Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Post "Armas.... Alabardas..." no livro/Blog "O Caderno 2" (26/05/2009)

O presente post pode ser consultado e lido, aqui 
em http://caderno.josesaramago.org/43247.html

(Montagem cénica)


Sinopse da obra inacabada "Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas"
Via Fundação José Saramago, aqui
em http://www.josesaramago.org/alabardas-alabardas-espingardas-espingardas/
"Aquando do seu falecimento, em 2010, José Saramago deixou escritas trinta páginas daquele que seria o seu próximo romance; trinta páginas onde estava já esboçado o fio argumental, perfilados os dois protagonistas e, sobretudo, colocadas as perguntas que interessavam à sua permanente e comprometida vocação de agitar consciências.Saramago escreve a história de Artur Paz Semedo, um homem fascinado por peças de artilharia, empregado numa fábrica de armamento, que leva a cabo uma investigação na sua própria empresa, incitado pela ex-mulher, uma mulher com carácter, pacifista e inteligente. A evolução do pensamento do protagonista permite-nos refletir sobre o lado mais sujo da política internacional, um mundo de interesses ocultos que subjaz à maior parte dos conflitos bélicos do século xx. Dois outros textos – de Fernando Gómez Aguilera e Roberto Saviano – situam e comentam as últimas palavras do Prémio Nobel português, cuja força as ilustrações de um outro Nobel, Günter Grass, sublinham.
2014 (com textos de Fernando Gómez Aguilera e Roberto Saviano, capa e ilustrações de Günter Grass)"

(Ilustração da obra mencionada)

"Armas"
"O negócio das armas, sujeito à legalidade mais ou menos flexível de cada país ou de simples e descarado contrabando, não está em crise. Quer dizer, a tão falada e sofrida crise que vem destroçando física e moralmente a população do planeta não toca a todos. Por toda a parte, aqui, além, os sem trabalho contam-se por milhões, todos os dias milhares de empresas declaram-se em falência e fecham as portas, mas não consta que um único operário de uma fábrica de armamento tenha sido despedido. Trabalhar numa fábrica de armas é um seguro de vida. Já sabemos que os exércitos precisam de armar-se, substituir por armas novas e mais mortíferas (disso se trata) os antigos arsenais que fizeram a sua época mas já não satisfazem as necessidades da vida moderna. Parece portanto evidente que os governos dos países exportadores deveriam controlar severamente a produção e a comercialização das armas que fabricam. Simplesmente, uns não o fazem e outros olham para o lado. Falo de governos porque é difícil crer que, a exemplo das instalações industriais mais ou menos ocultas que abastecem o narcotráfico, existam no mundo fábricas clandestinas de armamento. Logo, não há uma pistola que, por assim dizer, não vá tacitamente certificada pelo respectivo, ainda que invisível, selo oficial. Quando num continente como o sul-americano, por exemplo, se calcula que há mais de 80 milhões de armas, é impossível não pensar na cumplicidade mal disfarçada dos governos, tanto dos exportadores como dos importadores. Que a culpa, pelo menos em parte, é do contrabando em grande escala, diz-se, esquecendo que para fazer contrabando de algo é condição sine qua non que esse algo exista. O nada não é contrabandeável.Toda a vida tenho estado à espera de ver uma greve de braços caídos numa fábrica de armamento, inutilmente esperei, porque tal prodígio nunca aconteceu nem acontecerá. E era essa a minha pobre e única esperança de que a humanidade ainda fosse capaz de mudar de caminho, de rumo, de destino." 
(26 de Maio de 2009)

(Ilustração da obra mencionada)