Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

31 de Dezembro de 1997 - "Cadernos de Lanzarote V"

(...) "Sossegados , acompanhados por Maria do Céu e por Carmélia, assistíamos (eu com a melancolia do costume) ao escoar dos últimos minutos do ano canário, que são igualmente os do ano português, quando de súbito estoirou um morteiro lá fora. (...) E eu pensei: «Os cães têm razão. Com uma barulheira destas, como é que alguém poderá fazer o seu exame de consciência de fim do ano?»"

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31 de Dezembro de 1996 - "Cadernos de Lanzarote IV"

"Creio ter descoberto esta manhã o que a velhice é realmente. Estava meio acordado meio adormecido, como em Amherst, na manhã em que «vi» desfilar dentro da cabeça o essencial de Todos os Nomes, e repente compreendi que se entra na velhice quando se tem a impressão de ocupar cada vez menos lugar no mundo. (...) O ano entrou em Lanzerote com o acompanhamento bíblico de uma trovoada gigantesca que parecia querer deitar abaixo o céu e afogar a terra num dilúvio." (...)

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31 de Dezembro de 1995 - "Cadernos de Lanzarote III"

"Foi um ano bom. E não encontro melhor maneira de dizê-lo que recordar o que aqui escrevi num dia de Julho de 1993: «Que boas estrelas estarão cobrindo os céus de Lanzarote? A vida, esta vida que, inapelavelmente, pétala a pétala, vai desfolhando o tempo, parece, nestes dias, ter parado no bem-me-quer...»"



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31 de Dezembro de 1994 - "Cadernos de Lanzarote II"

"Escrevo entre as 12 da noite e as 12 da noite. A Península já entrou em 1995, aqui ainda nos restam vinte minutos de 1994 para viver. Em Canárias não fazemos as coisas por menos: necessitamos vinte e quatro badaladas para passar de um ano a outro. (...) O tempo é uma tira elástica que estica e encolhe. Estar perto ou longe, lá ou cá, só depende da vontade." (...) 



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31 de Dezembro de 1993 - "Cadernos de Lanzarote I"

"Ray-Güde enviou-nos fotografias do colóqui de Frankfurt e da ópera de Münster, que me fizeram apetecer tomar um avião e ir ver o espectáculo outra vez." (...)

Tradutora e agente literária Ray-Güde Mertin, colaborou com José Saramago desde meados da década de 80. Faleceu em 14 de Janeiro de 2007. (Fonte DN) 

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sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Revista "Elle" nos 30 anos recupera artigo de 1988 "José Saramago em Conversa"

"José Saramago em Conversa
Recuperamos artigos de edições antigas. Este foi originalmente publicado na ELLE de outubro de 1988.
Por: Helena Vasconcelos -- Imagem: © D.R."
Pode ser recuperado e consultado aqui
em https://www.elle.pt/sem-categoria/30anosellept-jose-saramago-conversa/



José Saramago é um ouvinte atento. Faz perguntas, ri-se, analisa. Almoçamos tranquilamente num restaurante onde todos o conhecem e o tratam com o carinho de quem sente orgulho em recebê-lo. «Coma a carne assada, Sr. Dr., olhe que está muito boa. E tenho aqui um vinho que devia provar.

García Marquéz justificou uma vez a sua amizade com Fidel de Castro dizendo que o que os aproxima é a solidão. Em Fidel, a solidão do poder. Nele, García Marquéz, a solidão da fama. Pergunto a José Saramago se se sente afetado por essa «solidão da fama». Ri-se e parece um pouco impaciente. Sobre a solidão do poder nada sabe, acaba por afirmar. Quanto à solidão da fama, reconhece que não se pode comparar o relativo conhecimento que as pessoas têm de si com o de um personagem como Marquéz.


«Comigo passa-se exatamente o contrário. O facto de as pessoas me reconhecerem, saberem o que faço,. Quem sou, tem-me dado, pelo menos até agora, um sentimento de comunhão, de ligação com os outros. Gosto que me procurem, que falem comigo do que leram, do efeito que isso lhes provocou. Agrada-me essa sensação de companhia».

