Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 31 de janeiro de 2016

A forma como José Saramago descobre Ricardo Reis - Cadernos de Lanzarote Diário III (11/01/1995)

"Ricardo Reisin Viimeinen Vuosi" - Tammi, Finlandia
A editora Tammi continua a apostar nas reedições dos romances de José Saramago, 
apresentando novos arranjos gráficos de grande qualidade e sensibilidade.
Acaba de dar à estampa a nova edição de "O Ano da Morte de Ricardo Reis", 
com um trabalho gráfico de Markko Taina e fotografia de Pertti Nisonen.


11 de Janeiro (1995)
"Carlos Câmara Leme, do Público, pediu-me, a propósito da próxima publicação duma edição crítica dos poemas de Ricardo Reis, umas palavras que recordassem as circunstâncias em que os li pela primeira vez. 
Escrevi o que segue: 
«Não era risonha, e de certeza não era franca completamente. Refiro-me à escola. Chamava-se de Afonso Domingues vizinha do lado da Igreja da Madre de Deus, paredes meias com o Asilo de Maria Pia, que era onde se corrigiam os rapazes maus daquele tempo. A escola era industrial, mas está claro que não preparava industriais: preparava gente para as oficinas. Também, havendo na família suficientes teres e cumpridos os necessários exames de admissão aos escalões seguintes - Instituto Industrial e Instituto Superior Técnico -, podia-se chegar a agente técnico ou a engenheiro. A maior parte tinha de contentar-se com os cinco anos do curso (que podia ser de serralharia mecânica, serralharia civil ou carpintaria) e ia à vida. Levava umas luzes gerais de matemática e de mecânica, de desenho de máquinas, de física e química, de francês, de ciências da natureza, o suficiente de português para escrever sem erros - e literatura. Sim, nos remotíssimos anos 30 aprendia-se literatura portuguesa no ensino industrial. Ora, quem diz literatura, diz biblioteca: a Afonso Domingues tinha uma biblioteca, um lugar escuro, misterioso, com altas estantes envidraçadas e muitos livros lá dentro. Nisto de livros, os meus amores (estava na idade, andava pelos 16, 17 anos) iam sobretudo para a Biblioteca Municipal do Palácio das Galveias, no Campo Pequeno, mas foi em Xabregas, na Escola de Afonso Domingues, que começou a escrever-se O Ano da Morte de Ricardo Reis. Um dia, numa das minhas incursões à biblioteca da escola (estava a chegar ao fim do curso) encontrei um livro encadernado que tinha dentro, não um livro como se espera que um livro seja, mas uma revista. Chamava-se Athena, e foi para mim como outro sol que tivesse nascido. Talvez alguma vez seja capaz de descrever esses momentos. O que certamente não conseguirei explicar é a razão por que me abalaram tão profundamente as odes de Ricardo Reis ali publicadas, em particular as que começam por Seguro assento na coluna firme / Dos versos em que fico, ou Ponho na altiva mente o fixo esforço, ou Melhor destino que o de conhecer-se / Não frui quem mente frui. Nesse momento (ignorante que eu era) acreditei que realmente existia ou existira em Portugal um poeta que se chamava Ricardo Reis, autor daqueles poemas que ao mesmo tempo me fascinavam e assustavam. Mas foi anos mais tarde, poucos, no princípio dos anos 40, quando Adolfo Casais Monteiro publicou uma antologia de Pessoa (então já eu sabia isso dos heterónimos), que uns quantos versos de Ricardo Reis se me impuseram como uma divisa, um ponto de honra, uma regra imperativa que iria ser meu dever, para todo o sempre, cumprir e acatar. Eram eles estes:

Para ser grande, sê inteiro: nada 
Teu exagera ou exclui. 
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és 
No mínimo que fazes. 
Assim em cada lago a lua toda 
Brilha, porque alta vive. 

Durou uns anos. Fiz o que pude para não ficar atrás do que se me ordenava. Depois compreendi que não podiam chegar-me as forças a tanto, que só raros deveriam ser capazes de ser tudo em cada coisa. O próprio Pessoa, que foi grande mesmo, ainda que de outra forma de grandeza, nunca foi inteiro... Logo... Não tive outro remédio que tornar-me humano.»" 
in, "Cadernos de Lanzarote Diário III"
Caminho, páginas 16 a 18 (11 de Janeiro de 1995)

sábado, 30 de janeiro de 2016

"Cartas para José Saramago" de Orlando Brito (Fotografo)

"Cartas para José Saramago"

"O carteiro já sabia que dificilmente encontrava o famoso destinatário e por isso confiava todas as correspondências que vinham pelos correios ao dono da Quitanda Mascote, uma pequenina mercearia vizinha do modesto apartamento de Saramago em Lisboa"

(Fotografia de Orlando Brito - 1993)
"O escritor português José Saramago recebe as correspondências 
que chegavam a seu endereço de Lisboa."

O presente texto pode ser consultado e lido, aqui

"Como foi – Em 1991, o laureado José Saramago resolvera mudar-se para Lanzarote, uma das ilhas Canárias, depois que seu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, foi censurado em seu próprio país. Ao lado da mulher espanhola Maria Del Pilar (Nota correcção, Pilar del Río), ele dizia ter encontrado no lugar dois fatores ideais para meditar e escrever: silêncio e tranquilidade. Tranquilidade e silêncio no cenário de crateras e vulcões adormecidos do arquipélago atlântico.

O colega jornalista Luís Costa Pinto e eu viajamos para fazer várias matérias em Lisboa, então um canteiro de obras porque Portugal fora admitido na Comunidade Europeia. Arriscamos um encontro com José Saramago. Não foi difícil localizá-lo, consultamos a lista telefônica e lá estava o número em “Saramago, José”. Tivemos sorte. Ele mesmo atendeu à chamada e marcou hora para irmos à sua casa. Primeiramente, quis saber de quatro brasileiros, seus conhecidos: Jorge Amado, Roberto Pompeu de Toledo, Fernando Morais e José Sarney.

Depois, José Saramago nos deu uma longa entrevista, nos contou que não tirou o pé de Lanzarote durante meses. Disse que, enfim, podia escrever um diário. Queria narrar a vida pacata naquela aldeia, uma pequena novela de um personagem só.

O certo é que naquele início de 1993, coincidindo com nossa estada lá, o escritor estava de passagem por sua residência lisboeta para conferir a correspondência. Afinal, um ganhador do Prêmio Nobel de Literatura – e também do Prêmio Camões – recebe cartas de admiradores e amigos de todas as partes do mundo.

O carteiro já sabia que dificilmente encontrava o famoso destinatário e por isso confiava todas as correspondências que vinham pelos correios ao dono da Quitanda Mascote, uma pequenina mercearia vizinha do modesto apartamento de Saramago, à Rua dos Ferreiros, número 36-A, no Bairro da Estrela, um dos mais tradicionais da aprazíveis de Lisboa. Foi lá que fiz essa inusitada fotografia.

