Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 18 de novembro de 2014

"História do Cerco de Lisboa" - e o Paradigma da Verdade Histórica



(...) A "História do Cerco de Lisboa", que não é História nem romance histórico. Sim é, no entanto, um livro onde se questiona aquilo a que chamamos a «verdade histórica». A acção passa-se em dois planos temporais, o século XII e o século XX, e tem como figura principal uma pessoa sem demasiada importância, para não dizer totalmente insignificante, como por outro lado são quase todos os meus personagens: nos meus livros não há heróis, não há gente muito formosa, talvez nem sequer as mulheres o sejam, ainda que, como em geral não as descrevo, o leitor possa recriar a imagem segundo as suas preferências. O autor prefere dar três ou quatro pinceladas, como pontos cardeais, mas nada de descrever metódica e minuciosamente rostos, alturas, figuras, gestos... o autor prefere que seja o leitor quem assuma essa tarefa e responsabilidade. Ora bem, o personagem principal da "História do Cerco de Lisboa" é um revisor de texto, o «conservador» por excelência, alguém que tem a obrigação de respeitar o que encontra escrito, a autoridade explícita e implícita do documento, de modo que não pode alterar nada (...)
(...) E no entanto, este homem (...) decide introduzir uma palavra que nega o que de facto é uma verdade histórica, verdade manifesta no livro que está a rever, obra de um historiador, e que tem como título «História do Cerco de Lisboa». (...)
(...) Irritado com a suficiência arrogante dos documentos históricos e com a evidente falsidade de alguns deles, o nosso revisor, onde o historiador havia escrito que os Cruzados, como de facto aconteceu, ajudaram os portugueses a conquistar Lisboa, comete a ousadia, a barbaridade, o sacrilégio de introduzir a palavra «não». E o que acaba por ser publicado, o que aparecerá no livro, é que «os cruzados não ajudaram os portugueses a conquistar Lisboa», o que significa, como disse antes, a negação de uma verdade rigorosamente histórica. (...)
Nesta obra, aparentemente a mais histórica de quantas escrevi, sustento que a verdade histórica não existe, que em muitos casos estou de acordo com Eça de Queirós quando dizia a Oliveira Martins que a história é provavelmente uma grande fantasia... (...)

em, "A Estátua e a Pedra"




Aqui um pequeno apontamento sobre Eça de Queirós e Oliveira Martins, mentores da chamada «Geração de 70» -  http://pt.wikipedia.org/wiki/Geração_de_70
"Geração de 70 ou Geração de Coimbra foi um movimento académico de Coimbra do século XIX que veio revolucionar várias dimensões da cultura portuguesa, da política à literatura, onde a renovação se manifestou com a introdução do realismo.
Num ambiente boémio, na cidade universitária de Coimbra, Antero de Quental, Eça de Queiroz, Oliveira Martins, entre outros jovens intelectuais, reuniam-se para trocar ideias, livros e formas para renovação da vida política e cultural portuguesa. Portugal vivia então uma autêntica revolução com os novos meios de transportes ferroviários, que traziam todos os dias novidades do centro da Europa, influenciando esta geração para as novas ideologias. Foi o início da Geração de 70.
Em Coimbra, este Grupo gerou uma polémica em torno do confronto literário com os ultra românticos do "bom senso e do bom gosto", disputa mais conhecida como a Questão Coimbrã. Mais tarde, já em Lisboa, os agora licenciados formaram o grupo Cenáculo. Em 1871, o grupo organizou uma série conferências no Casino Lisbonense, para discutir temas ligados à literatura, educação, religião e política. As conferências acabaram por ser proibidas pelo governo.
Depois das reuniões, a geração de oiro de Coimbra acabou por não conseguir fazer mais nada, muito menos executar os seus planos de revolucionar o país, e seus integrantes acabaram por se autodenominar "os Vencidos da Vida", por sugestão de Joaquim Pedro de Oliveira Martins. A denominação decorre claramente da renúncia dos membros do grupo às suas aspirações de juventude. O grupo incluía, além de Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José Duarte Ramalho Ortigão, António Cândido Ribeiro da Costa, Guerra Junqueiro, Luís de Soveral, Francisco Manuel de Melo Breyner (3.° conde de Ficalho), Carlos Félix de Lima Mayer, Carlos Lobo de Ávila, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1º Conde de Arnoso) e António Maria Vasco de Mello Silva César e Menezes (9.º conde de Sabugosa), entre outros. Eça de Queirós integrou o grupo a partir de 1889."

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