Às vezes torna-se cansativo porque lhe dizem normalmente as mesmas coisas, os sentimentos não variam muito, as reação menos ainda, e ele acaba por dar por si a repetir-se, o que é desagradável. «É mais uma sensação de vazio do que de solidão. As palavras deixam de ter sentido e só me apetece o silêncio, o que é impossível, porque se as pessoas me procuram é porque me querem ouvir».

A relação com os outros é então uma questão de moral? A resposta é tranquila: «Acho que sim. Há uma relação de afecto entre quem escreve e quem lê. E o afecto não pode ser desiludido. Não quero dizer que tenha de ser deliberadamente cultivado, porque isso seria mais uma questão de relações publicas do que um afecto real. As pessoas aproximam-se, vêm de corpo inteiro e um autor, seja ele qual for, não pode dizer não. Diz não em nome de quê? Da sua tranquilidade, da sua comodidade? Então não se exponha.»

Falamos das suas recentes viagens ao Brasil, à Venezuela e à URSS, conta-me episódios da «hiper-congressite» que as acompanha e continuaremos a conversar dias depois em sua casa numa confortável divisão repleta de livros. Nas paredes, obras de amigos e uma gravura de Ilda Reis, que foi mulher de Saramago. Os objetos são oriundos dos quatro cantos do mundo. Uma fotografia da atual mulher, Pilar, reina sobre a atmosfera. Há um aparelho de alta-fidelidade, uma televisão, e um vídeo.

Não sei como é o seu método de trabalho. Os livros demonstram ser o produto de uma pesquisa, contêm uma enorme quantidade de dados. Há amigos meus, escritores, que perguntam como é que escrevo numa maquina máquina que é esta velhíssima, tem 40 anos. «Há pessoas que me dizem assim, principalmente em relação ao Memorial do Convento: ‘Mas você deve ter passado anos na Torre do Tombo, a investigar!’ E parece-me que as pessoas vêem mesmo uma torre enorme, cheia de papéis e livros como a Biblioteca do Eco ou o Labirinto do Borges e eu lá no meio daquela confusão toda a investigar, a pesquisar. Não, não é nada disso. Por exemplo, em relação ao século XVIII: elabora uma bibliografia. Tanto textos da época como textos contemporâneos sobre o assunto. Depois, a partir do geral, vou tentando chegar ao pormenor. Vou tentando estreitar, especializar o conhecimento. Tenho que saber onde parar, evidentemente, de contrário, sou submergido pelos factos acumulados. É o que chamo determinar o sentido material. E acho que sei sempre menos do que quero que os outros acreditem. Trata-se simplesmente de encontrar as coisas onde elas estão. É só preciso saber procurar. A partir daí, tenho o fulcro da história. No Memorial há um capítulo de cerca de vinte páginas sobre o transporte de pedra da varanda do Convento. Eu tinha apenas três ou quatro informações, a saber: peso da pedra – 30 toneladas. Distância entre Pêro Pinheiro e Mafra – 15 Km. Duração do tempo de transporte – oito dias. 600 homens para esse transporte. E 200 juntas de bois. A partir destes dados e com um pouco de imaginação o resultado foram vinte páginas. Quanto ao Ano da Morte de Ricardo Reis, para dar outro exemplo, há detalhes curiosos. A crítica, principalmente a estrangeira, fez notar que o tempo meteorológico desde a chegada de Ricardo Reis a Lisboa, é um tempo de chuva, e isso mantém-se por mais umas semanas. A crítica toma isso como uma deliberação do autor para criar uma atmosfera pesada, cinzenta. Pois eu lamento muito mas não tenho nada a ver com isso. É um facto que esse Inverno em Lisboa, e está escrito na imprensa da época, foi anormalmente chuvoso. Tive a preocupação de saber o tempo que fazia, quase dia-a-dia. Limito-me a relatar os factos. Naturalmente não tenho tanta imaginação como parece!»

Mas ele foca o seu interesse nas pessoas. Ao contar a história dos personagens vai relatando factos e estes estão integrados na História.