José Sousa Saramago – ateu e ativista do Partido Comunista – escreveu livros admiráveis, entre eles, Memorial do Convento, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Levantado do Chão, Conto da Ilha Desconhecida, Ensaio Sobre a Cegueira. O escritor, teatrólogo, dramaturgo, jornalista e poeta, nascido na freguesia de Azinhaga, na região do Alentejo, faleceu em 2010, aos 78 anos, na pequena cidade de Tias, província de Las Palmas, na Espanha, terra de sua mulher."


"Casa dos Bicos" sede da FJS, alguns elementos da sua história

Pequena abordagem da evolução histórica da "Casa dos Bicos" (baseada na fotografia postada na página do Facebook da Fundação José Saramago), datada de 1951; de onde se recua até ao século XIX, e daí até aos nossos dias.

A página da Direcção-Geral do Património Cultural, classifica o edifício "Casa de Brás de Albuquerque (Casa dos Bicos)", e cuja informação histórica pode ser aqui consultada, 
"A Casa dos Bicos é um dos raros exemplares da arquitectura renascentista que subsistiu da Lisboa manuelina. Foi mandada edificar por Brás de Albuquerque, cortesão de reconhecida e esmerada cultura humanista, devendo-se também ao seu patrocínio a construção da magnífica Quinta da Bacalhôa. 
Em 1521 Brás de Albuquerque integrou a comitiva real que conduziu a Infanta D. Beatriz, filha de D. Manuel, a Itália para seu o casamento com o duque Carlos III de Sabóia; aí, o conselheiro do Venturoso terá contactado com os modelos eruditos da arquitectura renascentista italiana. Ao voltar a Portugal, cerca de 1523, mandou erguer nos terrenos fronteiros à Ribeira Velha e à Alfândega que haviam pertencido ao vice-rei Afonso de Albuquerque, seu pai, um edifício inspirado nos palácios dei diamanti italianos, com loja, sobreloja e dois andares nobres, havendo alguns autores que atribuem a obra ao arquitecto régio Francisco de Arruda. 
A estrutura original ficou bastante danificada devido ao terramoto de 1755 e ao incêndio que se lhe seguiu. A fachada principal, que ficava virada à actual Rua Afonso de Albuquerque, caiu, e os dois andares cimeiros de todo o edifício ruíram. Em 1772 o edifício foi parcialmente reconstruído, mas a estrutura quinhentista ficou irremediavelmente alterada. Ao longo do século XIX a casa sofreu as mais variadas vicissitudes, chegando a ser utilizada como armazém de bacalhau por largas dezenas de anos. 
Cerca de 1960 a Câmara de Lisboa adquiriu a Casa dos Bicos, contratando em 1968 o arquitecto Raul Lino para executar um projecto de adaptação do espaço a museu. No entanto, a obra foi adiada, e somente em 1981 foi desenhado o plano de recuperação da Casa dos Bicos, pela mão do arquitecto Santa Rita. O espaço foi então adaptado às novas funções museológicas, sendo acrescentados ao edifício os dois andares que perdera com o terramoto. A fachada foi reconstruída segundo imagens antigas de Lisboa que mostram a estrutura original da casa de Brás de Albuquerque. 
De planta rectangular, o edifício distingue-se pela sua invulgar fachada, em que o aparelho de pontas de diamante de gosto renascentista - que originou a designação popular de Casa dos Bicos - se conjuga com as janelas contemporâneas inspiradas na linguagem decorativa manuelina, cuja distribuição irregular imprime ritmo à fachada. No piso térreo foram abertas portas de moldura regular com diferentes dimensões. A disposição original do espaço interior foi profundamente alterada para poder albergar os núcleos de museologia. 
Entre 1986 e 2002 o edifício albergou a extinta Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Actualmente, é a sede da Fundação José Saramago. 
Catarina Oliveira - DGPC, Julho de 2012"

A fachada da Casa dos Bicos, sede da Fundação José Saramago
Nas janelas, obra do artista plástico José Santa-Bárbara, baseada no "Memorial do Convento"
"Edição especial de Memorial do Convento, de José Saramago, comemorativa 
do vigésimo aniversário da sua primeira edição, em Outubro de 1982. 
É ilustrada com pinturas de José Santa-Bárbara que se incluem no ciclo «Vontades. 
Uma leitura de Memorial do Convento»." (Fonte: Bibliografia FJS)


Casa dos Bicos e a Oliveira transplantada da
Azinhaga, terra natal de José Saramago
Ponto de encontro e de acesso aos visitantes da Fundação José Saramago
(Na foto, a criança e a continuidade - Fotografia Helena Mesquita)


"Lisboa 1951 - Casa dos Bicos - Fotografia de Alfred Franz Adolf Ehrhardt"
Fotografia colocada na página do Facebook da Fundação José Saramago, aqui

Do blog "Lisboa de Antigamente" é feita uma abordagem histórica 
à construção e história da conhecida "Casa dos Bicos" Pode ser consultado, aqui 

(Rua dos Bacalhoeiros, 10/10F (Século XIX)
Paulo Guedes, in Arquivo Municipal de Lisboa

(Rua dos Bacalhoeiros, 10/10F (Século XIX)
José Artur Leitão Bárcia, in Arquivo Municipal de Lisboa

Mais informação, na página do Facebook, aqui




Reflexão sobre a sua obra e "actos de passagem" - Cadernos de Lanzarote Diário II (15/09/1994)

15 de Setembro (1994)
"Relendo ocasionalmente a conferência de Luciana Stegágno Picchio no Instituto de Cooperação Iberoamericana, em Madrid, em Maio do ano passado, quando da «Semana» dedicada a este autor, encontro a afirmação de que Levantado do Chão marcou uma «passagem» em toda a minha escrita, tanto em sentido temporal como estilístico e de género. Creio que de facto é assim, e eu próprio, sem esquecer a Viagem, o tenho designado por «livro de mudança», o que vem a dar mais ou menos no mesmo. Mas esta declaração de Luciana, agora refrescada pela leitura, leva-me a perguntar se os meus romances não serão, todos eles, afinal, não apenas «livros de passagem» como também autênticos «actos de passagem», que, implicando obviamente as respectivas personagens, talvez envolvam, mais do que pareça, o próprio autor. Não digo em todos os casos nem da mesma maneira. Por exemplo: de passagem a uma consciência se trata no Manual; da passagem de uma época a outra creio estar feito muito do Memorial; em passagens da vida à morte e da morte à vida passa Ricardo Reis o seu tempo; passagem, em sentido total, é a Jangada; passagem mais do que todas radical é a que quis deixar inscrita no Cerco; finalmente, se o Evangelho não é a passagem de todas as passagens, então perca eu o nome que tenho... Do que aí fica não tiro conclusões, nem para sim, nem para não. A primeira operação investigadora a cometer seria confrontar as sucessivas fases da minha vida com os livros que as prepararam ou delas foram consequência - e isso quem o fará? Não eu, porque de certeza me perderia no labirinto que inevitavelmente estaria a emaranhar no mesmo instante em que começasse a pôr a claro as primeiras relações de causa e efeito..."

in, "Cadernos de Lanzarote Diário II"
Caminho, páginas 196 e 197

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Compilação de Prémios, Doutoramentos «Honoris Causa» e Distinções à obra e ao autor


"A obra de José Saramago foi distinguida em diversos países, 
com vários prémios, entre os quais cabe destacar 
o Prémio Luís de Camões em 1995 
e o Prémio Nobel da Literatura em 1998."

