma pintura. A metáfora é um pressentimento do saber total. Quanto ao dever e ao fim da literatura, recordemos que os seus fins e os seus deveres foram diversos e nem sempre concordantes ao longo do tempo. Como não foram iguais e muitas vezes foram opostos os deveres e os fins das sociedades humanas, de que a literatura é, ao mesmo tempo, reflexo e reflector.

9) O fim do milénio é um mero acidente de calendário. O que está a acabar, de facto, é uma civilização. Paulo Valéry não imaginava a que ponto tinha razão quando escreveu: «Nós, civilização, sabemos agora que somos mortais.» Já antes o deveríamos ter sabido se fôssemos capazes de aprender com o passado. O tipo humano que começou a definir-se na época do Iluminismo está a extinguir-se. Não sei o que virá depois dele. Penso, contudo, que não haveria lugar para mim nos tempos que se aproximam...

10) A pergunta não deveria ser «que é que existe ainda da esquerda?», mas sim «que foi o que abandonámos da esquerda?». Nesse caso direi que muitos (muitíssimo) abandonaram o que chamo um «estado de espírito de esquerda» para passar-se, fosse por ambição, oportunismo, ou cobardia moral, ao outro lado, mesmo quando fingem contestá-lo. Contra todas as aparências, a questão central do nosso tempo não é a globalização da economia, mas a ética. Espero que a esquerda (a que ainda resta) o descubra a tempo...

11) A mesma Europa que gastou séculos e séculos para conseguir formar cidadãos, só precisou de vinte anos para transformá-los em clientes. Sócrates tornaria a pedir o vaso de cicuta...

12) A cultura «europeia» não existe como tal. E se alguma vez vier a existir, temo que não seja «europeia» no sentido de uma síntese mais ou menos lograda das suas diversas culturas nacionais, mas sim o resultado do predomínio de uma dessas culturas sobre as outras. A globalização, seja ela mundial ou apenas europeia, é um totalitarismo." 

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Edição online da revista "Blimunda" Julho de 2018 #74

Pode ser descarregada e consultada aqui

"A caleidoscópica série de fotografias do sul-africano Pieter Hugo, expostas no Museu Berardo, em Lisboa, é um dos destaques do número 74 da Blimunda. Como são os avós retratados nos livros para os miúdos? É este o tema da secção infantil e juvenil da revista. A Saramaguiana recupera uma entrevista que José Saramago deu ao jornal italiano Liberazione, meses antes de lhe ser concedido o Prémio Nobel de Literatura. «Só o esquecimento é a morte definitiva. Aquilo que não foi esquecido continua vivo e presente», afirmou o escritor ao diário. A Blimunda de julho fala ainda de Saviano e de Trump, e sobre a foto que marcou a Mundial da Rússia.

Boas leituras e boas férias!" 
(Via página da FJS)