Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

"Fábrica Braço de Prata. "Esta bomba não rebentará" - de Cristiana Faria Moreira para o "Público" (07/01/2018)

Nuno Nabais recorda para o "Público" um dos momentos mais marcantes da vida do seu espaço das artes na Fábrica de Braço de Prata" aquando da apresentação da obra "Alabardas Alabardas Espingardas Espingardas" de José Saramago.
Reportagem de Cristiana Faria Moreira - "Público" (07/01/2018)
Pode ser consultada e recuperada aqui 

"Esta é a história de como um professor de Filosofia transformou um espaço devoluto, desejado por imobiliárias, num centro cultural onde o armamento foi substituído pela arte. E que sobrevive há uma década na ilegalidade."

Nuno Nabais, fundador da Fábrica de Braço de Prata 
Fotografia de Nuno Ferreira Santos

"Por que é que nunca houve uma greve numa fábrica de armamento? O que se passa para que a classe operária, tão capaz de lutas, não tenha conseguido entrar nos portões de uma fábrica de armas? As questões levantou-as José Saramago. E quem sabe as respostas a essas dúvidas estejam projectadas nos primeiros três capítulos de um romance que conta a história de amor entre uma pacifista e um trabalhador de uma fábrica de material de guerra.

Deixou-o por acabar, mas o enredo do romance ter-lhe-á surgido após uma conversa com "um velho republicano espanhol" que lhe contou sobre uma bomba que, em plena Guerra Civil, não explodiu. Quando a desarmadilharam, encontraram um bilhete escrito em português onde se podia ler: "Esta bomba não rebentará”.

Para Saramago, poderia até ter sido um operário da Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, a ousar fazê-lo. Quem nos conta esta história de amor, misturada com a sabotagem da guerra, é Nuno Nabais, o professor de Filosofia que, há dez anos, quis tornar parte de um antigo espaço de fabrico de armamento num local em que as armas são a música, a literatura, a pintura ou a escultura.

O livro chama-se Alabardas, foi publicado em 2014, e apresentado, ali, na Fábrica, onde estiveram presentes, “rodeados por guarda-costas”, o juiz espanhol Baltasar Garzón e o escritor e jornalista italiano Roberto Saviano. Diz Nuno Nabais que terá sido o momento mais marcante nestes dez anos de Fábrica Braço de Prata que, segundo conta, foi de facto o cenário da obra do prémio Nobel da Literatura.

É que o escritor tinha ligações ao local por se ter formado como serralheiro mecânico na Escola Industrial Afonso Domingues, em Marvila. "O sonho de qualquer aluno daquela escola, nos anos 40 e 50, era ir trabalhar para a Fábrica Braço de Prata", recorda Nuno. "Saramago não conseguiu, mas vinha muitas vezes encontrar-se com os antigos colegas aqui".

O edifício apalaçado ter-lhe-á ficado na memória, assim como os mosaicos axadrezados do chão, a escadaria, a fachada com o escudo português e as iniciais FBP, os símbolos alusivos ao trabalho e ao produto que ali se fabricava. Este é hoje o cenário de um espaço cultural, que é uma livraria, com salas de concertos, galerias de exposições, e um restaurante que serve bebida e comida, à margem da lei. Que dez anos depois estará "em vias de formalizar um acordo miraculoso” com a câmara de Lisboa para passar a poder vender cervejas sem estar sujeito a multas.

É uma história de resistência e de amor, como veremos, entre um filósofo e uma agente de bandas, com a música, os livros, a dança, a pintura e a escultura. Com a arte. 

Viajar pela arte de sala em sala
É fim de tarde de uma terça-feira de Outono quando nos sentamos com Nuno numa das mesas da Fábrica. Está fechada, menos para os alunos da Escola de Música, o seu mais recente projecto, e para os "amigos" que vão chegando, a quem não é negada a entrada. 

A Fábrica recebe-nos numa sala ampla, pé direito alto e bar a um canto. Depois, é começar a percorrer as salas que vão desembocando noutras salas, que tomam os nomes de filósofos, como Platão, Nietzsche, Arendt, de escritores como Eduardo Prado Coelho e Saramago ou artistas como Kandinsky. São 13, no total, que não servem para uma coisa só. 

Em dez anos, Nuno Nabais diz ter feito mais de 700 exposições de artistas plásticos, sendo que “nenhum artista expôs duas vezes”. Acolhe cerca de 60 concertos, de vários estilos, por mês. Por vezes, há vários na mesma noite e o objectivo é que se circule pela Fábrica, guiados pelas notas que mais cativam, entrando e saindo, ao ritmo e vontade de cada um, sem constrangimentos.

