Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sábado, 5 de março de 2016

Luís Cília (Viola) e Manuel Freire (Voz) interpretam poema "Dia Não" de José Saramago

O poema pode ser ouvido, aqui via YouTube,


Dia Não
"De paisagens mentirosas
de luar e alvoradas
de perfumes e de rosas
de vertigens disfarçadas.

Que o poema se desnude
de tais roupas emprestadas
seja seco, seja rude
como pedras calcinadas

Que não fale em coração
nem de coisas delicadas
que diga não quando não
que não finja mascaradas

De vergonha se recolha
se as faces tiver molhadas
para seus gritos escolha
as orelhas mais tapadas

E quando falar de mim
em palavras amargadas
que o poema seja assim
portas e ruas fechadas

Ah! que saudades do sim
nestas quadras desoladas."

in, "Os Poemas Possíveis" - 1966

"A formação do escritor José Saramago - Um livro decisivo: Levantado do Chão" de Manuel Gusmão (Revista «O Militante» - Set./2010)

O presente artigo pode ser recuperado e consultado, através da Revista "O Militante", aqui
em http://www.omilitante.pcp.pt/pt/308/Cultura/502/A-formação-do-escritor-José-Saramago---Um-livro-decisivo-Levantado-do-Cão.htm

Capa da edição Nº 308 - Set/Out 2010

"A formação do escritor José Saramago - Um livro decisivo: Levantado do Chão"
por Manuel Gusmão

"No prefácio que escreveu para a edição de Uma família do Alentejo, de João Domingos Serra, José Saramago diz de si mesmo enquanto escritor por alturas de 1975: «Era esse o tempo em que não tendo feito até aí mais que uns quantos  poemas e umas quantas crónicas, obra limpa sem dúvida, mas mais do que modesta, tinha começado a dar voltas a uma ideia ambiciosa, nada menos imagine-se, que uma história sobre o campo e quem lá trabalha e malvive.»
Começa por pensar utilizar como lugar dos acontecimentos uma quinta onde dormira uma noite quando fora com seu tio Manuel vender os porcos a Santarém. O projecto esvai-se e ele continua a matutar num romance para o qual não tinha nem história nem personagens. Recorda que também se lembrou da Azinhaga, aldeia onde nasceu, mas a ideia também não durou, «reteve-me uma espécie de pudor que ainda hoje nem a mim próprio sou capaz  de explicar». 

«E, vai daí, estava eu neste era não era, andava lavrando, deu-se o 25 de Novembro».  O jornal de que fora sub-director foi fechado, o pessoal mandado para casa com uma indemnização à excepção dele e, nessa situação, toma duas decisões. A  primeira, de não procurar emprego e a segunda «perguntar para o Lavre se haveria por lá uma cama onde dormir e um canto para trabalhar num livro que pensava escrever». 

Essas duas decisões são efectivamente decisivas, desculpem-me o pleonasmo. Quero eu dizer que elas vão ter consequências, mesmo que não imediatamente.

Uma vez instalado em Lavre, continua Saramago, «o meu plano de trabalho era simples. Antes de mais, conhecer a vila e os seus arredores, a ribeira, a ponte em ruínas a que atribuíam uma origem romana, mas que foi construída no séc. XVI, a represa e o moinho, enfim pôr as mãos em cima das coisas como me habituei a dizer, depois descobrir aqueles que dariam conteúdo e substância ao futuro livro, na maior parte camponeses de vida revolucionária obscura. Mas com um cabedal único de experiências. Encontrei-os, falei com eles, gravei bobinas e bobinas de conversações […]. Esses homens tinham nome, rosto, rugas da idade e do contínuo esforço, as mãos como cepos, diria Raul Brandão. Chamavam-se uns, que eram do Lavre, outros de Montemor, João Besuga […], António Joaquim Cabecinha, Manuel Joaquim Pereira Abelha, Joaquim Augusto Badalinho, Silvestre António Catarro, José Francisco Curraleira, e outros, João Machado. Herculano António Redondo, Mariana Amália Besuga, Maria Saraiva, Ernesto Pinto Ângelo…».

Estamos perante uma enumeração de nomes daqueles que vamos encontrar em vários romances de José Saramago. Esse gesto narrativo – uma lista de nomes – é uma reprodução em espelho desta enumeração, ou talvez possamos dizer que esta lista aqui é que imita as listas que surgem nesses romances. Seja como for, esta lista, aqui, exibe o seu significado de uma forma clara: (a) a lista é uma homenagem àqueles de quem é dito o nome; (b) os nomes representam a multidão, que muitas vezes supomos sem nome, anónima, das personagens do livro que será Levantado do Chão; mas são também aqui, e este é um ponto importante, (c) uma espécie de co-autores do romance, como se fossem participantes do coro ou da voz coral que conta a história.

