Foi vulgar, não no sentido da pequenez da reflexão, mas no sentido da constante evocativa, a questão do significado do "tempo", ou da temporalidade das acções.
Nesta simples citação, o dia que passa, os dias que passam de forma diversa, o dia que nunca é igual ao seguinte ou semelhante ao anterior que o fez nascer; Saramago aponta aqui, de forma vincada o desassossego e ansiedade na voz de Marta, a filha do oleiro Cipriano. Tão simples e tão curta esta convocatória do "tempo", mas que depara-se profundamente carregada com mais peso que os ombros destas duas personagens pensaram carregar.
Este momento, é transversal na obra de José Saramago, e ao percorre-la conseguimos perceber que a vida dos dias e das horas, podem ter um significado diferente que o simples deixar passar luas e sois... Pode-se mesmo ousar, invocando exemplos, onde o decorrer do tempo ficou em suspenso ou regredindo, não no sentido em que os ponteiros do relógio andam para trás, mas no peso em que a acção funciona contra-natura. O menino que se esquece do tempo de regresso a casa e alimenta a flor, renovando a vida do campo em contraponto com industrialização da cidade, em "A Maior Flor do Mundo"; a mulher do médico, em "Ensaio sobre a Cegueira", que esquece o tempo que a sua vida lhe traria e acompanha o marido na descida a um inferno onde os dias parecem pausados em que a tortura da "animalidade" humana não tem fim; a senhora morte, nas "As Intermitências da Morte", onde o violoncelista sem o saber rapta com a sua musicalidade a eterna morte que o deixa de ser, dando-se por vencida e entregando-se aos braços do amor; ou... em "Todos os Nomes", onde um funcionário de uma conservatória pretende resgatar do tempo a vida de uma mulher que não a conhecendo, sentia-lhe a vida mas ela já não estava; isto sem falar de, em "O Homem Duplicado", onde o tempo pára, porque o tempo do professor de história pode não ser o dele, mas do vulto duplicado que o sendo, também poderia ser o seu original, e desta feita haveria um tempo copiado.
Saramago que recusando o epíteto ou etiqueta de romancista histórico, porque ao tempo de outras eras ele não buscava a sua explicação, mas antes, o entendimento sobre os acontecimentos do passado que se repercutem no presente e empurram consequências até ao presente/futuro, tratando esta temática com profunda reflexão.
Não há dúvida que não é fácil dizer coisas tão simples e lineares, mas ao mesmo tempo com tanto peso e profundidade.
As pessoas são o que carregam ou a forma como carregam a vida. José Saramago, tentou entrar na interpretação do "eu", do "eu e os outros que rodeiam", e do "nós, enquanto seres colectivos e comunitários" para construir o homem.
(...) "Os dias são todos iguais, as horas é que não, quando os dias chegam ao fim têm sempre as vinte e quatro horas completas, mesmo quando elas não tiveram nada dentro, mas esse não é o caso nem das suas horas nem dos seus dias, Marta filósofa do tempo, disse o pai, e deu-lhe um beijo na testa. (...)
...as horas... os dias
em "A Caverna"
Caminho, pág. 52
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