Aberta de quarta a sábado, não se pagam as entradas; dão-se antes "donativos". No total, sublinha, mais de 1,6 milhões de euros passaram “dos bolsos do público para os bolsos dos músicos”. “Todos recebem o mesmo. Não é por banda, é por cabeça”, diz.

Salvador Sobral já ali tocou por várias vezes. A Fábrica serve, inclusive, de pano de fundo ao videoclip de Excuse Me, tema que dá nome ao primeiro álbum do músico. À sexta, ali costuma tocar o pianista e compositor Júlio Resende, que também acompanha Sobral e com quem tem o projecto Alexander Search. O que leva Nuno a dizer, orgulhosamente, que este é um dos melhores locais para se ouvir jazz na capital.

"Há imensos esqueletos nos armários desta fábrica"
Pedimos que nos explique como é que sobreviveu ali, numa zona da cidade que se diz agora na moda, quando, “há dez anos, ninguém ia para o Poço do Bispo”, refém da memória das docas, da Fábrica Militar, da Fábrica Nacional de Sabões, da Tabaqueira, dos fósforos, da borracha, dos armazéns de vinho de Abel Pereira de Fonseca, do frenesim das horas de almoço onde os trabalhadores saíam e preenchiam as ruas de Marvila.

Para isso, voltemos ao início do século XX, quando aquele complexo industrial foi construído, para se dedicar ao fabrico de munições de artilharia, sob a alçada do Arsenal do Exército. 

"Há imensos esqueletos nos armários desta Fábrica", desabafa Nuno. A Guerra do Ultramar foi o garante da fábrica, com a produção intensiva de espingardas automáticas, morteiros, metralhadoras, munições, fardamentos e outros artigos que equiparam as Forças Armadas Portuguesas. Chegou a empregar cerca de 12 mil operários, que produziram também armamento para a República Federal da Alemanha.

Já nos anos 90, a Fábrica acabaria por ser desactivada e votada ao abandono, mas rapidamente seria revelado o interesse de construtores imobiliários naqueles terrenos.

A história de Nuno com a fábrica começa à boleia da família. “Somos cinco irmãos. Um deles é engenheiro civil e, em 1997, era membro da administração de uma empresa de construção, a Somague”. Que se tinha associado à Obriverca e criado a empresa Jardins de Braço de Prata. O objectivo era comprar a antiga fábrica de material de guerra para construir aquilo que está, finalmente, duas décadas depois, a ser construído - um empreendimento de apartamentos de luxo, projectado pelo arquitecto italiano Renzo Piano (Prémio Pritzker, co-autor do Centro Georges Pompidou, em Paris) em 1998.

Em 1999, outro irmão, advogado de profissão, “fez um contrato de comodato com a empresa Jardins de Braço de Prata”, conta Nuno, o que lhe permitia ocupar o edifício, sem pagar renda, ficando responsável pela manutenção do edifício. Segundo refere o professor, a autarquia queria que o edifício fosse sua propriedade, o que só aconteceria assim que “o empreendimento estivesse concluído e a câmara tivesse passado as licenças de habitação aos apartamentos”.

Ora, em 2002, a obra acabaria por ser embargada. Foram surgindo outros planos para o local, mas nunca nada avançou. À data, além de dar aulas de Filosofia na universidade tinha, no Bairro Alto, uma livraria especializada em Filosofia e Teatro - a Eterno Retorno -, próxima da Ler Devagar, de José Pinho. Em 2005, livraria de Pinho foi forçada a sair do edifício que ocupava na Rua de São Boaventura. Em “solidariedade”, diz Nuno, também fechou as portas. O plano era partilharem casa, o que ainda veio a acontecer, na Galeria Zé dos Bois e na Rua da Rosa, mas sempre “com o sacrifício da Eterno Retorno”, aponta.


"Uma livraria sem bar não funciona"

A parceria com a Ler Devagar acabou por não dar muito certo e, sem sítio para pôr os livros, acabou por encontrar o espaço de que precisava na Fábrica.

Entretanto outro irmão tinha montado uma galeria de arte num dos salões da Fábrica, quando surge a ideia: “Por que não abrir um espaço das artes na fábrica, com livraria, café e galerias de arte?", recorda o professor, para quem “uma livraria sem bar não funciona”.

A ideia avançou com a ajuda dos alunos da faculdade, de amigos músicos, que pintaram paredes, montaram móveis. Comprou um piano a prestações, transformou casas de banho numa cozinha e o espaço passou de livraria a sala de concertos, galeria de exposições e restaurante. Conta que a Fábrica só está hoje de pé porque fez um crédito de “seis mil euros milagrosos”, numa daquelas bancas à saída do metro.