Informação recolhida através da página da Fundação José Saramago que pode ser aqui consultada,


Prémios

1979. Prémio da Associação de Críticos Portugueses - Melhor Peça de Teatro, representada em 1979, por A Noite. Portugal.

1981. Prémio Cidade de Lisboa, por Levantado do Chão. Portugal.

1982. Prémio Pen Clube, por Memorial do Convento. Portugal.

1982. Prémio Literário do Município de Lisboa, por Memorial do Convento. Portugal.

1984. Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, pelo conjunto da sua obra. Portugal.

1984. Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, por O Ano da Morte de Ricardo Reis. Portugal.

1985. Prémio Pen Clube, por O Ano da Morte de Ricardo Reis. Portugal.

1985. Prémio da Crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários, por O Ano da Morte de Ricardo Reis. Portugal.

1986. Prémio Dom Dinis da Fundação da Casa de Mateus, por O Ano da Morte de Ricardo Reis. Portugal.

1987. Prémio Grinzane-Cavour, por O Ano da Morte de Ricardo Reis. Itália.

1992. Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, por O Evangelho segundo Jesus Cristo. Portugal.

1992. Prémio Internacional Ennio Flaiano por Levantado do Chão, em Pescara. Itália.

1992. Prémio Brancatti, em Zafferana, pelo conjunto da sua obra. Itália.

1992. Prémio Literário Internacional Mondello, em Palermo, pelo conjunto da sua obra. Itália.

1993. Prémio The Independent Foreign Fiction, por O Ano da Morte de Ricardo Reis. Reino Unido.

1993. Grande Prémio de Teatro da Associação Portuguesa de Escritores, por In Nomine Dei. Portugal.

1993. Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, pelo conjunto da sua obra. Portugal.

1995. Prémio Camões, pelo conjunto da sua obra. Portugal.

1995. Prémio de Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores, pelo conjunto da sua obra. Portugal.

1996. Prémio Rosalía de Castro do Prémio Pen Clube (Galiza), pelo conjunto da sua obra. Espanha.

1998. Prémio Nobel da Literatura, pelo conjunto da sua obra. Suécia.

1998. Prémio Arcebispo Juan de San Clemente, por Ensaio sobre a Cegueira. Espanha.

1998. Prémio Europeu de Comunicação Jordi Xifra Heras, de Girona, pelo conjunto da sua obra. Espanha.

1998. Prémio Nacional de Narrativa Città di Pienne, pelo conjunto da sua obra. Itália.

1998. Prémio Scanno da Universidade Gabriele d’Annunzio, por Objecto Quase. Itália.

1998. Prémio Internacional de Narrativa Città di Penne-Mosca, pelo conjunto da sua obra. Itália.

2001. Prémio Canárias Internacional pelo Governo das Canárias, pelo conjunto da sua obra. Espanha.

2006. Prémio Dolores Ibárruri, pelo conjunto da sua obra. Espanha.

2009. Prémio à Cooperação Internacional CajaGranada, Granada, pelo conjunto da sua obra. Espanha.


Doutoramentos «Honoris Causa»

1991. Universidade de Turim. Itália.

1991. Universidade de Sevilha. Espanha.

1995. Universidade de Manchester. Reino Unido.

1997. Universidade de Castilla-La Mancha. Espanha.

1997. Universidade de Brasília. Brasil.

1999. Universidade de Évora. Brasil.

1999. Universidade de Nottingham. Reino Unido.

1999. Universidade de Porto Alegre. Brasil.

1999. Universidade de Minas Gerais. Brasil.

1999. Universidade de Federal de Santa Catarina. Brasil.

1999. Universidade de Rio de Janeiro. Brasil.

1999. Universidade de Massachussets. Estados Unidos da América.

1999. Universidade de Las Palmas de Grã-Canária. Espanha.

1999. Universidade de Politécnica de Valência. Espanha.

1999. Universidade de Federal do Rio Grande do Sul. Brasil.

1999. Universidade de Fluminense. Brasil.

1999. Universidade de Michel de Montaigne. França.

1999. Recusa o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade Federal do Pará. Brasil.

2000. Universidade de Santiago do Chile. Chile.

2000. Universidade da República, Montevideu. Uruguai.

2000. Universidade de Salamanca. Espanha.

2001. Universidade de Granada. Espanha.

2001. Universidade de Roma Tre. Itália.

2002. Universidade para Estrangeiros de Siena. Itália.

2003. Universidade Carlos III. Espanha.

2003. Universidade de Buenos Aires. Argentina.

2003. Universidade Autónoma do México. México.

2003. Universidade Juaréz Autónoma de Tabasco. México.

2004. Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra. Portugal.

2004. Universidade Charles de Gaulle, Lille. França.

2004. Universidade de Alicante. Espanha.

2005. Universidade de Alberta. Canadá.

2005. Universidade Nacional de El Salvador. El Salvador.

2005. Universidade Nacional de São José. Costa Rica.

2005. Universidade Nacional de Comahue. Argentina.

2005. Universidade de Estocolmo. Suécia.

2006. Universidade de Dublin. Irlanda.

2007. Universidade Autónoma de Madrid. Espanha.

2010. Universidade Eötvös Loránd, em Budapeste. Hungria.


Outras Distinções

1985. Comendador da Ordem Militar de Santiago de Espada. Portugal.

1985. Presidente da Assembleia-Geral da Sociedade Portuguesa de Autores. Portugal.

1991. Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres.França.

