Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Dom João V e o seu almoxarife... numa aula de economia e finanças - "Memorial do Convento"

El Rei Dom João V, sonha e a obra acontece. 
Custe o que custar. Alguém haverá de se lembrar de pagar.
Eis, com a devida ressalva do autor, uma suposta aula sobre a economia e finanças do reino.

"Retirou-se rasando vénias João Frederico Ludovice para ir reformar os desenhos, recolheu-se o provincial à província para ordenar os actos congratulatórios adequados e dar a boa nova, ficou o rei, que está em sua casa, agora esperando que regresse o almoxarife que foi pelos livros da escrituração, e quando ele volta pergunta-lhe, depois de colocados sobre a mesa os enormes in-Fólios, Então diz-me lá como estamos de deve e haver. O guarda-livros leva a mão ao queixo parecendo que vai entrar em meditação profunda, abre um dos livros como para citar uma decisiva verba, mas emenda ambos os movimentos e contenta-se com dizer, Saiba vossa majestade que, haver, havemos cada vez menos, e dever, devemos cada vez mais, Já o mês passado me disseste o mesmo, E também o outro mês, e o ano que lá vai, por este andar ainda acabamos por ver o fundo ao saco, majestade, Está longe daqui o fundo dos nossos sacos, um no Brasil, outro na Índia, quando se esgotarem vamos sabê-lo com tão grande atraso que poderemos então dizer, afinal estávamos pobres e não sabíamos, Se vossa majestade me perdoa o atrevimento, eu ousaria dizer que estamos pobres e sabemos, Mas graças sejam dadas a Deus, o dinheiro não tem faltado, Pois não, e a minha experiência contabilística lembra-me todos os dias que o pior pobre é aquele a quem o dinheiro não falta, isso se passa em Portugal, que é um saco sem fundo, entra-lhe o dinheiro pela boca e sai-lhe pelo cu, com perdão de vossa majestade, Ah, ah, ah, riu o rei, essa tem muita graça, sim senhor, queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda, e eu estou em muito boa posição para o saber, de cócoras que é como sempre deve estar quem faz as contas do dinheiro dos outros. Este diálogo é falso, apócrifo, calunioso, e também profundamente imoral, não respeita o trono nem o altar, põe um rei e um tesoureiro a falar como arrieiros em taberna, só faltava que os rodeassem inflamâncias de maritornes, seria um desbocamento completo, porém, isto que se leu é somente a tradução moderna do português de sempre, posto o que disse o rei, A partir de hoje, passas a receber vencimento dobrado para que te não custe tanto fazer força, Beijo as mãos de vossa majestade, respondeu o guarda-livros."

em, "Memorial do Convento"
Caminho, 20.ª edição - página 283 e 284

(Iluminura de Dom João V em 1707, por Pompeo Batoni)

Breve informação biográfica, via Wikipédia

"Dom João V de Portugal, o Magnânimo (22 de Outubro de 1689—31 de Julho de 1750), foi o vigésimo-quarto Rei de Portugal desde 1 de Janeiro de 1707 até à sua morte.

O seu longo reinado de 43 anos foi o mais rico da História de Portugal, profundamente marcado pela descoberta de ouro no Brasil no final do século XVII, cuja produção atingiu o auge precisamente na última década do seu reinado.

A primeira e última década do reinado foram marcadas por guerras: 1) a Guerra da Sucessão Espanhola, que levara à tomada de Madrid em 1706, e levou à Batalha de Almansa no primeiro ano do seu reinado, e ainda a combates em África, na América, e na Ásia contra os franceses; 2) mais tarde as campanhas navais contra os turcos no Mediterrâneo, que levaram à vitória na Batalha de Matapão em 1717; e ainda 3) as guerras que Portugal ao mesmo tempo travava no Oriente, na Arábia e na Índia, contra estados asiáticos, nomeadamente contra o Império Marata e os árabes de Omã.

O longo reinado de D. João V pode de certo modo dividir-se em dois períodos: uma primeira metade em que Portugal teve um papel activo e de algum relevo na política europeia e mundial, e uma segunda metade, a partir da década de 1730, em que a aliança estratégica com a Grã-Bretanha gradualmente assumiu maior importância, e o reino começou a sofrer uma certa estagnação.

Como rei, D. João V sempre tentou projectar Portugal como uma potência de primeira grandeza, principalmente nas primeiras décadas do reinado. Exemplos disso são as faustosas embaixadas que por motivos vários enviou a Leopoldo I, Sacro Imperador Romano-Germânico em 1708, a Luís XIV da França em 1715, ao Papa Clemente XI em 1716, ou ainda ao Imperador da China em 1725. Outro exemplo foi o litígio que manteve com a Santa Sé na década de 1720, sobre a questão do cardinalato a atribuir ao núncio apostólico na capital portuguesa.