«É claro que a mim o que me interessa são as pessoas. Isto pode ser dito por qualquer escritor.» As pessoas na História, exatamente isso, seres da História que são simultaneamente agentes e sujeitos estão no Memorial do Convento, no Levantado do Chão, n’O Ano da Morte de Ricardo Reis, até no Manual de Pintura e Caligrafia e, é claro, na Jangada de Pedra.

Saramago recusa falar sobre os seus próximos livros («Não quero que se divulgue nada, sobre isso tenho que me defender»). Conhecem-se apenas os títulos: História do Cerco de Lisboa e O Evangelho Segundo Jesus Cristo.

Falemos da sua famosa ironia, tão apontada e parafraseada pelos críticos.

«Sou algumas coisas enquanto escritor que não sou na vida. Posso ser irónico, ter uma atitude irónica perante o funcionamento da sociedade, por exemplo. Tenho uma atitude melancolicamente irónica, se se quiser. Mas não uso de ironia nas minhas relações com as pessoas. É verdade que os meus livros são extremamente irónicos. Talvez (e estou a pensar nisso agora), talvez eu utilize os livros como forma de equilíbrio, para não usar, com as pessoas, essa tal ironia, que a meu ver estabelece relações colonizadoras. Digamos, portanto, que os meus livros são a maneira de eu não cair nessa tentação, nessa fraqueza. A ironia nos meus livros tem a função de ajudar-me a ver melhor as coisas. Não raro utilizo-a contra coisas e pessoas que muito amo. Não quero dizer que seja uma espécie de auto-flagelação, nada disso. É um modo ainda contraditório, de exprimir uma relação afectuosa. Lembro-me de um pormenor, ainda no Memorial, que gostaria de contar. É um pormenor estranho, do qual só me apercebi muito perto do final. Estava quase terminado e só então me dei conta que tinha escrito uma história de amor –entre Baltasar e Blimunda – e que aqueles dois seres, que se amam tanto, não trocam entre eles uma única palavra de amor. Isto não foi deliberado por mim, à partida. Não decidi, quando comecei a escrever que ia contar uma história de amor em que não fosse introduzida nenhuma das expressões de amor de uso corrente. Mas aconteceu. E é bastante irónico, não é?»

A literatura tem influência na vida das pessoas? Pode desencaminhar, ajudar, estimular? E se assim é, qual a responsabilidade do escritor?

«Acho que sim, que pode ‘desencaminhar’ as pessoas. Desencaminhar não no sentido pejorativo do termo. Pode fazê-las mudar de caminho, o que não quer dizer que seja de um bom para um mau. Mas não creio que um livro possa mudar a vida de uma pessoa. Pode ter uma certa influeência. Não tenho dúvidas sobre a responsabilidade do escritor, ele tem-na. Não quero dizer que tenha a preocupação, à partida, de escrever com intenções moralistas ou moralizantes, preocupado em não afetar negativamente a vida das pessoas. Mas não se pode esquecer que, se não é de certo modo para penetrar na vida do leitor, não vale a pena escrever. Um grande amor pode mudar radicalmente a vida de uma pessoa, o que duvido que se passe com a leitura de um livro, ainda que seja um grande livro. É claro que estamos sempre a evoluir. Vamos sendo não outros mas os mesmos de outra maneira. Mas não é por ler este ou aquele autor que vamos oscilando, mudando de personalidade.»

O Memorial é um livro muito sensual?

«É verdade que há sensualidade na minha escrita, uma sensualidade que não tem obviamente que ver com as situações descritas. É uma sensualidade intrínseca à escrita. Está lá, é algo que se pode cheirar, tocar, ver. O sentido dos sentidos. Não pretendo fazer leitura erótica, evidentemente, mas são descrições carnais em que a aproximação é feita através da mediatização da escrita. É a sensualidade da própria escrita que exprime, no fundo, a sensualidade específica de uma situação – amorosa, erótica.»

