Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Pinacoteca Nacional de Bolonha onde Saramago recolhe material para "O Evangelho segundo Jesus Cristo"

(...) O "Evangelho segundo Jesus Cristo", dizia, é o romance que gerou mais polémica e é a causa de ter mudado a minha residência de Lisboa para Lanzarote, em Espanha. É um livro que não projectei, porque jamais me havia passado pela cabeça escrever uma vida de Jesus, havendo tantas e sendo tão diferentes as interpretações que dessa vida se fizeram, destrutivas por vezes, ou, pelo contrário, obedecendo às imposições restritivas do dogma e da tradição." (...)



Atente-se, nestas anteriores palavras. Refere abertamente que a sua vida sofreu perturbações e mudanças após a publicação da obra (que o leva a deixar a vida normal e fixa em Lisboa, passando a habitar em Lanzarote), ao mesmo tempo que recorda a sua prévia reticência em abraçar a idealização e esquematização da sua interpretação da vida de Jesus.
Esta reticência, e porque ao tocar nela, com uma visão não alinhada, não seguidista, abalroando os dogmas e evidenciando o seu cepticismo perante a interpretação das diversas "escrituras", Saramago, comprou uma guerra.
É minha interpretação, que José Saramago teria a convicção de que a "Igreja", enquanto organização o ignoraria, desprezaria-o, ao mesmo tempo que alguns sectores mais radicais, quais defensores e cruzados, lançariam umas "alfinetadas" aqui e ali. A este propósito confidencia a José Carlos de Vasconcelos, que o livro é capaz de dar um editorial na Rádio Renascença.
Mas, talvez tenha sido apanhado de surpresa, ou não estivesse preparado para uma agressão e censura, perpetrada pelas mais altas figuras do "Estado" português.
Este "Estado" de origem Republicana e Laica, assumia ao mais alto nível que o "Evangelho segundo Jesus Cristo" seria um livro blasfemo, censurável pela sua visão desalinhada com o Vaticano e "bispos" de Lisboa. 
A história e repercussão que a mesma teve, é por demais conhecida, e Saramago refere que depois de muito se discutir esta questão... tudo ficaria na mesma. 
Ouso pensar, que pela sua cabeça, deverão ter ressoado estas palavras: «É tempo de dizer, um até já e fiquem a falar sozinhos...»
Prossegue.



(...) "Simplesmente, o homem põe e a circunstância dispõe e aqui está o que me impeliu a uma tarefa cuja complexidade ainda hoje me assusta: Estava em Sevilha, ia ao encontro de Pilar, minha mulher, e, atravessando a Praça da Campana em direcção à Rua Sierpes, li, ao longe num quiosque de jornais que mais tarde vim a saber era conhecido como o Quiosque de Curro, entre a confusão de jornais e revistas expostos numa lateral, e escrito num português do mais nítido que possa ver-se, estas palavras: «O Evangelho segundo Jesus Cristo». Olhei e segui em frente, atravessei a rua, e dez metros mais à frente, Rua Sierpes adentro, detive-me e disse a mim próprio que aquilo não era possível, que tal coisa não podia existir, de modo que voltei atrás para acabar por comprovar que nem em português, nem em espanhol, nem em italiano, nem em nenhuma outra língua do mundo estava a palavra «Evangelho», nem a palavra «Jesus», nem a palavra «Cristo» (...)
(...) Durante cerca de um ano andei com aquele pressentimento de livro, sentia que deveria ser o seguinte trabalho mas não encontrava a ponta do fio por onde lhe poderia pegar. E aconteceu que, passados meses, fui a Itália e na Pinacoteca de Bolonha, entrando na segunda ou na terceira sala à esquerda, de repente vi todos os pontos de apoio de que precisava para escrever o livro. Depois foi o tempo do trabalho, e o romance está aí e por aí circula.
Com este livro terminou a "estátua". A partir de "O Evangelho segundo Jesus Cristo", e isto sei-o agora que o tempo passou, começou outro período da minha vida de escritor. (...)
(...) Quando terminei "O Evangelho" ainda não sabia que até então tinha andado a escrever estátuas. Tive de entender o novo mundo que se me apresentava ao abandonar a superfície da pedra e passar para o seu interior, e isso aconteceu com o "Ensaio sobre a Cegueira". Percebi, então, que alguma coisa tinha terminado na minha vida de escritor e que algo diferente estava a começar. (...)

em, "A Estátua e a Pedra
Fundação José Saramago
Páginas 32 a 34


Brilhante menção à Pinacoteca Nazionale di Bologna, aqui o site em http://www.pinacotecabologna.beniculturali.it/, onde José Saramago, descobriu as diversas fontes para que pudesse pegar nas pontas do seu projecto.

"La Pinacoteca  
La Pinacoteca Nazionale di Bologna ha sede nella zona universitaria, nello stesso edificio storico che ospita l’Accademia di Belle Arti e la Soprintendenza per il Patrimonio Storico Artistico ed Etnoantropologico di Bologna, così da costituire un complesso dove si fondono esposizione, tutela, conservazione e studio del patrimonio storico artistico cittadino e regionale.
Con le sue trenta sale espositive, ed uno spazio adibito esclusivamente alle mostre temporanee ed alla attività didattica, la Pinacoteca, rinnovata ed adeguata agli standard europei, è oggi da annoverare tra le più moderne ed importanti Gallerie nazionali conosciute ed apprezzate all’estero.
Il suo patrimonio si è arricchito negli anni con nuove acquisizioni statali, lasciti e donazioni di privati che hanno completato il già vasto percorso artistico dell’arte emiliana che va dal XIII all’ inizio del XIX secolo."



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