1992. Membro da Frente Nacional para a Defesa da Cultura. Portugal.

1993. Membro do Parlamento Internacional de Escritores. França.

1993. Membro da Academia Universal da Culturas. França.

1994. Integra a Academia Universal das Culturas, com sede em Paris. França.

1994. Membro Correspondente da Academia Argentina de Letras. Argentina.

1994. Membro do Patronato de Honra da Fundação César Manrique, Lanzarote. Espanha.

1994. Sócio Honorário da Sociedade Portuguesa de Autores. Portugal.

1994. Medalha de Instrução e Arte da Federação das Colectividades de Cultura e Recreio. Portugal.

1996. Medalha da Cidade da Câmara Municipal da Golegã. Portugal.

1997. Filho Adoptivo da Câmara Municipal de Castril. Espanha.

1997. Filho Adoptivo da Ilha de Lanzarote pelo Cabildo de Lanzarote. Espanha.

1997. Beca de Honra da Residência de Estudantes da Universidade Carlos III. Espanha.

1998. Membro da Academia Europeia de Yuste, ocupando a cadeira Rembrandt. Espanha.

1998. Leitor Emérito da Biblioteca Nacional de Portugal. Portugal.

1998. Medalha de Ouro de Mérito pela Câmara Municipal do Porto. Portugal.

1998. Grande Colar da Ordem de Santiago da Espada. Portugal.

1998. Sócio Correspondente da Academia de Ciências de Lisboa. Portugal.

1998. Sócio Honorário da Academia de Ciências de Lisboa. Portugal.

1998. Membro do Comité de Honra da Academia do Mediterrâneo. Itália.

1999. Sócio Honorário Desportivo do Sport Lisboa e Benfica. Portugal.

1999. Filho Adoptivo de Tías, Lanzarote. Espanha.

1999. Medalha de Honra da Universidade Internacional Menéndez Pelayo. Espanha.

1999. Medalha de Ouro da Universidade Coimbra. Portugal.

1999. Oficial da Legião de Honra (Croix d’Officer de la Légion d’Honneur). França.

2000. Medalha de Ouro do Governo das Canárias. Espanha.

2000. Presidente Honorário do Festival Son Latinos. Espanha.

2000. Medalha de Ouro da Confederação Internacional das Sociedades de Autores, atribuído no Chile.

2000. Membro da Academia Internacional de Humanismo. Estados Unidos da América.

2001. Visitante Distinto de São Domingos. República Dominicana.

2001. Professor Coordenador Honorário do Instituto Politécnico de Leiria. Portugal.

2001. Medalha Cuenca Património da Humanidade. Espanha.

2001. Sócio de Honra da Academia das Ciências e das Artes de Televisão. Espanha.

2002. Grã-Cruz da Ordem das Ilhas Canárias. Espanha.

2003. Medalha Reitoral da Universidade do Chile. Chile.

2003. Académico Honorário da Academia Canária da Língua, Lanzarote. Espanha.

2003. Chaves de Ouro da Cidade de Pinhel. Portugal.

2003. Presidente Honorário da Fundação Alonso Quijano, Málaga. Espanha.

2003. Sócio de Honra da Associação de Amigos do Povo Saharaui de Sevilha. Espanha.

2003. Membro do Comité de Honra da Fundação Rafael Alberti, Cádiz. Espanha.

2004. Medalha Isidro Fabela pela Faculdade de Direito da Universidade Nacional Autónoma do México. México.

2004. Medalha Guayasamín-Unesco pela Fundação Guayasamín. Equador.

2004. Hóspede Ilustre de Quito. Equador.

2004. Grã-Cruz de Mérito Cultural e Literário pelo Congresso Nacional. Equador.

2004. Grã-Cruz de Mérito Educativo e Cultural “Juan Montalvo” pelo Ministério da Educação, Quito. Equador.

2004. Medalha General Rumiñahui pelo Governo Municipal de Pichincha. Equador.

2004. Membro Honoris Causa do Conselhor do Instituto de Filosofia e Direito e de Estudos Histórico-Políticos da Universidade de Pisa. Itália.

2004. Cidadão de Honra da Cidade de Pisa. Itália.

2004. Membro Honorário do Colégio Máximo das Academias. Colômbia.

2004. Membro Honorário do Conselho Supremo das Academias. Colômbia.

2004. Membro Honorário do Instituto Caro y Cuervo de Bogotá. Colômbia.

2004. Membro Honorário do Centro Nacional de Cultura. Portugal.

2004. Membro da Academia Europeia das Ciências das Artes e das Letras. Áustria.

2004. Chave da Cidade de Santiago de León de Caracas. Venezuela.

2004. Visitante Ilustre da Cidade de Santiago de León de Caracas. Venezuela.

2004. Membro Honorário do Conselho Consultivo do Tribunal de Bruxelas.

2004. Membro do Conselho do Futuro da Unesco. França.

2005. Visitante Distinto de São José da Costa Rica. Costa Rica.

2005. Membro da Academia da Lanitidade. Brasil.

2006. Filho Adoptivo da Província de Granada. Espanha.

2006. Membro do Comité Assessor Baketik. País Basco. Espanha.

2007. Filho Predilecto da Andaluzia. Espanha.

2007. Presidente de Honra da Fundação José Saramago. Portugal.

2007. Prémio Save the Children pela ONG Save the Children.Argentina.

2007. Medalha de Mérito — Grau Ouro da Câmara Municipal de Mafra. Portugal.

2007. Sócio de Honra pela Associação de Imprensa de Sevilha. Espanha.

2009. Sócio Correspondente da Academia Brasileira de Letras, com a cadeira nº 16, cujo patrono é José Bonifácio de Andrade e Silva. Brasil.

"Memorial do Convento - Adaptação" (2015) - Uma outra apresentação da obra


Pode ser visualizado, aqui via YouTube

"Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra.
Era uma vez a gente que construiu esse convento.
Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes
Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido."
Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Português 12º ano.
Identificado o nome do autor Pedro Afonso Marques

Pedro Barroso canta José Saramago - "Nasce Afrodite amor, nasce o teu corpo" (Os Poemas Possíveis)

Pode ser visualizado, aqui, via YouTube 

Do DVD de Pedro Barroso 40 anos de música e palavras - Afrodite - 
Poema de José Saramago e Música de Pedro Barroso


Afrodite 
"Ao princípio, é nada. Um sopro apenas, 
Um arrepio de escamas, o perpassar da sombra 
Como nuvem marinha que se esgarça 
Nos radiais tentáculos da medusa. 
Não se dirá que o mar se comoveu 
E que a onda vai formar-se deste frémito. 
No embalo do mar oscilam peixes 
E os braços das algas, serpentinos, 
À corrente se dobram, como ao vento 
As searas da terra, as crinas dos cavalos. 
Entre dois infinitos de azul avança a onda, 
Toda de sol coberta, rebrilhando, 
Líquido corpo, instável, de água cega. 
De longe acorre o vento, transportando 
O pólen das flores e os mais perfumes 
Da terra confrontada, escura e verde. 
Trovejando, a vaga rola, e fecundada 
Se lança para o vento à sua espera 
No leito de rochas negras que se encrespam
De agudas unhas e vidas fervilhantes, 
Ainda alto as águas se suspendem
No instante final da gestação sem par.
E quando, num rapto de vida que começa,
A onda se despedaça e rasga no rochedo,
O envolve, cinge, aperta e por ele escorre
- Da espuma branca, do sol, do vento que soprou,
Dos peixes, das flores e do seu pólen,
Das algas trémulas, do trigo, dos braços da medusa,
Das crinas dos cavalos, do mar, da vida toda
Afrodite  nasceu, nasceu o teu corpo."