Ao longo da conversa somos interrompidos inúmeras vezes pelo telefone. O atendedor de chamadas está ligado e ouvimos as mensagens. Marcações de encontros, mais conferências, pedidos de entrevistas. Quando é algum amigo, José Saramago levanta-se, vai atender, conversa um pouco, desculpa-se da pressa. É um homem muito bem educado, gentil, afectuoso. Vai à cozinha e traz uns doces espanhóis maravilhosos.

Um crítico espanhol, Jordi Costa, fala da ilusão, porque de ilusão se trata, que o autor dá ao leitor de «manejar os cordelinhos». Diz mesmo que os livros de José Saramago são para leitores perspicazes. É mais um indício que ele confirma.

«Gosto que o narrador partilhe com o leitor o conhecimento geral da situação. Não que queria dar ao leitor a ilusão de que é mais perspicaz do que o seu próprio autor, uma vez que a perspicácia do leitor assenta no conhecimento que o narrador lhe vai transmitindo. É mais uma partilha, uma cumplicidade, o que existe entre ambos. De resto, o leitor funciona como uma das peças fundamentais do arsenal do escritor. De certo modo o leitor é utilizado como os personagens. Não se transforma num personagem. Mas toma parte da acção, de certa maneira.»

Mas José Saramago prega partidas ao leitor. Vai de mansinho, conta-lhe tudo, faz com que ele se sinta por dentro dos acontecimentos e de repente, zás, prega-lhe uma partida.

«Eu diria antes que o narrador usa uma espécie de má-fé. Enquanto está a partilhar com o leitor um certo gosto de narrar, sabe – e isso não o diz – que umas páginas à frente lhe vai dizer, ‘meu caro, desculpa, mas não era nada disto, as coisas são completamente diferentes’. E o leito que foi, digamos, engando, passa a precaver-se.»

Mas torna a cair, sempre, constato, espantada. José Saramago não me deixa continuar – «Bem, pelo menos eu tento que ele cai. Sempre».



Este artigo foi originalmente publicado na ELLE de outubro de 1988

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

"Cartas para José Saramago" Por Orlando Brito em "Os Divergentes" (19/12/2017)

"Cartas para José Saramago" por Orlando Brito 
"Os Divergentes" (19/12/2017)

Pode ser consultado aqui


"O escritor e sua correspondência. foto Orlando Brito"

"O escritor português José Saramago recebe as correspondências que chegam a seu endereço de Lisboa. “Rua dos Ferreiros, 36, à Estrela”, como ele mesmo dizia. 1993.

Como foi – Eu estava em Portugal para fazer com o colega Luís Costa Pinto várias matérias para a Veja, revista em que trabalhávamos. Uma dessas reportagens era com o José Saramago. O famoso autor de vários best-sellers resolvera mudar-se para Lanzarote, uma das ilhas Canárias, depois que seu livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” foi censurado em seu próprio país, em 1991.

Ao lado da mulher espanhola Maria Del Pilar, Saramago dizia ter encontrado o lugar ideal para meditar e escrever. Não tirou o pé de Lanzarote durante meses. Mas sempre voltava a Lisboa para, principalmente, atualizar e conferir a correspondência. Afinal, um ganhador do Prêmio Nobel de Literatura recebe mensagens de admiradores e amigos de todo o mundo.

O carteiro já sabia que dificilmente encontraria o famoso destinatário e por isso confiava as cartas ao dono da singela Quitanda do Mascote, vizinha do modesto apartamento de Saramago, na Rua dos Ferreiros, número 36, no Bairro da Estrela, um dos mais tradicionais da agradável da capital portuguesa.

José Saramago mereceu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998. Faleceu em 2010, aos 78 anos.

Orlando Brito"

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

"Skylight" (edição traduzida da obra "Clarabóia") em destaque no "Tri-City News" do Canadá

Book of the Week: Skylight
Skylight by José Saramago
Reviewed by Sharon Visser Araujo , Terry Fox Library / Tri-City News (10/12/2019)

Pode ser consultado aqui
em https://www.tricitynews.com/lifestyles/book-of-the-week-skylight-1.24032039

Capa da edição traduzida da obra "Clarabóia" 

"Skylight was José Saramago’s first book, written in 1953 but not published until 2014.