A lista termina com o nome de João Domingos Serra, o autor desse pequeno livro, que José Saramago resolve editar. No prefácio, que temos vindo a citar, o autor escreve: 

«Com o caderno debaixo do braço corri para o meu refúgio e pus-me a ler, com a ideia de ir copiando à mão as passagens mais interessantes, mas rapidamente compreendi que nem uma só daquelas palavras poderia perder-se. Não terminei a leitura. Meti uma folha de papel na máquina e comecei a trasladar, com todos os seus pontos e vírgulas, incluindo algum erro de ortografia, o escrito de João Serra. Tinha enfim livro. Anda tive de esperar três anos para que a história amadurecesse na minha cabeça, mas o Levantado do Chão começou a ser escrito nesse dia, quando contraí uma dívida que nunca poderei pagar.» (itálicos meus)

O que é que o escritor nos diz com estas palavras? Ele diz-nos do impacto ou da comoção (movimento da emoção) nele, provocada pela leitura do livro de João Serra. A ideia de que nenhuma palavra desse texto se deve perder não leva obviamente Levantado do Chão a repetir palavra a palavra o texto do camponês, mas leva este romance a guardar a memória desse outro livro, a amplificá-lo e a ecoá-lo, em suma a homenageá-lo.

Como perceber que Saramago, lendo o livro do camponês, diga «Tinha enfim livro», referindo-se a Levantado do Chão, que, entretanto, ainda demorará três anos a amadurecer? É que, no livro de João Serra, Saramago encontra uma fonte do seu livro, um testemunho que autentifica a sua narrativa, é como se o escritor erudito tornasse seu personagem-herói o narrador popular e tomasse o seu ritmo, os sentidos do seu contar.

Entre o momento em que começa a ser escrito (presumivelmente em 1976) – o que coincide com o começo da trasladação, à maquina de escrever, do texto de João Bonifácio Serra) – e a data de publicação de Levantado do Chão vão três a quatro anos, em que Saramago publica, nomeadamente, um romance (Manual de Pintura e Caligrafia, de 1977), um livro de contos (Objecto Quase, de 1978) e um texto sobre «O Ouvido», espécie de descrição da tapeçaria «La dame à la licorne», que integra uma obra colectiva, Poética dos Cinco Sentidos, de 1979. Podemos considerar todos esses textos como textos em que o autor está em processo de formação; como se no seu corpo certa tensão muscular o preparasse para um salto. Como se José Saramago ainda não soubesse exactamente para onde vai, mas tacteasse, na superfície da rocha, a passagem por onde irá passar. Estes três livros formarão, com O ano de 1993, parte fundamental das obras de formação do escritor José Saramago.

Manual de Pintura e Caligrafia é um romance que conta a história de alguém que pinta retratos e se questiona sobre esse seu ofício e medita sobre essa prática obrigada a uma relação semelhança entre o retrato e o retratado. O romance termina por uma mudança de vida e na reflexão sobre a arte, por um encontro amoroso e pela chegada do 25 de Abril.

Objecto Quase começa com um conto, «Cadeira», que conta minuciosamente a queda da cadeira que arrasta consigo Salazar.

O Ouvido procede a um entrelaçamento de dois movimentos de sentido: por um lado, uma tentativa de descrição do sons que se ouviriam numa tapeçaria que figura o ouvido, por outro, uma narrativa do trabalho que desenhou e depois teceu a tapeçaria.

Ao trabalhar sobre o ouvido, Saramago vai ao encontro ou à descoberta  daquilo que ele próprio dirá ser a auralidade da sua escrita e o seu tom conversacional.

Em Levantado do Chão, Saramago encontra decisivamente (para a sua obra a vir) o tom dialogal e de conversa da sua narração. É como se ele, o autor-narrador, não estivesse sozinho a contar, como se as suas personagens pudessem partilhar a narração entre elas e com ele. Este efeito estilístico tem na sua base um tipo de frase pela qual reconhecemos os textos de Saramago.

Repare-se no último parágrafo do primeiro capítulo:    

«Madre de tetas grossas para grandes e ávidas bocas, matriz, terra dividida do maior para o grande, ou mais de gosto ajuntada do grande para o maior, por compra dizemos ou aliança, ou de roubo esperto, ou crime estreme, herança dos avós e meu bom pai, em glória estejam. Levou séculos para chegar a isto, quem duvidará de que assim vai ficar até à consumação dos séculos?

E esta outra gente quem é, solta e miúda, que veio com a terra, embora não registada na escritura, Almas mortas, ou ainda vivas? A sabedoria de Deus, amados filhos é infinita: aí está a terra e quem a há-de trabalhar, crescei e multiplicai-vos. Crescei e multiplicai-me, diz o latifúndio. Mas tudo isto pode ser contado doutra maneira.» 