A partir daí, foi uma corrida contra o tempo. Antes da abertura, reatou a parceria com a Ler Devagar. Era assim apresentada uma nova livraria em Lisboa: Ler Devagar/Eterno Retorno.

Acabou por inaugurar com o pretexto dos Santos Populares. Sem possibilidade de desembolsar “centenas de milhares de euros” para fazer as obras para licenciar o espaço como equipamento cultural, pediu à câmara uma licença para fazer um arraial de Santo António. “Até hoje, é a única licença que eu tenho, para o mês de Junho de 2007. Hoje, é um caso de estudo. Como é que um espaço destes sobrevive dez anos na ilegalidade?”.

“Nuno, aguente-se na ilegalidade”
Em 2008, a obra do empreendimento dos Jardins de Braço de Prata acabaria por ser desembargada. Adivinhava-se o fim daquele espaço, mas um artigo do The New York Times, de Julho, intitulado Lisbon comes alive (Lisboa ganhou vida, em tradução livre), acabaria por “salvar” a Fábrica, acredita Nuno. O texto arrancava com a referência à “fábrica de armas durante os sombrios anos da ditadura em Portugal, com as instalações há muito abandonadas, [que] renasceu para ser o mais recente e ambicioso espaço cultural de Lisboa”.

É uma visita guiada à Fábrica por Nuno, que naquela altura fazia tudo: "Vendia os bilhetes, vendia a cerveja, tudo". O chamariz da noite - e do jornalista - era Michel de Roubaix, artista do sapateado e do acordeão que ali actuava.

Dias depois, numa reunião da assembleia municipal, a deputada Helena Roseta levou uma proposta acompanhada daquele artigo, que consistia em passar o edifício para equipamento cultural, assim que aquelas instalações passassem para propriedade da câmara. E, na gestão do espaço, em nome do município, permaneceria Nuno Nabais."

Em dez anos, Nuno Nabais diz ter recebido mais de 700 exposições 
Fotografia Nuno Ferreira Santos

"Nada avançou, a primeira pedra do empreendimento ainda foi lançada, em 2010, 12 anos depois de o projecto ter sido apresentado, visando retomar o processo de regeneração urbana iniciado com a Expo 98. Mas a Obriverca acabaria por abrir falência e a obra foi, mais uma vez, parada.

“Aqui temos estado estes dez anos, vulneráveis a qualquer inspecção. Sempre que cá vem ASAE sou multado", lamenta. "Contesto a contra-ordenação, vou para o tribunal. Em tribunal os juízes percebem que é um acontecimento cultural, absolvem-me ou reduzem-me a multa”, partilha resignado.

"Pagamos tudo, apesar de sermos ilegais. Pagamos IVA, IRC, à Sociedade Portuguesa de Autores, à Inspecção Geral Das Actividades Culturais (IGAC). Não pagamos a renda, mas de resto pagamos tudo”, admite. 

Diz que a câmara ainda se meteu nas negociações com os proprietários, sem grandes resultados. Tentou depois fazer um acordo com Nuno que este recusou, por não conseguir pagar a renda que lhe pediam. Mas assegura que a autarquia o tem animado e resistir: “Nuno, aguente-se na ilegalidade”. A solução parece ter chegado.

Um acordo "miraculoso"
Ainda no ano passado, em Fevereiro, no mesmo ano em que comemorou uma década de existência, a câmara propôs-lhe um acordo: passaria a ter um contrato de arrendamento, desde que garantisse a integração da comunidade local nas suas actividades.

“Estamos em vias de formalizar um acordo miraculoso”, diz Nuno, explicando que a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) encarregar-se-ia de montar uma “estrutura no exterior para espectáculos ao ar livre”. “Eles [a EGEAC] usam essa estrutura 60, 70 dias por ano, nos outros usamos nós. E se aceitássemos, não precisávamos de pagar renda”, detalha.

Nuno está responsável por tratar do texto da proposta de protocolo onde deve “incluir um conjunto de contrapartidas” que a fábrica dará à cidade: propinas grátis para a escola de música aos miúdos de Marvila, concertos gratuitos nas escolas da freguesia, sessões de leituras, edição de obras. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter mais informações junto da autarquia."

O edifício onde funciona a Fábrica, diz Nuno Nabais, terá sido a sede daquele complexo industrial Fotografia Nuno Ferreira Santos

"Depois de assinado o protocolo, terá um contrato de arrendamento. “E finalmente vou pedir alvará para, finalmente, poder vender cervejas sem estar sujeito a multas”.