The young author hopefully sent his manuscript off only not to hear anything for 36 years.

When the publishing house finally contacted Saramago asking permission to publish, he refused and as a result, Skylight remained a secret until his death.

Set in Lisbon in the late 1940s, Skylight introduces us to the people in a down-at-heel apartment building.

The residents are doing what they can to get by while living under a dictatorship.

Despite the depressing-sounding premise, the apartment dwellers lead rich and interesting lives.

Living so close to one another, everyone knows everyone else’s business.

Intertwined with these relationships are the stories that take place in each apartment.

Skylight is a window into the lives of a group of ordinary people thrown together by chance. F

or more good read recommendations, visit your local library." 

Carta Universal de Deveres e Obrigações dos Seres Humanos

Via Fundação José Saramago, aqui

"No Dia dos Direitos Humanos, relembremos os nossos deveres

Hoje, 10 de Dezembro, celebra-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Há 71 anos foi proclamada, pela Organização das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que garante a todos os habitantes do planeta direitos e garantias fundamentais e que hoje, tantos anos depois, continua por cumprir.

Em 2015, a Fundação José Saramago, em colaboração com outras entidades e personalidades, deu início ao projeto de criação de uma Carta de Deveres e Obrigações dos Seres Humanos, documento simétrico e complementar à Declaração dos Direitos Humanos, partindo da ideia defendida por José Saramago em 1998, num dos seus discursos de Estocolmo, de que os seres humanos deveriam reivindicar, além dos seus direitos, o “dever dos seus deveres”.

Em 2018, a Carta dos Deveres, na sua redação final, foi entregue ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e a diferentes departamentos da ONU. O próximo passo é fazer com que o documento circule, seja lido, conhecido, debatido e adotado um pouco por todo o mundo."



terça-feira, 10 de dezembro de 2019

"3 perguntas a… Anabela Mota Ribeiro" via "Tornado" (08/12/2019)

Via jornal "Tornado" aqui
em https://www.jornaltornado.pt/3-perguntas-a-anabela-mota-ribeiro/

"3 perguntas a… Anabela Mota Ribeiro" por J. A. Nunes Carneiro (Porto, 8/12/2019)

«Anabela Mota Ribeiro
Nasceu em 1971 em Trás-os-Montes, vive e trabalha em Lisboa.
É licenciada em Filosofia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É jornalista freelance, colaborou com diversos jornais e revistas. Também foi autora e apresentadora de programas de televisão na RTP. Publicou vários livros.» 


Como surgiu a ideia deste seu livro «Por Saramago»?
Como jornalista, o género a que mais me dediquei foi a entrevista. Gosto de perguntar, gosto de escutar, gosto do efeito de detonação que surge das palavras do entrevistado, da potencialidade que há no diálogo. Isso permite-me pensar com outra pessoa, e depois seguir os meus próprios caminhos, autonomamente, ajuda-me a compreender e a criar perplexidades. Não raro, entrevistei mais do que uma vez uma pessoa. Essa conversa continuada, em andamento, suscitada por um livro, pelo novo, e que normalmente acontece quando temos do outro lado um criador, permite um aprofundamento da relação. Então, não sei reconstituir o momento exacto em que pensei fazer “Por Saramago”, mas percebi que as várias viagens ao universo saramaguiano (as entrevistas a José e a Pilar, o texto sobre a casa de Lanzarote, a ida ao México ou ao Brasil “com” Saramago que me deixaram perceber uma devoção táctil pelo autor) constituíam um testemunho importante e eram uma forma de dizer o quanto o admiro.

Depois, eu já tinha feito “Paula Rego por Paula Rego”, também com entrevistas, com um apuro estético incrível e a mão segura da editora Guilhermina Gomes da Temas e Debates; e achei que fazia sentido replicar, de um ponto de vista formal, esse objecto tão conseguido. Por isso, além dos textos, há em “Por Saramago” uma colecção de fotografias que iluminam o texto. São cerca de 65, todas originais, todas feitas de propósito para o livro, da autoria da Estelle Valente. Os dois livros têm capa dura, uma sobrecapa, um papel que apetece cheirar, uma impressão excelente.