Em casos extremos, essa frase é formada por vários segmentos dos quais varia o emissor. Aqui, em relação ao segundo parágrafo transcrito, formado por várias frases, podemos dizer que é a voz do narrador que começa por expor uma interrogação, uma dúvida e uma suspeita – quem é?/almas mortas, ou ainda vivas?/embora não registada na escritura. A seguir, o narrador como que se retrai e quem fala é um intermediário de Deus, um padre ou a própria instituição. A Igreja – A sabedoria de Deus, amados filhos, é infinita: aí está a terra e quem a há-de trabalhar, crescei e multiplicai-vos – que é em parte corrigida pelo latifúndio, cuja palavra o narrador regista – Crescei e multiplicai-me, diz o latifúndio – Até que o narrador retoma a palavra naquilo que percebemos ser a promessa  de um contar alternativo à escritura que não fala daquelas gentes que parece terem vindo com a terra. O facto de ser dada a palavra à Igreja e ao Latifúndio e o modo como a usam constituem uma operação retórica que ironiza sobre esses «falantes» e lhes opõe um dizer diferente. Levantado do Chão será uma história do latifúndio, alternativa à que o latifúndio de si conta e para si deseja. Podemos pois dizer que o texto de Saramago, Levantado do Chão, é um texto de ficção que preenche uma lacuna da historiografia oficial ou da história contada pelos vencedores, pela classe dominante.

Podemos ainda dizer que Levantado do Chão é, simultaneamente, o último livro do período de formação do escritor José Saramago e o primeiro livro da sua maturidade.

Para esta sua dupla condição contribuem as características que já apontei e que recapitulo agora:

(1) A história contada nos seus romances aparece sempre como o preenchimento de uma lacuna num texto que tem funções de autoridade.

O Memorial do Convento conta a história da construção do Convento de Mafra, mas tal como em Levantado do Chão os protagonistas dessa construção são os trabalhadores braçais que não são nomeados pela escritura, ou seja, pela historiografia oficial. Uma confirmação disto pode ser fornecida pelo facto de andar também por Mafra uma personagem Mau-Tempo (Julião). As regras e as convenções de verosimilhança, o próprio contrato de leitura negociado entre o leitor e o texto indicam que este é um antepassado da família Mau-Tempo de Levantado do Chão. Eis uma parte da sua apresentação aos seus companheiros que transportam a pedra: O meu nome é Julião Mau-Tempo, sou natural do Alentejo e vim trabalhar para Mafra por causa das grandes fomes de que padece a minha província. […] Este pequeno jogo que consiste em trazer para um romance posterior e uma distância de dois séculos antes uma personagem de um operário, é coincidente ou solidário com a estratégia de contar de outra maneira. Neste caso concreto, num romance que começa com o problema da sucessão dinástica, este aparecimento de Julião Mau-Tempo indica ao leitor que os trabalhadores, mesmo os mais humildes também têm antepassados, também vêm numa linhagem mesmo que silenciada e ignorada.

(2) Memorial do Convento e O Ano da Morte de Ricardo Reis, que é anunciado como o próximo romance, nas primeiras edições de Objecto Quase e Levantado do Chão, trabalham com o mesmo tipo de frase, que permite meter, no interior de uma frase ou de um parágrafo, um diálogo ou um conflito verbal.

Esta transformação da pontuação visa um efeito não apenas de diálogo, mas dialéctico ou dialógico. Uma vírgula seguida de uma palavra com letra inicial em maiúscula indica geralmente que se mudou de fonte da fala no interior de uma frase. No caso dos parágrafos, como vimos acima, são os próprios segmentos frásicos que produzem esse efeito.

Esta é a maneira como Saramago nos mostra a socialidade ou o carácter radicalmente social da linguagem humana.

(3) Os dois traços anteriores convergem com um terceiro também já enunciado acima que é a apresentação por vezes de listas de nomes dispostos por ordem alfabética, que se destinam a retirar do anonimato esses nomes e ao mesmo tempo sublinham nessa ordem o seu carácter artificial e residual, porque os nomes dos construtores são inúmeros.

