Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sábado, 13 de agosto de 2016

"30 anos a rever as palavras de Saramago" - Rita Pais, revisora da obra de José Saramago

Muito mais que revisora das obras de José Saramago.
Com este propósito recolho algumas palavras que constam na obra de João Céu e Silva - "Uma longa viagem com José Saramago" (2009, Porto Editora), e que complementam ou introduzem a entrevista que recupero.

"E por falar deste assunto de gralhas e revisões chegou o dia combinado em que se foi à sede da Fundação José Saramago para escutar de viva voz o relato da colaboração entre o escritor e a pessoa que tratou de quase toda a sua obra - e que aguarda pelo próximo livro para preparar o original antes da impressão. Chama-se Rita Pais (n. 1952) e acha que teve sorte ao caber-lhe esta tarefa numa altura em que terminara a faculdade e conseguiu emprego na Editorial Caminho, onde José Saramago tinha entregado a peça A Noite para publicar. Depois de uma passagem breve por vários sectores da empresa, acompanhou de uma forma incipiente — «ele também estava a começar, apesar de ser um autor já conhecido mas ainda sem a projecção que viria a ter» — essa edição, o primeiro trabalho com que teve contacto. Depois, veio o romance Levantado do Chão mas como nesse ano estava também a dar aulas já só teve contacto com a obra numa fase de quase publicação. Depois desse romance, recorda, «não me lembro de ter ficado por passar os olhos por nenhum». Quando se lhe pergunta se José Saramago aceitava bem as suas sugestões, a resposta é que sim e «muito bem. É óbvio que as sugestões que eu lhe poderia fazer nunca seriam de fundo mas acontece com qual-quer autor ter uma repetição, haver um facto que foi já mais ou menos falado ou aflorado, uma personagem que tem o nome trocado» mas, ressalva, «quanto a erros de ortografia nem pensar, ele não dá», nem se lembra de ter encontrado um erro: «às vezes há algumas pequenas divergências porque, por exemplo, ele usa por sistema a forma arrepiar, que é perfeitamente legítima, e os leitores comentavam esse facto mas, digamos, é uma particularidade de escrita que o autor tem»." 
(Páginas 166 e 167)

"Rita Pais lembra-se de muitas histórias de uma relação em que começou jovem a rever os textos de José Saramago e na qual ainda, mesmo já não estando na Editorial Caminho, é a responsável pela preparação dos seus originais. Pelo meio destas três décadas existem muitas datas que a marcaram mas há uma que nunca esquece, a do anúncio do Prémio Nobel. Como já tinha estado quase tantas vezes perto de o ganhar «já nem ligávamos mas naquele dia estava na Caminho, tinha o rádio ligado, e lembro-me bem de quando se ouviu a notícia. Não sei explicar o que senti, ficámos paralisados por uns momentos e depois foi uma explosão dentro de nós. A seguir, os telefones não paravam, eram os jornais, as rádios, as televisões, do estrangeiro, até parecia que pela primeira vez na vida havia José Saramago! Pensei: E agora? Como é que vai ser isto com um Nobel? Agora vai ser muito mais complicado... Mas não, era a mesma a tranquilidade, a mesma disponibilidade, a mesma generosidade, nenhuma alteração». Quanto a livros preferidos, Rita Pais começa por destacar uma das suas epígrafes — «Se podes olhar vê, se podes ver repara» — só depois escolhe O Evangelho Segundo Jesus Cristo porque «é uma pintura, que não tem nada a ver com o religioso. É um livro que ultrapassa qualquer visão dos dogmas do cristianismo, dos evangelhos apócrifos. Não vou dizer que é o livro mais bem escrito, que é aquele em que as qualidades literárias mais sobressaem mas leio-o como se estivesse a descodificar um quadro e foi sempre aquele que mais me comoveu em termos de generosidade, de humanidade e quase de decifração do que é o ser humano»."
Página 172 

A obra mencionada de João Céu e Silva, e que aconselho vivamente a sua leitura, remete para as páginas 166 a 172, preciosos dados e momentos vividos ao longo dos tempos entre José Saramago e Rita Pais.