Ao escrever este livro, ainda se surpreendeu com alguma nova faceta de José Saramago?
Surpreendo-me sempre com os entrevistados, mesmo quando os entrevisto mais do que uma vez e mesmo quando parece que já disseram tudo. Há sempre uma cintilação nova. Cada encontro tem uma dinâmica própria que depende dos sujeitos, do momento em que estão, da sintonia, e também do que suscita a entrevista. Acho que me surpreendi, a primeira vez que o encontrei, por ser mais gentil do que sisudo, pela disponibilidade para pensar alto.

Neste livro foca a sua atenção em dois livros («As Pequenas Memórias» e «A Viagem do Elefante»): porquê?
Fernando Gómez Aguilera, biógrafo de Saramago, comissário da exposição A Consistência dos Sonhos, assina o posfácio do meu livro, a que chama O último fulgor de Saramago. De facto, são os últimos anos que estão representados no meu livro. As entrevistas a Saramago têm como pretexto os dois últimos livros (as “Pequenas Memórias” e “A Viagem do Elefante”), a entrevista a Pilar del Río aconteceu por altura de “Caim”. Mas estes livros são apenas o ponto de partida para o diálogo; entendo-os sempre como caminhos de onde partimos para chegar a outros lugares, esperados ou não, principais ou secundários. Por exemplo, a entrevista com Pilar ensinou-me muitas coisas sobre o que é crescer no franquismo (como aconteceu no caso dela), além de revelar aspectos importantes de Saramago e da relação que tinham. Esse é o lado bom de uma entrevista: sabemos como começamos, não sabemos onde vamos dar.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

«Quando Saramago dizia: "Portugal acabará por integrar-se na Espanha"» de João Céu e Silva - DN (01/12/2019)

"Há 12 anos, o escritor José Saramago recusou ser profeta mas anunciou a "Ibéria" no prazo máximo de meio século. O conflito na Catalunha pode afastar esta hipótese digna de uma sequela do romance A Jangada de Pedra."

"José Saramago na sua casa em Lanzarote, Canárias, Espanha. © Arquivo DN"

"A palavra Espanha, ou o que significa o pedaço de terra que faz fronteira com Portugal, está presente na história das mentalidades do país desde sempre. O desejo de independência também, mesmo que entre os escritores que pensaram esta relação ao longo dos séculos o desejo fosse de haver uma coexistência maior ao nível cultural, opinião que irmanava o escritor espanhol Miguel de Unamuno e o português Miguel Torga, expressa em vários parágrafos dos seus livros, poemas ou mesmo no ensaio do primeiro, intitulado Por Terras de Portugal e Espanha.

Unamuno era um investigador do lado de lá do seu país e estranhava o desejo suicidário de personagens seus colegas, como Camilo Castelo Branco, e de muitos outros portugueses desistentes de viver. Ao contrário, Cervantes viveu em Lisboa um par de anos no século XVI e achava que era na capital portuguesa que as pessoas gozavam bem a vida. E chegamos a José Saramago...

O único Prémio Nobel da Literatura da língua portuguesa olharia até mais de metade da sua vida para Espanha como a maioria dos seus compatriotas e, decerto, aceitava bem o velho ditado "de Espanha nem bom vento nem bom casamento". Mas não morreu com esse pensamento, pois até expressou o desejo de ser enterrado debaixo da oliveira que fora da terra natal, a Azinhaga do Ribatejo, para o jardim da sua biblioteca em Lanzarote. Tal não aconteceu, mesmo que da Azinhaga tenha ido uma oliveira substituta para a praça em frente à Casa dos Bicos, onde foi sepultado, e que esteve para morrer devido ao stress citadino que Lisboa lhe provocou.