Em Memorial do Convento, para além dos (7) nomes daqueles (sete) que num momento de descanso se apresentam uns aos outros – O meu nome é Francisco Marques, nasci em Cheleiros […], O meu nome é José Pequeno […]; Chamo-me Joaquim da Rocha, nasci no termo de Pombal […]; O meu nome é Manuel Milho, venho dos campos de Santarém […];  O meu nome é João Anes, vim do Porto […]; o meu nome é Julião Mau-Tempo, sou natural do Alentejo […]; o meu nome é Baltasar Mateus, todos me conhecem por Sete-Sóis […] – há ainda mais duas listas: 

Vão outros Josés, e Franciscos, e Manuéis, serão menos os Baltasares, e haverá Joões, Álvaros, Antónios e Joaquins, e Pedros, e talvez Bartolomeus, mas nenhum o tal, e Vicentes, e Bentos, Bernardos e Caetanos, tudo quanto é nome de homem, vai aqui, tudo quanto é vida também, sobretudo se atribulada, principalmente se miserável, já que não podemos falar-lhes das vidas, por tantas serem, ao menos deixemos os nomes escritos, é essa a nossa obrigação, só para isso escrevemos, torná-los imortais, pois aí ficam, se de nós depende. Alcino, Brás, Cristóvão, Daniel, Egas, Firmino, Geraldo, Horácio, Isidro, Juvino, Luís, Marcelino, Nicanor, Onofre, Paulo; Quitério, Rufino, Sebastião, Tadeu, Ubaldo, Valério, Xavier, Zacarias, uma letra por cada um, para ficarem todos representados.

A lista que apresenta os nomes próprios na forma do plural é uma amostra e dá, por esse plural aplicado a um nome, uma ideia da quantidade de homens arrolados.

Depois e na sequência daquela vem então uma outra lista que apresenta um nome por cada letra do alfabeto. O carácter arbitrário do alfabeto dá a esta lista por ordem alfabética a possibilidade de representar todos os homens portadores de nomes com aquelas letras iniciais. Inscritos num livro que lhes vai sobreviver, ficam assim imortalizados. E poderíamos dizer que em momentos como este a ficção cumpre uma função alternativa à da historiografia oficial, com a sua glorificação dos reis e dos generais, em suma, dos mais poderosos.

A formação do escritor José Saramago está quase completa e ele entrou decididamente na sua maturidade de autor. Mas talvez possamos ir um pouco mais longe. Sabendo nós que o tempo e designadamente o tempo histórico não é linear talvez se possa compreender que eu sugira que há um livro ainda importante para esta formação que se vai sobretudo traduzir em romances. Esse livro, que é publicado em 1981, entre Levantado do Chão (1980) e Memorial do Convento (1982), chama-se Viagem a Portugal.

Este livro de viagens na sua terra ajuda a estabelecer a ponte entre os dois romances e mostra como a escrita de José Saramago representa na ficção uma história do povo trabalhador português, uma história denegada e recalcada, uma histórica que, entretanto, atesta a sua caminhada persistente até à sua emancipação."
Manuel Gusmão

Escritores sobre Saramago - «Avante!» Nº 1300 - 29/10/1998

O artigo pode ser recuperado e consultado, aqui via arquivo histórico do jornal "Avante"
em http://www.avante.pt/arquivo/1300/0003h6.html

«Avante!» Nº 1300 - 29/10/1998

Escritores sobre Saramago

"A festa do Nobel está para durar, como se escreveu em editorial no «Avante!», logo que foi conhecida a atribuição do Prémio a José Saramago. Não se esgota nos momentos de alegria que saudaram a distinção, pela Academia Sueca, ao escritor português, nem nas cerimónias de alto nível celebradas ou a celebrar.
As numerosas iniciativas que, por todo o País, têm lugar e que mostram a Saramago o apreço pela sua escrita e pela sua postura de cidadão e a congratulação pelo Nobel, aí estão a prolongar a festa nos tempos. A essas iniciativas se associa também o nosso jornal, publicando hoje depoimentos de alguns escritores, seus pares na escrita e nos ideais."