in, "Os Poemas Possíveis"
Porto Editora, 2014, páginas 131 e 132
Publicado originalmente em 1966 pela "Portugália Editora"

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Texto a propósito do Parlamento Internacional de Escritores - "Cadernos de Lanzarote Diário II" (05/09/1994) e da Jornalista Betty Milan

5 de Setembro de 1994
"Eduardo Prado Coelho pediu-me um texto para meter no suplemento que o Público vai publicar a propósito da reunião, no fim deste mês, em Lisboa, do Parlamento Internacional de Escritores. O arrazoado expedido foi este: 
«Imaginemos que alguém que não é escritor nem aspira a sê-lo faz a seguinte pergunta: "Para que vai servir o Parlamento Internacional de Escritores?" E insiste: "Para que tem servido o PEN Club Internacional (que é, por assim dizer, um parlamento mais antigo)?" Finalmente: "E os escritores, servem para quê?" 
«A última pergunta, provavelmente, é a que terá resposta mais fácil: os escritores servem para escrever. Escrevam bem ou escrevam mal, escrevam contra ou a favor, escrevam sós ou mal acompanhados - são escritores, e basta. O tempo vindouro, como é ideia feita, joeirará a obra produzida (embora não se entenda por que bulas há-de ter sempre o futuro melhor critério que o presente e o presente sempre melhor gosto que o passado, sobretudo se pensamos que todo o presente foi futuro de um passado e passado de um futuro). De escritores, como pessoas, tenho dito, por enquanto. Mas a eles voltarei. «As associações servem para fazer de conta que os escritores estão juntos. Não juntos por razões estéticas, ou políticas, ou ideológicas, ou editoriais. Simplesmente, juntos. A sua mais avançada eficácia prática seria de tipo corporativo, como suponho que sucede com os médicos e advogados. 
As associações de escritores, se não são correias de transmissão de poderes estabelecidos (por favor, falo das associações em geral, não da portuguesa em particular), vivem do que têm, e o que têm é quase nada. Delas se pode dizer que, como "ordens", não são ricas, e como "sindicatos", não são reconhecidas. As associações não têm força para defender os interesses materiais dos escritores e nem sempre estão atentas à defesa dos seus direitos morais. Ou então, quantas vezes, inoperantes elas e inoperantes eles no âmbito nacional, buscam modos de reaprumar a consciência cívica e a responsabilidade intelectual nas organizações internacionais correspondentes, diluindo assim numa agitação cosmopolita mais ou menos efectiva a sua incapacidade local. Não creio que seja ofensa dizer que no Pen Club Internacional vão desaguar muitas destas frustrações nacionais, tanto as de responsabilidade própria como as que são consequência de condições externas adversas (dos efeitos de tais condições está absolvido, por falta de culpa, o PEN Club Português). Conclusão de tudo quanto ficou dito antes: não faltam associações, mas os escritores estão isolados. «E agora chega aí o Parlamento Internacional de Escritores. (Que não teríamos em Lisboa se Lisboa não fosse, este ano, Capital Europeia da Cultura. Lá que o convite foi uma boa inspiração, não há que negar. Resta agora ver que outras iniciativas virá a tomar Lisboa quando o dia 31 de Dezembro puser termo ao seu febrão cultural.) Chega aí o Parlamento Internacional de Escritores, graças ao que nos vamos reunir, nós e os de fora. Pelo que se sabe, pretende-se "criar uma estrutura de intervenção e reflexão sobre o lugar da literatura e do pensamento num mundo ameaçado quotidianamente pela intolerância, opressão ou violência dos dogmatismos e fundamentalismos actuais", o que parece equivaler, mais ou menos, a uma ONU toda feita de intelectuais. (Atenção, a ironia é só aparente, eu próprio estou envolvido nisto desde o princípio.) «Ora, se se trata realmente de uma nova ONU, é prudente começar, desde já, a pensar no grau de eficácia que iremos ter, pois a lição da ONU propriamente dita aí está para tirar-nos as primeiras ilusões. Qualquer um sabe que a oportunidade e a intensidade de uma mostra de autoridade da ONU (a outra) depende exclusivamente do querer político de uns quantos países, não de todos. Aonde eu quero chegar é simplesmente à demonstração de uma evidência: a de que o poder real-mente interventivo do Parlamento Internacional de Escritores estará na razão directa do grau de intervenção cívica dos escritores como cidadãos: quanto mais eles intervierem, "quotidianamente", na vida social (e não apenas literária, e não apenas artística) do seu país e do mundo, mais probabilidades terá o Parlamento de fazer ouvir a sua voz e talvez ajudar a mudar os perigosos caminhos que, parece que às cegas, estamos percorrendo. «Como um dia escrevi, o melhor parlamento não é aquele onde se fala, mas aquele onde se ouve. O Par-lamento Internacional de Escritores terá de abrir-se aos gritos de dor e de protesto do mundo, tal como está obrigado a atender, já que essa é a sua primeira vocação, às dores e protestos de quem escreve. Não é a literatura que está doente, é a sociedade.» 


(José Saramago e a jornalista Betty Milan)

O presente texto pode ser consultado e lido, na página da jornalista Betty Milan, aqui
em http://www.bettymilan.com.br/artigos/publicados/90-53-parlamento.htm

"O Parlamento Internacional dos Escritores" 
de Betty Milan

(Este texto integra o livro A força da palavra e reúne os artigos "A multinacional crítica", Folha de S. Paulo, 9/10/1994; "Lisboa recebe o Parlamento dos Escritores", Folha de S. Paulo, 25/09/1994, e "Parlamento de escritores", Folha de S. Paulo, 25/12/1993)

"Boa parte das entrevistas aqui reunidas foi realizada no período em que surgiu e se estabeleceu o Parlamento Internacional dos Escritores (PIE). A instituição, criada em 1993, resultou da transformação de uma tradicional reunião internacional de escritores organizada por Christian Salmon na cidade francesa de Estrasburgo, o Carrefour de la Littérature (“Confluência da Literatura”), em uma associação destinada a defender a liberdade de expressão e também a garantir a segurança física de escritores em perigo de vida. Era a reação à fatwah, a condenação à morte, lançada contra o anglo-indiano Salmann Rushdie (1989) e ao chocante assassinato de Tahar Djaout na Argélia (1993). Sob a presidência do próprio Rushdie (1994-1997) inicialmente e depois do nigeriano Wole Soyinka (1997-2000) – o primeiro Prêmio Nobel da África negra – e do americano Russel Banks (2000-2003), a organização logo instituiu cidades-refúgios, dispostas a abrigar e proteger autores perseguidos em seus países, e desenvolveu pesquisas sobre as formas de censura. Foram criados dois órgãos de comunicação e difusão global: a revista Autodafé, publicada em oito línguas simultaneamente, e o site homônimo, para pôr em circulação as obras censuradas.