A presente entrevista é recuperada e pode ser consultada, em duas partes, aqui

"30 anos a rever as palavras de Saramago"
16 de novembro de 2012

Rita Pais foi a revisora dos livros de José Saramago durante cerca de 30 anos, na Editorial Caminho. Desde há cinco anos integra a equipa da Fundação José Saramago, após o convite que lhe foi estendido por José Saramago e Pilar del Río. As suas funções na instituição são diversas, mas trabalha principalmente no serviço educativo, que começou a funcionar neste outono. Também faz ocasionalmente algumas visitas acompanhadas e constata que o que os visitantes da fundação procuram é «algo físico, algo que represente o autor». «Quando digo às pessoas que já tenho 30 anos de trabalho com Saramago, olham para mim como se fosse um dinossauro [risos]. Desperta um interesse e uma curiosidade normais. Quando veem a Pilar, é ainda outra reação, mas quando as pessoas me veem, nota-se que há uma necessidade do tato, das histórias, até para entender melhor o escritor, que não era uma figura de ficção, era uma pessoa normal.» E é nessa acentuação do lado humano de uma pessoa que se desmistifica o autor.

O contacto com o público é uma novidade para Rita Pais, mas é algo que a satisfaz. «É muito gratificante para todos nós. Que eu tenha dado conta, ninguém tem saído triste ou dececionado da fundação. Há sempre muitos sorrisos, muitas lágrimas, muita emoção», afirma. Conta-nos que Saramago mantinha uma relação muito bonita com os seus leitores. «Aquela afabilidade, aquela palavra certa para cada um foi uma das coisas que me marcaram. Um dos atos poéticos a que assisti anos a fio foi de facto esse contacto com o público. Horas e horas em que aquela palavra amável, simpática, não parava», recorda.

Sente falta de ser revisora? Responde afirmativamente. «Ainda hoje recorro muito frequentemente ao dicionário em papel.» E vê como um privilégio o contacto que teve com alguns autores portugueses de várias gerações e as suas respetivas obras, que lhe passaram pelas mãos. «A Caminho tinha um catálogo de autores de eleição, e tive oportunidade, através do meu trabalho, de conhecer a literatura africana, por exemplo. Foi uma aprendizagem inestimável.»

Mas mudar de trabalho, ainda que para a fundação, não foi fácil. «Foi uma mudança difícil. Não é fácil mudar após 30 anos», confessa, sobre a saída da Caminho e o início do seu trabalho na fundação. «Para nós isto não é um emprego vulgar, é uma causa de amor.»

E trabalhar na instituição foi uma forma de manter a ligação ao autor e à sua obra, que tão bem conhece. «Foi uma forma de continuar ligada a José Saramago. A editora foi vendida, e eu ia começar do zero. Foi nessa altura que a Fundação José Saramago foi criada e, por um conjunto de coincidências, surgiu o convite. “Quero que venhas trabalhar para a Fundação Saramago”, disse-me ele. “Tens 20 minutos para pensar, e depois eu passo cá”», conta entre risos. «Fiquei emocionada. Disse sim, de imediato, mesmo sem saber o que era uma fundação.»

«Os revisores são como os guarda-redes»

Ficou bastante surpreendida ao ver o seu nome no texto de História do Cerco de Lisboa. «Isso foi uma surpresa. Nessa altura Saramago ainda estava em Portugal e às vezes passava pela editora. Um dia disse que tinha uma ideia para um livro novo que envolvia editores. Algum tempo mais tarde, quando já tinha uma estrutura, disse-lhe: “Ó José, francamente, toda a gente fala dos editores, mas ninguém menciona os desgraçados dos revisores, que aturamos tantas coisas. [Os revisores] são como os guarda-redes, ninguém fala deles, só quando deixam entrar golos.” Ele ficou um pouco pensativo e, passado algum tempo, disse que tinha mudado um pouco o curso da história.»