"Lendo José Saramago" - Manuel Gusmão

A obra romanesca de José Saramago fala uma linguagem coral e une um desejo de ficção a um desejo de história.
A coralidade da sua escrita vem do modo como combina maneiras, construções e ritmos da tradição literária, com a coloquialidade mais comum; com o uso irónico, a transformação e a invenção de provérbios. Vem do modo como, na sua prosa, uma só frase é já um diálogo, ou um fragmento de diálogo, onde cabem o acordo e o desacordo.
O desejo de história em Portugal e na viragem dos finais de 70 para o início da década de 80 (período em que a sua obra se relança), é de alguma forma motivado pelo modo como o 25 de Abril de 1974, o fluxo revolucionário que transforma essa data num processo e o início da contra-revolução mostram de forma indelével, na própria memória biográfica de muitos de nós, seus leitores, o carácter histórico da vida das sociedades e dos indivíduos humanos. De um ponto de vista internacional, uma das razões para o interesse pela ficção de Saramago está talvez nesta importância da historicidade, em tempos ditos de «fim da história». O desejo de ficção, por outro lado, tem a ver com a maneira como as sociedades humanas longamente encontram nas narrativas e no contar de histórias (orais ou escritas) não só modos de dar sentido às suas maneiras de viver, mas modos de imaginar outros mundos e vida possíveis. A unidade entre estes dois desejos é praticada na ficção de José Saramago através de ideias de partida, ou de «programas» narrativos de base, muito fortes, e que se processam depois de forma surpreendente. A sua ficção alia, então, a imaginação criadora (que não se limita a combinar dados da experiência quotidiana, mas inventa novas formas de experiência) à aguda compreensão de que a história é o que vivemos e fazemos e não apenas o que aconteceu no passado; a compreensão de que também o presente é histórico e de que a história é ainda o terreno da escuta e do desejo de um futuro outro. Deste ponto de vista, os romances de José Saramago podem talvez distribuir-se por dois grandes «tipos», aliás aparentados.
(a) Um primeiro «tipo» de romance é o daqueles que, a partir de um dado presente, encenam um passado mais ou menos próximo ou distante. Levantado do Chão, Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis e o Evangelho segundo Jesus Cristo constroem versões ficcionais novas de um passado já antes contado. Tais versões imaginam, então, uma lacuna nas «escrituras» dominantes desses passados e impõem uma torção ou rotação do ponto de vista, para os contar de outra maneira. Nos dois primeiros livros, é sobretudo a história dos senhores que é subvertida, pela ficção que dá agora voz aos humilhados e ofendidos (aos trabalhadores rurais do Alentejo e aos construtores de Mafra), que do chão se levantam. Em O Ano da Morte de Ricardo Reis, partindo do que é já uma ficção, a dos heterónimos de Pessoa, Saramago reconstitui e inventa um tempo de opressão, marcado pelo fascismo em Portugal, pela guerra civil de Espanha, e pela presença obsessiva e intermitente dos barcos da revolta dos marinheiros em 1936 (sinal de uma outra história, clandestina e recalcada). A ficção do Evangelho, que arranca a partir da temporalização de uma gravura, constrói uma re-humanização do humano de Cristo, feita de fragilidade e força terrestres. História do Cerco de Lisboa é um romance que exibe, numa nova configuração, algumas das principais estratégias narrativas deste tipo de ficções: temos agora dois tempos, historicamente afastados, que se encontram; um não que se impõe à historiografia, deforma a imagem de um passado, e acarreta consequências na «vida» da personagem que tal comete. Um revisor passa a escritor e encontra o outro do amor.

4º Aniversário da Fundação José Saramago - Leitura por Manuel Gusmão

(b) O outro «tipo» de romance é o daqueles que constituem alegorias e meditações narrativas sobre um presente histórico, mais ou menos longo, imaginado de forma mais ou menos fantástica ou maravilhosa (no sentido em que falamos do maravilhoso cristão e pagão nos Lusíadas). Manual de Pintura e Caligrafia abre nesta direcção, sendo basicamente uma reflexão sobre questões de uma estética da representação; uma reflexão cuja narrativa vem a integrar o acontecer do 25 de Abril. A separação e navegação da Península Ibérica em A Jangada de Pedra é, em parte, a alegoria de uma resistência cultural à integração capitalista europeia, e inventa a consequência fabular e fabulosa de um não imposto ao discurso político-ideológico dominante. Neste sentido, O Ensaio Sobre a Cegueira, um dos livros onde a malha narrativa é mais apertada, um romance que até no título indicia a sua condição de narrativa que reflecte, pode ser lido como a alegoria de um mundo, nosso contemporâneo, marcado por uma imensa cegueira ética, pela ameaça de uma nova forma de barbárie que desumaniza o humano, mas também pela acção tenaz de uma fraternidade compassiva e sobrevivente. Em Todos os Nomes, embora a história contada cubra escassas semanas, estamos de novo perante um presente largo, e podemos, então, ler o modo como, num universo quase totalmente burocratizado (em que uma Conservatória Geral se parece com um Cemitério Geral), se abrem falhas ou rasgões por onde passam o sonho, a compaixão e a esperança de pessoas comuns.
Os romances de Saramago que assim viajam no tempo, habitando e inquirindo os nossos tempos, cruza os gestos de um resgate da memória, do presente e do futuro dos explorados e oprimidos, com a insistência de um pessimismo activo que não consente a resignação, antes dá testemunho do carácter indomável da esperança. Uma esperança que não aceita a desigualdade que desfigura a comum humanidade dos humanos, e que se eleva à dimensão de uma construção antropológica e ética, ou seja, também política; no sentido em que a política pode ser o longo trabalho da emancipação."

