Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O feminino no universo de Saramago, pelas suas palavras



(imagem alusiva à personagem Blimunda, do "Memorial do Convento, alimentando-se e assim evitando, "ver por dentro" de Baltasar)


(...) O personagem central da história é outra vez uma mulher. Suponho que às minhas leitoras lhes agradará que isto seja uma constante, porque verdadeiramente, como personagens, quem sempre salva os meus livros são as mulheres. Não é que os homens não sejam pessoas boas, que o são e podem sê-lo, mas ao lado delas aparecem sempre como pequenos aprendizes. Quero clarificar algo que já assinalei antes, a propósito do facto de não se encontrarem heróis nos meus romances, apenas gente normal, que vive vidas normais, embora no caso de Baltasar e Blimunda eles assistam com naturalidade a certos prodígios. Reflicto e escrevo sobre pessoas comuns porque essa é a gente que conheço. É provável que as mulheres que invento não existam, talvez não sejam mais do que projectos, talvez me seja mais fácil imaginar um projecto de mulher que um projecto de homem. Em qualquer caso, e para não fugir à questão, acrescentarei o facto de ter sido criado por mulheres, de viver e crescer sempre entre mulheres, pressupôs, em definitivo, ter aprendido com elas o que efectivamente é benéfico, não no sentido utilitário, mas em profundidade e humanismo. Devo isto às mulheres e, por isso, assim fica reflectido nos meus livros. (...)

em, "A Estátua e a Pedra
Fundação José Saramago
Página 35

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