«Depois veio o original, eu comecei a ler e fiquei deslumbrada, não só porque lá estava um revisor, mas não fazia ideia de que iria incluir o meu nome», declara. «Na última fase do livro, faltava um caderno, que não me chegava às mãos. O editor, o senhor Coelho, dizia-me para não me preocupar com isso. Quando finalmente o livro saiu, Saramago apareceu com um exemplar na editora e disse-me para abrir o livro em determinada página e ler. Comecei a ler em voz alta e li o meu nome. Continuei a ler, mas parei depois quando me dei conta de que o meu nome lá estava. Só me lembro de ter largado o livro, de me ter levantado e de lhe ter dado um abraço. E ele era tão alto, e eu, tão baixinha… Dei-lhe um abraço daqueles que não se esquecem a vida inteira. Não sei se muitos autores teriam feito o que ele fez, lembrarem-se de uma revisora. Quando o livro saiu, creio que ele mencionou essa homenagem, e eu sinto-me privilegiada por o ter conhecido. Por ter tido essa dádiva de conviver com um autor dessa craveira. Foi uma atitude tão generosa, tão altruísta.»

«Já tive perdas de familiares, mas, a seguir ao meu pai, [o falecimento de José Saramago] foi a perda que mais senti. Fica uma grande saudade. Foi uma pessoa que ocupou um papel muito importante na minha vida, com quem aprendi muito sobre literatura.»

Leia aqui a segunda parte.

"30 anos a rever as palavras de Saramago – parte II"
16 de novembro de 2012

O primeiro contacto com Saramago

«Lembro-me perfeitamente da primeira vez que o conheci. Estava no gabinete do diretor editorial, e ele disse-me que ia chegar um livro novo. De repente, disse: “Aí está o autor.” Levantei-me, e Saramago, com toda a naturalidade do mundo, disse: “Ah, esta é que é a Rita?”»

Começou a rever as obras de Saramago estava há pouco tempo na Editorial Caminho. «Entrei na empresa em 1976 e cerca de um ano e meio depois, em 1978, entrou Saramago. Os primeiros contactos foram feitos pelo editor, claro, mas percebi a certa altura que ele e outros autores começaram a ter confiança em mim, entrei com facilidade na escrita dele, e talvez por isso nos tenhamos aproximado. Criou-se uma empatia entre os dois.» Houve discordâncias? «Não eram propriamente discordâncias. Havia momentos em que propunha alterações. Nunca houve respostas ríspidas. Saramago dizia que ia pensar. Nunca nos zangámos. Ele nem sequer dava muito trabalho.» Nos seus últimos livros, admite que «recorria a uns certos castelhanismos, tinha tendência a usar pequenas expressões castelhanas.» Mas nada muito difícil de resolver.


Nunca lhe aconteceu sugerir melhoramentos além dos linguísticos. «Ele era perfeito. Às vezes era necessário ajustar concordâncias verbais e procurava as redundâncias. Enquanto pudemos, fizemos a revisão juntos, ou via telefone. Era fácil reconhecer o que ele queria e o que não queria. Num episódio do Memorial do Convento, assinalei a palavra «tissu» e coloquei um ponto de interrogação. Um dia ele chega, senta-se à frente da secretária e diz: «Então vamos lá ver esse tissu [risos].»

Um autor universal

«Embora dissesse que não sabia escrever para crianças, sabia ir ao encontro de todos os leitores.» Contudo, só se apercebeu da dimensão além-fronteiras do autor depois de ter começado a trabalhar na fundação. «Só tive noção da projeção internacional de José Saramago depois de ter vindo para a fundação. Pessoas de todas as partes do mundo contactam-nos. A minha perspetiva mudou. Na editora tinha uma perspetiva que se centrava na palavra, e de repente a palavra traduziu-se em 54 línguas.»

O seu trabalho foca-se agora na preservação desse legado universal do autor. «Fazemos tudo ao nosso alcance para preservar a sua memória, a sua obra», declara. Um trabalho que, como outro qualquer, tem dias menos fáceis, mas que a satisfaz. «Chegar aqui e olhar para a oliveira numa manhã difícil melhora o nosso dia», afirma, não sem relembrar que 30 anos deixam as suas marcas: «É uma vida de muita saudade. Dele e do meu trabalho.»