"Eu, é porque sim" - Alice Vieira

"Neste momento, não sei que poderei dizer eu sobre José Saramago.
Neste momento, já toda a gente disse tudo sobre José Saramago.
Neste momento, já todos se confessaram seus amigos do peito desde o tempo da Azinhaga, seus admiradores incondicionais desde que a «Terra do Pecado» se chamava «AViúva», seus apoiantes para a atribuição do Nobel desde a publicação dos «Poemas Possíveis». Só me admira como ainda não apareceu nenhum antigo chefe das oficinas do Hospital de S. José a recordar como, logo naquela altura, tinha adivinhado para aquele ribatejano esgalgado um promissor futuro no campo da literatura.
Por isso eu não sei o que hei-de dizer sobre o José Saramago. Ainda por cima não sou crítica literária e, nestas aflições, só posso chamar em meu socorro a velha quadra do Augusto Gil: «Não há belo, quanto a mim/nem para gostar há razão:/só se gosta, porque sim;/não se gosta, porque não.»
Eu, evidentemente, é porque sim.

Escritora Alice Vieira

Então o que hei-de eu dizer sobre o José Saramago, sem me deixar cair na estultícia das frases tipo bico-dos-pés, «foi a mim que ele disse que», «era eu que estava com ele quando», «é meu amigo desde que», doença também conhecida pela síndrome do «eu-é-que-sou-o-presidente-da-junta-de-freguesia»?
Posso dizer, por exemplo, que há trinta anos, a minha amiga Isabel Jones, depois de comigo ter partilhado a leitura dos «Poemas Possíveis», me confidenciou «saber que Saramago não é o nome dele? Sabes que era alcunha? Mas promete que não dizes nada!» - e eu cumpri a promessa até hoje. (Se o segredo se descobriu, juro que não fui eu, Isabel!)
Posso dizer, por exemplo, que todos os cães que não tive se chamaram Constante.
Posso dizer, por exemplo, que de vez em quando, em jejum, experimento olhar através dos corpos das pessoas e às vezes - acreditem - Blimunda vela por mim.
Posso dizer, por exemplo, que ainda hoje subo a Rua do Alecrim à procura do médico Ricardo Reis, desembarcado há pouco, e de Marcenda com o seu braço paralisado, e de Lídia que não tardará em sair daquilo que resta do Hotel Bragança, com as ruas velhas de Lisboa anoitecendo sob a neblina que vem do rio, e as pessoas, do lado de lá dos vidros, alumiando-se à tristeza de 25 volts. Posso dizer, por exemplo, que com «Todos os Nomes» redescobri a alegria de despachar o trabalho para poder vir depressa para casa, e continuar a sua leitura, para chegar ao fim e saber o que tinha acontecido à mulher do verbete apanhado por engano.
Posso dizer, por exemplo, que muito recentemente curei uma gripe com o «Ensaio sobre a Cegueira», tal como na minha infância me lembro de as ter curado com «AIlha do Tesouro», o «Ivanhoe» e «ATulipa Negra» (acreditem: este é o maior elogio que um Prémio Nobel pode receber!).
Mas posso também falar daquele (perdoável) orgulho de sentir que este Prémio entrou em nossa casa, e nos redimiu de tantos anos de indignidade, de tantas portas fechadas a cadeado, de tantas vidas sacrificadas, de tantas injustiças cometidas, de tantos sonhos adiados.
Ou, como desde o dia 8 deste mês a minha tia Clara não se cansa de repetir para o vizinho de cima: «Desculpe lá, senhor Coronel, mas desta vez ganhámos nós!»"

"Finalmente!" - Mário de Carvalho

"Desta vez o Nobel foi atribuído a um grande escritor, dos que marcam o nosso século. Nem sempre aconteceu, e parece não ter acontecido nos últimos anos. Talvez a atribuição deste Nobel a Saramago não reabilite o prémio de todas as malparanças por onde tem andado, uma das quais tem sido uma estranhíssima ignorância da literatura portuguesa. Mas é um passo no sentido do prestígio de um Nobel que nem sempre tem sabido prestigiar-se.
Li em qualquer lado que um crítico da revista «Time» confessava nunca ter ouvido o nome de Saramago em lado nenhum. Não me admirava que fosse o mesmo crítico que considerou a menção de Fernando Pessoa por Harold Bloom como uma «minudência académica». A revista americana anda muito mal munida de críticos e bem precisada de substituições. É este tipo de pimpona ignorância que transforma os Estados Unidos numa desmedida paróquia, contentinha e fechada às luzes. Não sou grande especialista, mas não me parece que a literatura americana dos últimos anos tenha beneficiado com o autismo. A crer, pelo menos, pelo que se vai folheando nas livrarias.

