Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Caim, ou a Bíblia como um «manual de maus costumes»



(...) A aparição de Caim em 2009 significou o regresso do autor ao tema religião, encarado novamente de forma frontal; embora, nesta ocasião, situando-se no Antigo Testamento para ler literalmente e reescrever uma dezena de episódios extraídos do Génesis, do Êxodo e do Livro de Job, cuja característica comum é a violência e o absurdo lógico em que se sustentam. Confronta-se, pois, com um dos últimos grandes relatos vigentes esgrimindo o seu ateísmo anti-religioso, que o faz considerar a Bíblia um «manual de maus costumes», «um catálogo de crueldade». (...)
Sai em defesa do livre arbítrio, do direito à liberdade individual e, diante do mito, esgrime a lucidez e a razão como valores universais que protegem a dignidade humana, numa leitura alternativa, num diálogo crítico que recorre também ao riso irreverente, à sátira, para censurar um deus, fruto da criatividade humana, que, aos seus olhos, se comportava com modos arbitrários e soberbos, opressivos e cruéis.(...)
Caim conclui com uma «negação total» que, em boa medida, sintetiza a visão trágica e desencantada do mundo que o acompanhou até ao final dos seus dias: «A terra está completamente corrompida e cheia de violências, só encontro nela corrupção, pois todos os seus habitantes seguiram caminhos errados, a maldade dos homens é grande, todos os seus pensamentos e desejos pendem sempre e unicamente para o mal, arrependo-me de ter criado o homem.» Inverter o sinal desse destino só podia estar nas suas mãos. Daí que, para Saramago, fosse imprescindível uma revolução ética que, reivindicando o valor supremo da bondade, reconhecesse como única prioridade o ser humano.

Fernando Gómez Aguilera

Excerto, de "A Estátua e a Pedra"
Fundação José Saramago
Páginas 57 a 59



Entrevista via Youtube, em http://www.youtube.com/watch?v=_zzOrpNnXYc

Via Bibliografia Activa, Fundação José Saramago
Aqui, em http://www.josesaramago.org/caim-2009/

A história de Caim e Abel é narrada no livro de Génesis. Este teria sido o primeiro homicídio da história da humanidade. Abel era pastor de ovelhas e Caim, lavrador.
Possuído por ciúmes, Caim armou uma emboscada para seu irmão. Sugeriu a Abel que ambos fossem ao campo e, lá chegando, Caim matou seu irmão. (Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Caim_e_Abel 


Sinopse da Editorial Caminho
“A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós , nem nós o entendemos a ele .” José Saramago
“Pela fé, Abel ofereceu a Deus um sacrifício melhor do que o de Caim. Por causa da sua fé, Deus considerou-o seu amigo e aceitou com agrado as suas ofertas. E é pela fé que Abel, embora tenha morrido, ainda fala.” (Hebreus, 11.4)


(capa da edição turca)


Sinopse da Companhia das Letras
Se, em O Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago nos deu sua visão do Novo Testamento, neste Caim ele se volta aos primeiros livros da Bíblia, do Éden ao dilúvio, imprimindo ao Antigo Testamento a música e o humor refinado que marcam sua obra. Num itinerário heterodoxo, Saramago percorre cidades decadentes e estábulos, palácios de tiranos e campos de batalha, conforme o leitor acompanha uma guerra secular, e de certo modo involuntária, entre criador e criatura. No trajecto, o leitor revisitará episódios bíblicos conhecidos, mas sob uma perspectiva inteiramente diferente.
Para atravessar esse caminho árido, um deus às turras com a própria administração colocará Caim, assassino do irmão Abel e primogénito de Adão e Eva, num altivo jegue, e caberá à dupla encontrar o rumo entre as armadilhas do tempo que insistem em atraí-los. A Caim, que leva a marca do senhor na testa e portanto está protegido das iniquidades do homem, resta aceitar o destino amargo e compactuar com o criador, a quem não reserva o melhor dos julgamentos. Tal como o diabo de O Evangelho, o deus que o leitor encontra aqui não é o habitual dos sermões: ao reinventar o Antigo Testamento, Saramago recria também seus principais protagonistas, dando a eles uma roupagem ao mesmo tempo complexa e irónica, cujo tom de farsa da narrativa só faz por acentuar.
A volta aos temas religiosos serve, também, para destacar o que há de moderno e surpreendente na prosa de Saramago: aqui, a capacidade de tornar nova uma história que conhecemos de cabo a rabo, revelando com mordacidade o que se esconde nas frestas dessas antigas lendas. Munido de ferina veia humorística, Saramago narra uma estranha guerra entre o homem e o senhor. Mais que isso, investiga a fundo as possibilidades narrativas da Bíblia, demonstrando novamente que, ao recontar o mito e confrontar a tradição, o bom autor volta à superfície com uma história tão actual e relevante quanto se pode ser.

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