Em 1994, a reunião aconteceu em Lisboa, onde cobri o encontro como enviada especial do jornal Folha de S. Paulo. Na ocasião, entrevistei vários escritores sobre a importância do organismo que os congregava. Daí a inclusão, em anexo, dos artigos publicados no jornal sobre o Parlamento Internacional dos Escritores e sua reunião em Portugal.

Em 2003, no encontro de dez anos de seus membros, a organização foi autodissolvida. Em 2005, o PIE voltou a manifestar-se em favor da libertação da jornalista francesa Florence Aubenas, sequestrada em missão no Iraque. Desde então, Christian Salmon, ex-secretário-geral e depositário da documentação do PIE, faz manifestações pontuais com base na ideia fundadora da organização.

1. Em 1989, Salman Rushdie, já consagrado como escritor, publica Os versos satânicos. Sob o pretexto de que ele blasfemou contra o Islã, o aiatolá Khomeini o condena à morte. Quem leu o romance sabe que Rushdie trata a modernidade ocidental com o maior ceticismo e até mostra como os textos sagrados do Islã são aviltados pela televisão e pela publicidade.

Isso não o inocentou diante do espírito teocrático, para o qual abordar os textos sagrados num romance é pior do que qualquer ataque direto, precisamente porque, sendo contrário à afirmação de uma verdade única, o romance não permite àquele espírito se defender.

O caso do autor de Os versos satânicos evidencia que a arte do romance pode estar ameaçada, porque o direito à ambiguidade e ao enigma está em perigo.

Depois da condenação de Rushdie, que passou a viver na clandestinidade, em junho de 1993, vários escritores são assassinados na Argélia. Face a esses crimes, um grupo de cinquenta escritores e intelectuais europeus e americanos, apoiando-se numa ideia do sociólogo francês Pierre Bourdieu, propõe a fundação de um Parlamento Internacional dos Escritores.

O apelo é enviado a mais de duzentos escritores do mundo inteiro e aceito unanimemente.

Reivindicando a autonomia da literatura em relação aos diferentes poderes e insistindo na necessidade de uma estrutura capaz de organizar um movimento de solidariedade internacional, o grupo funda, ainda em novembro de 1993, o Parlamento Internacional dos Escritores.

O trabalho do Parlamento exige instâncias de deliberação e de execução. Isso resulta na criação de um Conselho, presidido por Salman Rushdie e composto por Adonis (poeta libanês), Breyten Breytenbach (escritor sul-africano), Carlos Fuentes (escritor mexicano), Édouard Glissant (escritor martinicano), Jacques Derrida (filósofo francês), Pierre Bourdieu (sociólogo francês) e Toni Morrison (escritora americana).

Salman Rushdie redige então uma Declaração de Independência, a carta de princípios do Parlamento:

Os escritores são os cidadãos de muitos países – o país limitado e ladeado pelas fronteiras da realidade observável e da vida cotidiana, o reino infinito da imaginação, a terra semiperdida da memória, as federações do coração simultaneamente incandescentes e geladas, os estados unidos do espírito (calmos e turbulentos, largos e estreitos, regulados e desregulados), as nações celestes e infernais do desejo e, talvez a mais importante das nossas moradas, a república sem entraves da língua.

São esses países que o nosso Parlamento dos Escritores pode, sinceramente, e com tanta humildade quanto orgulho, pretender representar. Em conjunto, eles englobam um território bem maior do que o jamais governado por qualquer potência terrestre; no entanto, as suas defesas contra esse poder podem parecer muito fracas.

A arte da literatura exige, como condição essencial, que o escritor possa circular entre aqueles numerosos países como bem entender, sem necesssidade de passaporte ou visto, fazendo o que quiser com eles e consigo mesmo. Nós somos mineiros, ourives, homens sinceros e mentirosos, bufões e chefes, mestiços e bastardos, pais e amantes, arquitetos e demolidores. O espírito criador, por natureza, não tem limites nem fronteiras, rejeita a autoridade dos censores e dos tabus. É por essa razão que ele é frequentemente tratado como inimigo por potentados fortes ou insignificantes, os quais atacam a arte por construir imagens do mundo que ferem ou sabotam as suas próprias representações, mais simples e menos francas.

No entanto, não é a arte que é fraca, os artistas é que são vulneráveis. A poesia de Ovídio sobreviveu; a vida de Ovídio foi miserável por causa dos poderosos. A poesia de Mandelstamm continua viva; o poeta foi assassinado pelo tirano que ele ousou nomear. Hoje, no mundo inteiro, a literatura continua a se opor à tirania – não de maneira polêmica, mas negando-lhe a autoridade, trilhando o seu próprio caminho, declarando a sua independência. O melhor da literatura ficará, mas nós não podemos esperar do futuro que ele a libere das cadeias da censura. Muitos autores perseguidos também sobreviverão, de uma ou de outra maneira, mas nós não podemos esperar em silêncio o fim de sua perseguição.

O nosso Parlamento dos Escritores existe para lutar pelos escritores oprimidos e contra todos os que os perseguem – a eles e a suas obras – e para renovar incessantemente a declaração de independência, sem a qual a escrita é impossível; e não somente a escrita, mas o sonho; e não somente o sonho, mas o pensamento; e não somente o pensamento, mas a própria liberdade.

Os membros do Parlamento Internacional dos Escritores têm como princípios de sua ação a independência em relação aos poderes políticos, econômicos, midiáticos e de todas as ortodoxias; o internacionalismo fundado no conhecimento e no reconhecimento da diversidade das tradições históricas; a dedicação às ações universais, concebidas e decididas em comum.

Os objetivos do Parlamento devem ser determinados por todos os seus membros. Face à multiplicação dos atentados à liberdade de criação, ele visa intensificar a consciência dos criadores e a defesa dos interesses comuns; proteger as línguas e as culturas minoritárias ou oprimidas (ensino, acesso à publicação etc.), a liberdade real de expressão (contra a censura), os instrumentos de produção e difusão (edição, revistas, política de tradução) e todas as instituições direta ou indiretamente ligadas aos produtores culturais e às suas condições de trabalho.

Para romper o isolamento dos escritores, o Parlamento se vale de uma rede-fax internacional, que funciona entre os membros e também pode convocar rapidamente conferências de imprensa e manter tribunas livres nos jornais do mundo inteiro.
Através de uma rede de cidades-refúgios, solidariza-se com os escritores ameaçados nos seus países ou condenados ao exílio.

2. Tendo em vista a discussão dos princípios, objetivos, formas de ação e organização, o Parlamento Internacional dos Escritores se reúnede 28 a 30 de setembro de 1994 em Lisboa. Entre os participantes estão Édouard Glissant, Eduardo Lourenço, Hélène Cixous, Jacques Derrida, Pierre Bourdieu e Toni Morrison.

A reunião ocorre na Fundação Gulbenkian, sem a presença esperada do Prêmio Nobel de Literatura de 1986, Wole Soyinka, nigeriano.