Stress foi também o que José Saramago provocou à pátria quando declarou numa entrevista ao Diário de Notícias, a 15 de julho de 2007, o seguinte pensamento: "Não sou profeta, mas Portugal acabará por integrar-se na Espanha." Era uma declaração tão inesperada para uns como aguardada por outros. Entre os "outros" estavam todos os que detestavam o escritor pelas suas posições políticas - e outros "defeitos" - e que não aceitavam que um português da sua geração fizesse tal afirmação. Entre os "uns" encontravam-se os que se embriagaram com a União Europeia e viam como aceitável que a Península Ibérica se unisse mais ainda e Portugal se tornasse uma província do país vizinho."

"Capa da edição do Diário de Notícias de 15 de julho de 2007, 
que incluia uma entrevista com a José Saramago. O Nobel criou polémica 
com a sua de ideia de uma ibéria unida com um só país."

"A declaração de Saramago devia-se ao ambiente vivido nesses dias, em que as sedes das multinacionais passaram a estar em Madrid e Espanha apresentava uma normalidade social e um crescimento económico atrativos. Tal como Saramago dizia ao DN, "a vida política nacional não produz melhor gente" e "é uma situação natural" que Espanha vá tomando conta da economia portuguesa; também a sondagem então feita por um jornal mostrava que mais de 40% dos portugueses lhe davam razão e não se incomodavam com uma União Ibérica.

Para Saramago, a União Ibérica, que aconteceria num prazo de 50 anos, não era a de Unamuno ou de Torga: "Culturalmente, não." Antecipava uma "integração territorial, administrativa e estrutural", em que "não deixaríamos de falar português e de escrever na nossa língua". Acrescenta: "Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castela-La Mancha, e teríamos Portugal. Provavelmente [Espanha] teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria." Doze anos depois, no entanto, a realidade desmente Saramago e a integração de Portugal numa Ibéria contrasta com a violência dos desejos separatistas da Catalunha. Em 2007, o escritor antevia apenas um problema na unidade espanhola: "A única independência real que se pede é a do País Basco e, mesmo assim, ninguém acredita."

A Ibéria de Saramago foi uma proposta tão surpreendente que no dia seguinte vários jornais estrangeiros deram notícia do que dissera ao DN e na semana que se seguiu o planeta inteiro ouviu ecos: foram reproduzidos nos países nórdicos, na Índia, na América do Sul e até no órgão oficial do Partido Comunista da China. Como as fake news ainda não eram moda - esta pareceria hoje enquadrar-se bem nesse estatuto -, os jornais mais rápidos na resposta à ideia de Saramago foram os espanhóis, os ingleses e os italianos, e todos fizeram uma ou mais páginas a desenvolver o que seria essa "Ibéria" saramaguiana, mais próxima de um argumento para um romance do que de palavras de uma entrevista. A conclusão mais divertida era a de que com os jogadores ibéricos a península seria a maior potência do futebol.

Nem todos apreciaram a proposta de Saramago, a começar pelo governo que pôs o ministro dos Negócios Estrageiros Luís Amado a refutar esse futuro, bem como dezenas de comentadores e até o rei D. Duarte. Saramago não se incomodou, respondendo em nova entrevista ao DN que "quanto mais velho mais livre e quanto mais livre mais radical". Deu um ponto final com a seguinte resposta: "Não tenho mais nada a comentar. Está tudo na entrevista." E, para surpresa geral, um dia depois casa-se oficialmente com Pilar del Río em Castril (Espanha). Numa outra resposta na segunda entrevista, o escritor não refere o exílio em Espanha como razão para a polémica que deu a volta ao mundo: "Não [sou um exilado político], sou uma pessoa que mudou de bairro, alguém a quem o vizinho do andar de cima incomodava e decidiu ir para outra casa." Nem considera que mudar de país tenha sido uma decisão elaborada: "Houve uma altura em que andámos a tentar encontrar outra casa. Estivemos em Mafra e procurámos pela região e é quando sucede que nasce a ideia de fazer uma casa na ilha de Lanzarote para passar as férias."