Neste momento, emprega 14 funcionários. É precisamente a parte da fábrica que não está legal que lhes permite sobreviver: o restaurante e bar. Já que, “100% da bilheteira é para os músicos, 100% do valor das obras de arte que se vendem é para os artistas”.

“Só nos sustentamos - que não sustentamos - porque todos os meses temos que entrar com 500, 1000 euros para o orçamento da fábrica”, diz. “Se eu não continuasse a dar aulas, a Fábrica não existia. Sobrevivi a tudo isto. Já não sinto a fome que sentia naqueles meses. Já não sinto a angústia de ir para tribunal". É tudo parte de "um grande romance" que conta às pessoas quando lhe perguntam porque se meteu nesta embrulhada.

A co-protagonista deste romance rocambolesco é Sílvia, que é a responsável pela produção musical, e a mãe de dois filhos de Nuno, o Gabriel e a Violeta, "100% made in Fábrica Braço de Prata". “Conheci a Sílvia aqui. Ela era agente de uma banda rock. Depois convidei-a para trabalhar comigo e nasceram estes filhos”.

Com a construção do empreendimento de luxo, que se vai estender pela frente ribeirinha, "a malta pobre vai ficar a olhar para uma barreira de betão armado", considera Nuno Nabais. "E nós vamos ficar aqui como um enclave, rodeados de prédios de luxo. Um enclave com memórias do 25 de Abril, com funcionamento ilegal assumido, com 60 concertos por mês, sete exposições, uma livraria”. Como parte de um romance inacabado."

Recordar a intervenção sobre a situação em Chiapas



Revista Visão
José Carlos de Vasconcelos
16 de Janeiro de 2003

(...)
Uma das várias batalhas, na América Latina, em que tiveste intervenção activa foi a de Chiapas, de que agora não se tem falado. O que sucedeu?
A Latino-América tem muitos e muito graves problemas. Mas tem um «especial», que é o problema indígena. E às vezes parece haver a convicção de que ele se resolve com o tempo. Houve um longo e lento genocídio dos indígenas: nuns casos foi a eliminação física, noutros foi a entrega o abandono dessas populações à sua (má) sorte. Um exemplo, entre outros, é o da Guatemala, onde essa população representa 50% do total.
Em Chiapas, o que houve foi uma guerrilha armada, zapatista, que não durou muito. Parte desse exército refugiou-se na selva. E através de meios como a internet, conseguiu dar dimensão internacional à sua luta. Depois dos acontecimentos conhecidos que tiveram repercussão mundial, como a longa marcha até à Cidade do México, o comandante Marcos esteve muitos meses calado. Recentemente escreveu uma carta, a propósito da ETA, que foi um erro político. Chiapas é muito rica - em petróleo, água, café, cacau, aquilo, aqueloutro - e a sua situação está num beco sem saída. O que parece é que toda a gente está à espera que as populações se afundem, se dissolvam, desapareçam, não se sabe porque artes mágicas, para caírem em cima daquilo e se apropriarem de tudo.

A situação é particularmente difícil na América Central...
A situação é dramática. E se os EUA se comportam como se comportam em relação ao resto do mundo, então ali, que se consideraram um seu feudo, imagine-se! (...)







"Todos somos Chiapas"

"Su visita a Acteal hace un par de semanas dejó al escritor portugués afincado en Lanzarote hondamente impresionado. Éstas son sus impresiones, narradas en primera persona.

He visto el horror. No el que hemos observado en lugares como Bosnia o Argelia. No. Éste es otro tipo de horror. Estuve en Acteal, en el mismo lugar de la matanza... escuchando a los supervivientes. Es difícil expresar lo que se siente cuando uno sabe que se encuentra con los pies sobre el mismo lugar donde hace tres meses asesinaron a estas personas.

Me imaginaba la escena... La gente tratando de escapar... los paramilitares disparando a discreción... las mujeres y los niños gritando, huyendo entre la maleza... el lamento de los heridos...

En Chiapas se vive una situación de guerra o una ocupación militar, que al final es casi lo mismo. No es una guerra en el sentido común, con un frente y dos partes confrontadas. Yo nada más he visto una parte confrontada: el Ejército y los paramilitares. La otra parte, las comunidades indígenas, no están enfrentándolos, no tienen medios. Están rodeados, no tienen comida ni agua... Viven en condiciones infrahumanas. Son casi campos de concentración. No los reunieron allí a la fuerza, es cierto, pero cuando huyeron a esos lugares (se refiere a los campos de refugiados) los rodearon los paramilitares y el Ejército. Entonces esos campamentos se convirtieron en una especie de campo de concentración.