D. João V foi um grande edificador, e dotou principalmente a capital portuguesa de numerosas construções. Fomentou o estudo da história e da língua portuguesa, mas falhou em melhorar de forma significativa as condições da manufactura em Portugal; e gastou a maior parte da sua riqueza nos edifícios que construiu. Por ironia do destino, a maior parte deles desapareceria pouco depois da sua morte, no grande Terramoto de 1755. Os principais testemunhos materiais do seu tempo hoje são, em Portugal, o Palácio Nacional de Mafra, a Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, o Aqueduto das Águas Livres em Lisboa, e a principal parte da colecção do Museu Nacional dos Coches, talvez a mais importante a nível mundial, também na capital portuguesa. No campo imaterial, merece destaque a extinta Academia Real da História Portuguesa, precursora da actual Academia Portuguesa da História, e ainda a criação do Patriarcado de Lisboa, um dos três patriarcados do Ocidente da Igreja Católica.

O último feito diplomático do reinado de D. João V, o Tratado de Madrid de 1750, estabeleceu as fronteiras modernas do Brasil. Vestígios do seu tempo no Brasil são cidades como Ouro Preto, então a capital do distrito do ouro das Minas Gerais, São João del-Rei, assim nomeada em sua honra, Mariana, que recebeu o nome da rainha, São José, a que foi dada o nome do príncipe herdeiro (hoje Tiradentes), e numerosas outras cidades, igrejas e conventos da era colonial."

Notícia do El País - Sevilha recebe a exposição "A Janela de Saramago" de João Francisco Vilhena (16/01/2015)


José Saramago em Lanzarote (1998) / Fotografia de João Francisco Vilhena


"Saramago vuelve sobre sus pasos a los volcanes de Lanzarote"

"Sevilla acoge una muestra con fotografías del Premio Nobel portugués realizadas por João Francisco Vilhena" - Margot Molina (16/01/2015) 


"Llegado a este punto, una duda inquietante me asalta: ¿qué sentido tengo yo?". Quien esto se preguntaba, José Saramago, es quizá uno de los escritores que más ha cargado su obra de sentido, un sentido de la necesidad de contar las cosas tal y como son, de ser fiel reflejo de la realidad que le tocó vivir, de no esconderse, que sus lectores siempre le han agradecido. La frase, junto a otras sacadas de Cuadernos de Lanzarote (1993-1995), fortalece las instantáneas realizadas por João Francisco Vilhena que se exhiben en la muestra Lanzarote: La ventana de Saramago, inaugurada este viernes en la Casa de la Provincia de Sevilla.

"Dios, definitivamente, no existe", reza una de las frases cuidadosamente entrelazadas a las primeras instantáneas en blanco y negro de la muestra que ha inaugurado la presidenta de la Junta, Susana Díaz. Y tanto Díaz como el presidente de la Diputación, Fernando Rodríguez Villalobos, se han referido a los últimos atentados terroristas en Europa. "Estoy seguro de que Saramago no se habría callado en estos días y habría alzado la voz contra la mordaza que el fanatismo está intentando poner a la libertad de expresión", dijo el responsable de la Diputación. Mientras que Díaz se mostró convencida de que el autor de Ensayo sobre la ceguera "habría levantado la voz contra el fanatismo, porque ya en su obra está escrito que el fanatismo es una forma de ceguera".

Lanzarote, la ventana de Saramago incluye tres instantáneas en color y otras 26 en blanco y negro realizadas en 1998, con el escritor portugués como protagonista; y en 2014, cuando el fotógrafo vuelve a los mismos paisajes que recorrió el autor de La balsa de piedra tras recibir el Nobel de Literatura."

José Saramago em Lanzarote (1998) / Fotografia de João Francisco Vilhena

"Están las fotos que el Gobierno de Portugal me encargó en 1998, cuando Saramago recibió el Premio Nobel, que se mostraron entonces en el Gran Hotel de Estocolmo. Junto a esas imágenes, en las que retraté al escritor durante sus paseos por el paisaje volcánico de Lanzarote, he colgado otras tomadas en 2014 en los mismos escenarios que él tanto amaba, ahora vacíos. Está el paisaje, que recuerda a la persona que, lamentablemente, ya no está", explicó este viernes João Francisco Vilhena (Lisboa, 1965).

La periodista y viuda del escritor Pilar del Río desveló la importancia que Lanzarote ejerció en la obra de Saramago. "A partir de Ensayo sobre la ceguera (1995) cambió de estilo. Él lo explicaba con la metáfora de la estatua. Hasta que escribió El evangelio según Jesucristo (1991) había estado describiendo una estatua pero, a partir de El evangelio... le interesó más la piedra de la que esa escultura estaba hecha", recordó la presidenta de la Fundación José Saramago, con sedes en Lisboa y en la casa de Tías (Lanzarote) en la que el escritor pasó la mayor parte de sus últimos 18 años de vida.

La muestra, organizada por la Diputación de Sevilla y el Consulado de Portugal, estará abierta hasta el 1 de marzo e incluye algunos "tesoros" prestados por la Fundación Saramago como los originales del primer libro, Claraboya, y el último, Alabardas, que escribió el autor portugués. Junto a estos folios llenos de tachaduras se puede ver el paisaje de Lanzarote interpretado por otro artista: David de Almeida, en homenaje al hombre que nunca tuvo miedo a desnudar su pensamiento."