O que levou José Saramago a fazer estas declarações sobre Portugal e Espanha? A convivência direta com o país vizinho após ter decidido mudar para Lanzarote de armas e bagagens e fixar-se numa ilha espanhola para sempre. Um país cuja importância e interesse dos seus jornais lhe deram uma exposição mundial - e latino-americana - que em Portugal as eternas intrigas nas redações proibiam; a vida com uma mulher espanhola que o seduziu com o anúncio de um amor tão real como literário e que foi em muito responsável para que a obra do autor chegasse aos corredores da Academia Sueca, e um conflito que começa com a censura de um secretário de Estado da Cultura ao romance Evangelho segundo Jesus Cristo."

"André, o arquiliterário!" via revista Aldeia Brasil (29/11/2019)

"André, o arquiliterário!"
Texto Rejane Martins Pires
Publicado em 29/11/2019
Via Revista Aldeia

Link da publicação em https://revistaaldeia.com.br/materia/1315/andre-o-arquiliterario

"Fundador do movimento Arquiliteratura, cuja proposta une arquitetura e 
literatura numa nova concepção de arte visual, 
André Braga tem convite para expor em Nova York"


"Se José Saramago escrevesse seus livros utilizando a arquitetura como linguagem, como seriam eles? E Anne Frank? E Fernando Pessoa? E Hemingway? Jorge Luis Borges? Parece estranho. Inimaginável. Agora, preste atenção nas fotos que ilustram esta matéria. Um olhar minucioso vai levá-lo à memória recente de alguma leitura. As obras integram o Projeto Arquiliterário do artista plástico André Braga. Numa tradução livre, algo como a arquitetura dos livros.

A autenticidade de seu trabalho tem chamado a atenção de curadores do Brasil e do exterior, inclusive, já tem convite para expor em Nova York no próximo ano, bem como na Bienal Internacional de Veneza e Bienal Internacional da Amazônia. Após conhecer a obra de Braga pelas redes sociais, o marchand brasileiro Louis Ventura, sócio da Saphira & Ventura Gallery, formalizou o pedido via email. 

Estar no mercado internacional significa muito trabalho por aqui. Cada projeto exige a leitura e a releitura de todas as obras do autor. “Eu procuro entender como o autor viveu, qual a relação dele com o mundo e de que maneira eu posso transpor isso para obra”, explica. Além disso, é preciso entrar na história para ser fidedigno ao texto e ao autor. Para isso, conta a ajuda da esposa, a professora de literatura Margarete Nath. 

A própria história deles daria um romance. Mestre em Letras e doutora em Linguística, Margarete conheceu André no Ceebja. Ela professora. Ele, um aluno com histórico de defasagem escolar comum a muitos brasileiros. Da paixão pelos livros, nasceu o afeto e o amor mútuos. Braga formou-se em História e atualmente é funcionário do Instituto Federal de Educação (IFPR). Casados há 11 anos, ambos vivem numa espécie de santuário, num sítio em Rio do Salto. 

É lá, nas horas vagas, que ele entra numa espécie de imersão. O silêncio só é quebrado pelos sons da natureza. A calmaria aparente esconde um turbilhão interior. André não para. Está sempre criando. Pensando em novas possibilidades. Enxergando além. Simples materiais como madeira, papel, metal, cola, barbante, tecido, galhos e outros pequenos objetos se transformam em arquitetura literária.

O leitor
Se você já leu algum livro de Edgar Allan Poe, conseguirá compreender o impacto que este autor teve na vida de André. Ele conheceu Poe aos 13 anos, na biblioteca da escola. Houve ali uma espécie de arrebatamento tão intenso que o menino fugia da sala de aula para ler em casa. Nunca mais parou.

Até mesmo no zoológico, onde trabalhou por alguns anos, concluía suas tarefas e corria para os livros. Toda esta entrega à palavra fez nascer o movimento Arquiliteratura, a união da arquitetura e da literatura como uma nova forma de arte. “É um trabalho muito recente. Há um ano, eu estava tentando criar uma árvore do conhecimento num pé de jabuticaba com o máximo de autores”, conta. Desmembradas da árvore, surgiram as primeiras construções baseadas em Saramago, Fernando Pessoa e Borges, e expostas despretensiosamente no Museu de Arte de Cascavel (MAC). "