Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 9 de agosto de 2015

"Era uma vez José e Pilar: o mural foi destruído para dar lugar a um parque de estacionamento" - Público (9/8/2015)

"Era uma vez José e Pilar: o mural foi destruído para dar lugar a um parque de estacionamento"


Pode ser consultado e lido, aqui
via site Jornal Público em http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/era-uma-vez-jose-e-pilar-o-mural-foi-destruido-para-dar-lugar-a-um-parque-de-estacionamento-1704537

Cláudia Lima Carvalho (09/08/2015)

"Mural feito em 2010 por quatro writers de Lisboa já não existe. Edifício, perto da Fundação Saramago, foi demolido na semana passada."


"José Saramago gritava Pilar. “Pilar, Pilar, Pilar”, vimo-lo repetir vezes sem conta no retrato íntimo que o realizador Miguel Gonçalves Mendes fez do casal no documentário de 2010, José e Pilar. Foi exactamente o filme que inspirou o mural que até há uma semana podia ser visto num edifício abandonado no Campo das Cebolas, em Lisboa. Naquele abraço, víamos e líamos o amor do Prémio Nobel da Literatura e da sua mulher, Pilar del Río. O edifício foi agora demolido para dar lugar a um parque de estacionamento.


“Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.” Estas palavras foram ditas pelo escritor português, que morreu em 2010, e apareciam por baixo do desenho de Nark, que há cinco anos, com os writers Ayer, Nomen e Pariz, transformou a fachada cor-de-rosa dos números 2 a 8 da rua do Instituto Virgílio Machado, junto à Casa dos Bicos, onde funciona a Fundação José Saramago.
 

O trabalho de Nark era o que mais se destacava na fachada: Saramago de olhos fechados e enternecido abraça Pilar que se esconde entre o rosto do escritor. Na longa parede havia ainda um outro retrato do casal, bem como várias citações retiradas do documentário de Miguel Gonçalves Mendes.

Na altura, a intervenção, cuja ideia partiu da produtora de José e Pilar, a JumpCut, contou com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, através da sua Galeria de Arte Urbana (GAU). Pouco antes da inauguração no final de 2010, Miguel Gonçalves Mendes dizia ao PÚBLICO que o mural obrigaria “as pessoas que passam por ali a pensar”, sendo aquela “uma forma de homenagear Saramago”.


Por estes dias, o realizador partilhou na sua página pessoal do Facebook o retrato de Nark e o espaço que agora existe: um grande vazio com destroços do edifício demolido. Sobre o sucedido, três palavras apenas: “Porque tudo é efémero”.

E é exactamente essa a palavra também usada pela Câmara de Lisboa. O PÚBLICO questionou a técnica da Galeria de Arte Urbana Inês Machado sobre o tema, e obteve uma resposta por email, não assinado, do departamento de comunicação da autarquia em que se lê que o graffiti “tratava-se de um projecto efémero”. A demolição do edifício estava prevista há muito tempo “no âmbito do Plano de Valorização e Requalificação do Campo das Cebolas”, “que inclui a construção de um parque de estacionamento por parte da EMEL [Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa]”, informa ainda a autarquia.
No mesmo email, lê-se que a homenagem ao escritor português e promoção do filme “inseriu-se na estratégia para a arte urbana em Lisboa, desenvolvida pelo Departamento de Património Cultural”. Estratégia essa que, frisam, “encara este tipo de manifestações artísticas com a efemeridade que as caracteriza”. “A arte urbana é por natureza efémera, e tanto a comunidade artística que a produz, como todos os agentes culturais, parceiros, proprietários dos suportes, interlocutores e produtores com que a GAU desenvolve trabalho e projectos nesta área sabem e aceitam essa condição.”


O desaparecimento deste trabalho, que foi resistindo ao tempo apesar de algumas vezes ter sido pintado com tags e outros graffiti por cima da arte já existente, “deve ser encarado com normalidade”, diz a autarquia, defendendo que tal “contribui para a rotatividade das obras expostas na cidade e para a renovação da paisagem urbana”.
Para memória futura fica apenas o registo na base de dados da Galeria de Arte Urbana, que se dedica à inventariação destas intervenções, "através da realização sistematizada de registos fotográficos (e videográficos) das obras executadas em Lisboa, desde o 25 de Abril de 1974 até à actualidade".