Apesar das pressões exercidas pelos presidentes de França e de Portugal, o governo da Nigéria se recusa a dar um passaporte para o escritor, cuja ausência no Parlamento é mais uma prova da necessidade deste.

A seguinte mensagem é enviada por Soyinka aos colegas reunidos em Lisboa: “Devemos continuar a luta contra os atentados à liberdade de expressão. O meu país, dirigido por uma ditadura militar que usurpou o poder, atravessa uma situação difícil. Entristece-me não estar com vocês e eu agradeço a solidariedade... Queiram transmitir a minha simpatia a Taslima Nasreen, cuja luta eu apoio inteiramente”.

Protegida por forte esquema de segurança, Taslima Nasreen, condenada à morte pelos fundamentalistas de Bangladesh, comparece ao Parlamento no segundo dia de reunião e faz um depoimento comovente. “Comparada aos grandes escritores, eu não sou ninguém. Só o que posso dizer é que sou diferente. Sou inteiramente eu mesma, uma viajante solitária... O adjetivo 'burra' é aplicado às mulheres de Bangladesh, independentemente da inteligência e da cultura que tenham, e eu resolvi falar pelas 'burras'... Na verdade, eu hoje sou um pretexto para que os fundamentalistas continuem a fazer das mulheres do meu país cidadãs de segunda categoria... Não sei o que a minha poesia vale, mas sei que as 'burras' do meu país sabem que eu escrevo para elas.”

Salman Rushdie, presidente do Parlamento, alega uma razão literária para não comparecer: a escrita de um novo livro. Conclui sua mensagem lembrando que os colegas reunidos em Lisboa não serão julgados pelas suas palavras, e sim por seus atos.

O Parlamento se encerra com um protesto oficial contra o governo nigeriano e uma série de resoluções.

Primeiramente, considerando que os povos de Ruanda são vítimas do crime de genocídio – no sentido expresso pela Convenção da ONU de 1948 –, exigir o estabelecimento imediato dos mecanismos jurídicos necessários ao julgamento dos autores desses crimes contra a humanidade.

Em segundo lugar, tudo fazer para que os intelectuais argelinos perseguidos sejam recebidos nas universidades e nas instituições de ensino dos países democráticos.
Em terceiro, enviar uma missão ao Timor-Leste para saber qual a situação dos intelectuais no país.

Finalmente, ampliar a rede de cidades-refúgios de que já fazem parte Amsterdã (Holanda), Berlim (Alemanha), Estrasburgo (França) e Helsinki (Finlândia).

3. O único Parlamento ao qual o presidente não comparece alegando razões estritamente literárias é o dos escritores. Mas o Parlamento Internacional dos Escritoresnão é único apenas porque a escrita justifica a ausência. Também o é porque o presidente, Salman Rushdie, pôde dizer, na sua mensagem, que os membros, todos escritores, serão julgados pelas suas iniciativas, e que talvez seja salutar não serem julgados pelas palavras e, sim, pelos atos.

A unicidade daquele Parlamento, que se forma em nome da liberdade literária e contra o dogmatismo religioso ou ideológico, decorre do fato de que o paradoxo pode vigorar e a seriedade não exclui o riso, que é próprio do homem, como dizia Rabelais. A mensagem de Rushdie serve para situar o Parlamento no campo a que pertence – o da literatura – e justificar a existência de um “contrapoder” ou uma “multinacional crítica”, conforme definição do Parlamento por Pierre Bourdieu.

Trata-se de um contrapoder necessário num tempo em que a palavra “liberdade” se tornou um perigo e o escritor precisa se engajar para não ser vítima da tirania dos mestres do silêncio.

Apesar de um incidente que poderia ter sido evitado com a imprensa – injustamente afastada da assembleia no dia em que Taslima Nasreen comparece –, o encontro é um sucesso, porque, entre as suas resoluções, está a de fazer a ONU reconhecer que a palavra “genocídio”deve ser aplicada a Ruanda. Tal reconhecimento não apenas tornará obrigatório o julgamento dos responsáveis, como ainda imprescritíveis os crimes cometidos. Um sucesso, porque os escritores agiram como escritores, intervieram de modo eficaz na realidade, valendo-se da virulência das palavras.

Para saber o que pensavam os parlamentares reunidos em Lisboa sobre a contribuição possível do Parlamento e a questão da censura nos respectivos países, entrevistei vários membros presentes: Eduardo Lourenço, autor de O labirinto da saudade – Prêmio Europeu do Ensaio em 1988 —; o romancista José Saramago; Hélène Cixous, ensaísta e ficcionista, autora de A hora de Clarice Lispector; o filósofo Jacques Derrida; Édouard Glissant, poeta martinicano; Assia Djebar, romancista argelina exilada na França; Adonis, poeta libanês; Bei Dao, a grande voz da dissidência literária chinesa, exilado nos Estados Unidos. Segue o texto da entrevista.

BM: Qual pode ser, na sua opinião, a maior contribuição do Parlamento Internacional dos Escritores?

EDUARDO LOURENÇO: Não se deve esperar uma intervenção que tenha efeitos imediatos, como a dos políticos. Os escritores aqui reunidos pretendem alertar a comunidade internacional sobre os ataques sofridos pela liberdade de pensar e de escrever em vários países do mundo. Os exemplos mais célebres e trágicos são os de Rushdie e Nasreen. O nosso protesto é de ordem moral, temos a obrigação de defender uma das grandes tradições da nossa civilização, que é a da liberdade de expressão.

JOSÉ SARAMAGO: A contribuição vai depender do eco que o Parlamento possa ter na opinião pública. Podemos dizer coisas importantes, tomar grandes decisões, mas, se não houver repercussão... Tudo depende da capacidade que o Parlamento tiver de transmitir as suas ideias à imprensa, ao rádio e à televisão. Não sei se os jornalistas estão conscientes da grande responsabilidade que têm.

HÉLÈNE CIXOUS: O simples fato de conseguir reunir escritores em torno do tema da defesa da liberdade é extraordinário e já é uma contribuição. Isso nunca havia sido feito. Os grandes escritores, que vivem em países não-democráticos, são todos defensores da liberdade de pensamento e de expressão. O fato de o governo nigeriano ter impedido Wole Soyinka, Prêmio Nobel de Literatura, de vir a este Parlamento é um indício da importância do escritor na sociedade contemporânea. Mandelstamm, um dos grandes poetas russos, que foi deportado em 1938 e morreu num campo de concentração, dizia que o poeta é uma das pessoas mais importantes do mundo, porque pode ser preso por causa de um poema.

JACQUES DERRIDA: Contribuição? Já protestamos contra o que o governo nigeriano fez a Wole Soyinka. Ontem, escutamos Taslima Nasreen. Amanhã, vamos anunciar um certo número de resoluções e, entre as medidas concretas, o prosseguimento da política de cidades-refúgios. Daqui por diante, pretendemos informar à imprensa sobre um grande número de perseguições a intelectuais, de modo a poder agir sobre os Estados. Queremos nos organizar para descentralizar o Parlamento e ter reuniões em vários lugares do mundo. Ademais, vamos refletir sobre o que está acontecendo com a democracia, com os direitos do homem... Sem a reflexão filosófica, a nossa ação poderá se tornar repetitiva.

