"Há em Oviedo um cão boxer, chamado Simba, que, de vez em quando (soube-o agora por um recorte que de lá me chegou), escreve umas crónicas para os jornais, onde depois saem publicadas com o nome do dono. O dono do Simba é o escritor asturiano Manuel Herrero, que teve a inaudita ventura de lhe haver saído na rifa um cão com habilidades de literato. A mim, que tenho não um, mas três cães, não acontecem fortunas dessas. O que os meus fazem, além do comer, ladrar e dormir que a natureza pede, é entrar-me a toda a hora no escritório para fiscalizar o andamento do trabalho. Greta, que é a mais abelhuda, tem a mania de subir-me para o colo, suponho que para ver de perto o que estou a fazer. Pepe, digno e discreto, como mais velho, limita-se a sentar-se, a levantar a cabeça e a pôr-me uma pata na perna, pregando em mim um olhar que significa claramente: «Como vai isso?» Quanto a Camões, que, esse sim, poderia indicar-me o caminho para a imortalidade, desconfio que resolveu abandonar definitivamente as letras depois de ter escrito Os Lusíadas. Se alguma vez o Manuel Herrero vier de visita a Lanzarote, pedir-lhe-ei que traga consigo o Simba para que leia aos cachorros da casa o belíssimo artigo que sobre eles e sobre mim escreveu, justa e precisamente intitulado «Os amigos de Saramago»…
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