Si alguna vez hubo en la historia de la humanidad una guerra desigual, no la hubo nunca como ésta. Es una guerra de desprecio, de desprecio hacia los indígenas. El Gobierno esperaba que con el tiempo se ¡acabaran! todos, simplemente eso.


"Me llevo no sólo el recuerdo, me llevo la palabra misma... la palabra Chiapas no faltará ni un solo día de mi vida"

Pero ellos sobreviven, alimentándose de su propia dignidad. No tienen nada, pero lo son todo. Enfrentan la guerra con ese estoicismo que me impresionó tanto, un estoicismo casi sobrehumano que no aprendieron en la universidad, que consiguieron tras siglos de humillación. Han sufrido como ninguno y mantienen esa fuerza interior, una fuerza que se expresa con la mirada... La mirada de ese niño al que le han destrozado para siempre la vida... (Saramago conoció al pequeño de cuatro años Gerónimo Vázquez al que los paramilitares amputaron cuatro dedos en Acteal) Es algo que no se me borrará jamás de la memoria... Las miradas serias, severas, recogidas de las mujeres, de los hombres... son algo que está por encima de todo. Los indígenas no tienen nada, pero lo son todo. ¿Cómo es posible que después de tanto sufrimiento ese mundo indio mantenga una esperanza? ¿Cómo puede sonreír ese hombre de Polhó que nos acaba de decir "mañana puede que nos maten a todos, pero bueno, aquí estamos"? Es algo que no alcanzo a entender.

En Chiapas encontré un mundo que no comprendo. El mundo indio es un mundo donde el europeo no puede entrar fácilmente. Es como si me asomara a una ventana que da a otro mundo y, aunque lo tengo enfrente, no lo puedo entender.

También descubrí otra realidad, la de un territorio ocupado militarmente. Un territorio donde los paramilitares y el Ejército son la uña y la carne juntas. Por una razón muy sencilla: de no ser así, los paramilitares no podrían haber hecho lo que hicieron y lo que siguen haciendo. Yo vi camiones del Ejército transportando a civiles que seguro no viajaban allí por la amabilidad de los militares. Minutos después de que abandonáramos Acteal hubo un acto de intimidación e hicieron hasta 30 disparos al aire. Esto sólo puede ocurrir si el Ejército da su bendición. Nada más fácil para el Ejército que identificar a los paramilitares y desarmarlos.

Me parece esquizofrénico que el Congreso pueda estar debatiendo una ley (el Proyecto de Ley sobre Autonomía Indígena propuesto por el ejecutivo) supuestamente para resolver los problemas de las comunidades indígenas, como si fuera una ley normal, en situaciones normales para objetivos consensuados, cuando al mismo tiempo hay miles de desplazados que no pueden volver a sus tierras, con miedo a ser asesinados, mientras hay una ocupación militar clara en el territorio de Chiapas. Y mientras los paramilitares se pasean tranquilamente y hacen lo que quieren.

¿Cómo es que no se empieza por pacificar la situación para después discutir una ley donde participen todos los sectores y todas las comunidades?

Todo se ha hecho sometiendo a los indios de Chiapas a una presión incalificable y esto no puede llamarse humanidad.

El pueblo de México tiene que reclamar a su Gobierno una paz justa y digna. Yo no puedo, sólo soy un escritor extranjero acusado de injerencia. El pueblo mexicano no puede quedarse parado, dejando que los gobernantes lo decidan todo, hay que bajar a la calle... no estoy pidiendo un levantamiento sino simplemente que las conciencias se manifiesten... estoy pidiendo una insurrección moral, desarmada, étnica...

Acteal es un lugar de la memoria que no puede de ninguna manera desaparecer. Sabemos lo que ocurrió y no lo queremos olvidar. Chiapas es el cuerpo de México. La sociedad civil debería admirar no sólo a los indios sino a los que se levantaron para defender a esos mismos indígenas.

De Chiapas me llevo no sólo el recuerdo, me llevo la palabra misma... Chiapas... La palabra Chiapas no faltará ni un solo día de mi vida. Si tenemos conciencia pero no la usamos para acercarnos al sufrimiento ¿de qué nos sirve la conciencia? Volveré a Chiapas, volveré".

Transcripción de Javier Espinosa

(Declaraciones concedidas a LA REVISTA por José Saramago (Portugal, 1922) en México DF tras su viaje a Chiapas el 14 y 15 de marzo. En su visita conversó con los supervivientes de la matanza de Acteal en el lugar de la masacre, recorrió después el campo de refugiados de Polhó y hasta se acercó al campamento militar de Majomut, sito en las inmediaciones del asentamiento indígena)."