ÉDOUARD GLISSANT: A maior contribuição do Parlamento é a sua natureza, o fato de ser verdadeiramente internacional, e não apenas uma emanação das ideias europeias. Acontece que ele nasceu na França, depois do encontro do Carrefour des Littératures de Estrasburgo... O Parlamento deve corresponder à situação real do mundo, que é o objeto mais importante da literatura. O que se passa hoje, essa espécie de mistura extraordinária das culturas, muda as mentalidades. É preciso que tenhamos consciência de que cada comunidade deve preservar sua identidade, não deve se perder numa espécie de magma universal, mas tampouco se fechar sobre si mesma.

ASSIA DJEBAR: No quadro do Parlamento, já existe uma rede de cidades-refúgios, o que é uma contribuição. Nós, aqui, vamos escutar escritores que vêm de países onde há perseguições e depois, a partir de informações confiáveis, discutiremos o que fazer. Temos que ir em direção a coisas mais concretas.

ADONIS: O que faz a identidade de uma cultura é a criação. Se os criadores são oprimidos, a cultura e o povo são oprimidos. A contribuição do Parlamento é defender a liberdade de criação.

BEI DAO: A maior contribuição é a reunião de escritores do mundo inteiro, o encontro, independentemente do país de origem, da língua, da religião.

BM: Que temas poderiam implicar censura se fossem abordados no seu país?

EDUARDO LOURENÇO: Não temos aqui, em Portugal, conflitos de ordem religiosa, ética ou biológica suficientemente dramáticos para que a censura se exerça. Mas, no passado, já houve até caso de escritor condenado à morte. Durante a Inquisição, o nosso grande autor dramático, o Judeu, brasileiro de origem, acabou na fogueira. Durante a ditadura de Salazar, a criação esteve submetida ao olhar vigilante da censura.

JOSÉ SARAMAGO: O único caso que eu conheço de perto é o meu. O evangelho segundo Jesus Cristo havia sido selecionado para um prêmio europeu, mas o governo considerou que o meu livro ofendia o povo português nas suas crenças, na sua religião. Isso é completamente idiota, claro.

HÉLÈNE CIXOUS: Existe na França uma censura infinita no que diz respeito às mulheres. A misoginia está sempre presente. Todas as mulheres que escrevem sabem disso. São barradas nos jornais, malrecebidas. No que diz respeito ao lugar da mulher na nação, a França se encontra em décimo terceiro lugar e só há 5% de mulheres na universidade.

JACQUES DERRIDA: Na França, não existe censura explícita. A censura é mais sutil. O escritor corre o risco de não poder publicar, de não publicar na editora em que desejaria estar. Existem barreiras editoriais, grupos de pressão poderosos.

ÉDOUARD GLISSANT: A situação nas Antilhas francófonas é muito particular. Diria que não se trata de censura, porém de autocensura. A assimilação dos modos de vida franceses é tão profunda que o aparelho de Estado francês não precisa censurar.

ASSIA DJEBAR: Atualmente, a violência é tal na Argélia que qualquer intelectual, mesmo que não tenha se engajado no combate político, está ameaçado de uma ou de outra maneira. O que determina a censura não é o tema. Você é julgado pela língua na qual se exprime. Os que nos ameaçam são os que querem uma unicidade da língua. Eu posso ser perseguida só porque escrevo em francês; outro, por escrever em berbere; e, mesmo o que escreve em árabe, mas o faz no árabe do povo, também pode ser objeto da violência. Só está livre o que usa o árabe acadêmico. É um estado de pré-fascismo. O argelino Youssef Sebti, que escrevia em francês e no árabe da cultura popular, foi barbaramente assassinado.

ADONIS: A censura não é causada pelo tema. Na verdade, podemos abordar qualquer tema. O que conta é o como, como o tema é abordado.

BEI DAO: Na China, só é censurado o que possa comprometer o governo ou o partido. No mais, tudo pode ser dito. São as questões de mercado que tornam a vida do escritor particularmente difícil na China hoje.


Crónica "As palavras" declamado pela actriz Vera Barbosa (Deste Mundo e do Outro)

Vera Barbosa na Fundação José Saramago (Foto: Joao Raposo)
"VI Encontro de Escritores Moçambicanos na Diáspora"

Abrir o link que indico, onde a actriz Vera Barbosa apresenta a declamação de parte da crónica "As palavras" e acompanhar com a leitura do texto que está centrado e em negrito.
Boa viagem na companhia da Vera Barbosa

https://soundcloud.com/vera-barbosa/aspalavras

Crónica "As palavras"
"Deste Mundo e do Outro"
Caminho, 3.ª edição, páginas 55 e 56

"As palavras 
"As palavras são boas. 
As palavras são más. 
As palavras ofendem. 
As palavras pedem desculpa. 
As palavras queimam. 
As palavras acariciam. 
As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. 
As palavras estão ausentes. 
Algumas palavras sugam-nos, não nos largam: são como carraças: vêm nos livros, nos jornais, nos slogans publicitários, nas legendas dos filmes, nas cartas e nos cartazes. 
As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. 
São melífluas ou azedas. 
O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. 
Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. 
Há muitas palavras. 

E há os discursos, que são palavras encostadas umas outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do Disse ou Tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. São brindes, orações, palestras e conferências. Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por essa via entram na imortalidade do Verbo. Ao lado de Sócrates, o presidente da junta afixa o discurso que abriu a torneira do marco fontanário. E as palavras escorrem, tão fluídas como o «precioso líquido». Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envolta também num murmúrio manso, represo e conciliador. Há de tudo no orfeão: tenores e tenorinos, baixos cantantes, sopranos de dó de peito fácil, barítonos enchumaçados, contraltos de voz-surpresa. Nos intervalos, ouve-se o ponto. E tudo isto atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares. 
Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que se não oiça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. 

A palavra não responde nem pergunta: amassa. 
A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. 
A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. 
A palavra não mostra. 
A palavra disfarça. 
Daí que seja urgente mondar as palavras para que a sementeira se mude em seara. 
Daí que as palavras sejam instrumento de morte - ou de salvação. 
Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do acto. 
Há também o silêncio. 
O silêncio, por definição, é o que não se ouve. 
O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. 
O silêncio é fecundo. 
O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. 
Caem sobre ele as palavras. 
Todas as palavras. 
As palavras boas e as más. 
O trigo e o joio. 
Mas só o trigo dá pão." 


Vera Barbosa actuando na peça que dirigiu 
Janela principal (centro, 1.º piso)
"Uma boa lembrança: Memorial do Convento", de José Saramago
Concepção e direção: Vera Barbosa