Escritor Mário de Carvalho

A altura, naturalmente, é de regozijo e dispensa os pelourinhos para os detractores da escrita de Saramago. Não os mereceriam, seguramente os que fundassem os ataques em sinceras razões de escolha literária. Devo confessar que (aparte os «Cadernos de Lanzarote») não consigo evocar um único caso. Sem dúvida, pode referir-se um livro a outro, depreciar este ou aquele, no todo ou em parte. Questão de gosto. Mas a rejeição global do autor tem vindo ou de gente despeitada, que gostaria que o país fosse feito à rasteira medida dela, ou de adversários políticos incapazes de discernir para além dum mesquinho sectarismo, ou de quem não gosta da pessoa e considera que a sua antipatia é um argumento.
Como dizia o Eça, «tenhamos a caridade de não aprofundar…».
O que interessa é que, enfim, um dos grandes escritores portugueses deste século teve consagração internacional, e que essa consagração aconteceu na área da cultura: no que há de mais profundo, de mais permanente, de mais identitário em nós."

"José" - José Manuel Mendes

"1 Recordo esse dia já longínquo em que Fernando Namora me deu a ler o recém-publicado Deste Mundo e do Outro. «Aí tem um livro assombroso», disse. «Diferente de tudo o que por cá se tem escrito.» Quem regressar às páginas de Jornal sem Data perceberá porquê. E recordo a surpresa, o sobressalto, o fascínio. Uma emoção que, nos quase trinta anos volvidos, se repetiu e renovou. Recordo a carta que, de pronto, remeti ao autor. E o nosso sequente encontro, numa Lisboa revoada pela melancolia do Outono. Começou aí, nas margens do seu primeiro título de crónicas, uma amizade por ambos celebrada sempre na singularidade de que é feita, à revelia de interditos e condicionalismos de qualquer ordem.
Recordo. Na serena euforia deste momento esperado. Porque havia uma voz secreta, posterior a todas as decepções e tibiezas, predicando-o. Sabia que o Nobel para o José Saramago não era uma ambição sem raiz. Ao contrário de muita especulação posta a correr, muita tagarelice, um nome português, o dele, há anos pesava na mesa da Academia Sueca. Porque, no contexto das literaturas do nosso tempo, emergia entre os maiores. Tão-só isso. E tanto era. Era tudo, afinal.

4º Aniversário da Fundação José Saramago - Leitura por José Manuel Mendes

2 Certa vez, na Festa do «Avante!», nos arredores da publicação do Memorial do Convento. Era já imensa a fila diante do José. As pessoas chegavam junto da mesa, íntimas de Blimunda e Baltazar Sete-Sóis, falavam da Passarola, do transporte da pedra até Mafra, de outros lances que não esquecem, falavam e falavam de uma nova gramática, nova semântica, um ritmo e um arrebatamento sem igual, pediam a dedicatória e saudavam o homem, o ficcionista, abraçavam-no amiúde, nós víamos, fazíamo-nos cúmplices de uma convivência longe do usual, e eu entendi o que sucessivas jornadas confirmariam - essa afectividade rara a cuja luz se regem as relações entre o escritor e os seus leitores. Como estranhar, então, a euforia colectiva que acolheu o seu triunfo, não só em Portugal? A emoção de quantos estiveram nos Paços do Concelho, em Lisboa, na sede do PCP ou na vigília promovida pela CGTP, no Centro Cultural de Belém, na Câmara Municipal do Porto, aqui e ali, milhares e milhares nos espaços de uma pertença, uma partilha, que talvez nenhuma palavra exprima? A poesia na rua, para lembrar a propósito Vieira da Silva, que as horas foram e são da estirpe do irrepetível? Não estou seguro de que valha a pena sublinhar a invulgaridade de uma expressão de júbilo assim.

3 José Saramago tem escrito, quando o disse eu pela primeira vez?, os livros do nosso desassossego. Sem que por tal se entenda qualquer vínculo a uma arte do imediato, cingida a concepções edificantes ou tentações normativistas. Bem pelo contrário! Desassossego como questionamento, implicação, o oposto da acídia tão em voga nestes tempos do pensar débil. Desassossego como instância que convoca, perturba, desafia. Na consequência, portanto, de uma visão do mundo que se não furta a enfrentar a complexidade do real, o logro, a incomodidade e o horror, que transfunde o cepticismo numa esperança sem retóricas e a energia crítica num apelo metamórfico.
Obras como Levantado do Chão ou Todos os Nomes, O Ano da Morte de Ricardo Reis ou Ensaio Sobre a Cegueira, Cadernos de Lanzarote (em diversas passagens), na sua densa e polifónica composição, formulam interrogações decisivas, enunciam o contraditório, o finível, o que pede uma nova polis depois das disforias, e também o enlevo, a rejubilação, os instantes de esplendor, a perplexidade, o drama subjectivo ou comunitário. Alegorizam o presente enquanto afeiçoam o tempo demudado, utopia do avesso talvez, quero eu significar - um discurso em busca do seu oposto, linguagem e vida, interagindo, humanizando os dias desolados. Que tem isto a ver com as estéticas da reivindicação ou da indiferença? E eis-nos perante uma das mais radicais, mais argutas construções da insubmissão. Mesmo na aporia, na sugestão ou na evidência dela.
Onde, portanto, a surpesa, onde, no apego do José às suas convicções de sempre, contra ventos e marés, sobretudo quando parece fora do pacto das conveniências a sua defesa com coragem e lucidez? Quantos, em todo o caso, teriam o desassombro de afirmar, bastante antes da atribuição do Prémio Nobel, que por ele não abandonariam nunca os ideais de todo um percurso de aspirações e temeridades?
Por isso, José Saramago é e será o desinverno do nosso contentamento. Esta praça em clamor, este brilho da História a acontecer."

in, «Avante!» Nº 1300 - 29.Outubro.1998 

"Se podes ler, lê. Se leste, reflecte" - Ana Saramago Matos (24/06/2010)

"Se podes ler, lê. Se leste, reflecte" 
Ana Saramago Matos
24 de Junho de 2010

O texto pode ser consultado, aqui
em http://www.publico.pt/temas/jornal/ana-saramago-matos-netase-podes-ler-le--se-leste-reflecte-19696462

"Não creio que o mais importante seja, neste contexto, falar da minha vida familiar e pessoal com o meu avô, igual a tantas outras relações avô e neta desde que o mundo é mundo. Os avôs representam essa coisa maravilhosa que é a sabedoria. Tive a sorte de ter tido um avô sábio que, nas entrelinhas dos nossos encontros, me ia ensinando e transmitindo os seus valores, as suas preocupações, as suas convicções. A lê-lo e a escutá-lo, aprendi o que é a disciplina e o trabalho. Como ele me disse há muitos anos, a propósito do ofício de ser escritor, 90% é trabalho e 10% é inspiração. Aprendi o que é a dedicação às causas, Palestina, Chiapas, Timor, Sara Ocidental, entre tantas, e, no fundo, uma única: a defesa dos Direitos Humanos. Aprendi o que é o espírito de missão com este avô que, sem qualquer queixume ou sacrifício, percorreu a imensidão do mundo para falar e comunicar com milhares de pessoas de todas as idades, raças, religiões, com o compromisso de dar o seu contributo para que o mundo fosse um lugar melhor. E deu esse contributo com a palavra: a sua "arma", a sua força! Sempre a palavra, o respeito por ela, com a consciência profunda de que há que usar a palavra certa em cada momento.

Dizia que cada um de nós tem o seu metro quadrado e que apenas precisamos de o regar diariamente, escavando, a cada dia, um pouco mais fundo. Para bem de todos nós, o seu metro quadrado é (e digo "é" porque ele persiste gigante, planetário, solar) toda a atmosfera: são os seus livros, textos, conferências, discursos, apresentações, entrevistas. No fundo, é a sua palavra escrita que se manterá enquanto existirmos, nós, os seus leitores. Já não o escutaremos. Contudo, se fecharmos os olhos enquanto lemos e relemos as suas páginas, certamente que o sentiremos a sussurrar aos nossos ouvidos.

Recentemente, estava eu na Fundação com a Rita Pais e o Sérgio Letria e perguntou se estávamos felizes. Assim do nada (pensávamos nós...), faz-nos esta pergunta mas quase como se estivesse a afirmar: estejam felizes. Ficámos os três sem resposta, o que, aliás, era recorrente nas imensas perguntas que ele nos deixou. Talvez agora lhe possa responder: sim, felizes por o havermos conhecido, por termos existido no seu tempo, por termos convivido com ele. E a essa felicidade acrescenta-se a enorme responsabilidade de o ler, de escutar a sua Blimunda que anda pelo mundo a recolher as vontades, de cuidar do nosso metro quadrado, de pensar, de pensar muito. Parafraseando uma das suas mais conhecidas epígrafes, Se podes ler, lê. Se leste, reflecte. É isso que iremos fazer.

Como tantas vezes foi dito e tão recentemente em voz bem alta: Obrigada, Saramago. E como na génese da palavra "obrigado" está o compromisso de retribuir aquilo que nos foi dado, a ti, Saramago, vamos ler-te sempre, em agradecimento por fazeres de todos nós pessoas melhores. E para podermos, como tu também disseste, contar os dias pelos dedos e encontrar a mão cheia."
Lisboa, 24 de Junho de 2010

"Memorial do Convento" - Teatro da Trindade (26/06/1999)


"Memorial do Convento" - Teatro da Trindade (26/06/1999)
3.º Balcão - 1.000$00