«… na parede o quadro de registo onde, podia vê-lo, se lia o seu nome,  na linha superior, e por baixo os nomes dos outros revisores que trabalhavam em casa, tendo, todos eles, no quadriculado adiante, indicações abreviadas de títulos de obras, datas, sinais coloridos, um organigrama simples, uma espécie de mapa da cidade dos revisores, não mais que seis. Podemos imaginá-los, cada um em sua casa, no Castelo, nas Avenidas Novas, talvez em Almada ou na Amadora, ou Campo de Ourique, na Graça, debruçados para as provas de um livro, lendo e emendando, e a doutora Maria Sara pensando neles, alterando uma data, trocando um verde por um azul, daqui a pouco tempo nem dará importância aos nomes, serão para ela um mero traçado gráfico que lhe suscitará ideias, associações, reflexos, por enquanto cada um destes nomes representa ainda uma informação a assimilar, Raimundo Silva primeiro, depois Carlos Fonseca, Albertina Santos, Mário Rodrigues, Rita Pais, Rodolfo Xavier…»

[História do Cerco de Lisboa. Lisboa: Editorial Caminho, 2006, pp. 168-169 (7.ª edição)]

"Pilar del Río diz estar no Brasil por ‘dever cívico’" - Entrevista por ocasião da visita à FLIP em Paraty (01/07/2016)

Em Paraty pela primeira vez, viúva de Saramago prepara edição ilustrada por J. Borges

SC - EXCLUSIVO - PARATY RJ - FLIP 2016 - 01/07/2016 - Pilar del Río na Casa Cais. 
Foto: Barbara Lopes | Agencia O Globo - Agência O Globo

Recuperação da entrevista concedida ao "O Globo", aqui 
em http://oglobo.globo.com/cultura/livros/pilar-del-rio-diz-estar-no-brasil-por-dever-civico-19631863

PARATY - Pilar del Río, “que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar”, como escreveu certa vez numa dedicatória o português José Saramago (1922-2010), seu marido nos últimos 22 anos de vida, tardou a chegar, é bem verdade, não só à vida do escritor, como à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Apesar dos inúmeros convites da organização do evento e da homenagem da festa feita ao escritor no ano da sua morte, em 2010, a jornalista e “presidenta” da Fundação Saramago nunca havia conseguido ir a Paraty. Esta é a primeira vez, e Pilar participa da programação da Casa Cais, que neste ano funciona como uma embaixada afetiva da língua portuguesa na cidade, idealizada e dirigida pela compositora Luana Carvalho.

Com a participação de nomes como o escritor angolano José Eduardo Agualusa, o artista plástico e escritor brasileiro Nuno Ramos, o escritor e professor de Letras da PUC-Rio Fred Coelho, o cineasta português Miguel Gonçalves Mendes e os cantores Marina Lima e Pedro Luís, o espaço vai abrigar debates e apresentações gratuitas até amanhã. Pilar conversa hoje com a jornalista portuguesa Anabela Mota Ribeiro, às 15h30m, e depois exibe o filme “José e Pilar”, de Gonçalves Mendes.

Ao GLOBO, Pilar conta que está envolvida num projeto especial: um grande encontro, póstumo e inédito, “entre os dois Josés”, Saramago e o artista brasileiro José Francisco Borges. Ideia de um editor argentino radicado em Barcelona, Alejandro García Schnetzer, a crônica fantástica “O lagarto”, escrita por Saramago em 1972 (texto em que o autor vislumbra uma flor vermelha caída no Chiado, e a Revolução dos Cravos só aconteceria em Portugal dois anos depois), ganhou xilogravuras exclusivas do artista pernambucano, que, aos 81 anos, abriu uma exceção para fazer esse trabalho, “que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar”.

É a sua primeira vez na Flip, apesar de convites e homenagens em edições anteriores. Por que vir só agora?
Este é um ano muito particular. Vir ao Brasil, estar com pessoas que respeito e que não querem retroceder em direitos adquiridos, na educação, na cultura, nos valores partilhados, na liberdade, em suma, considero-o um dever cívico. Uma festa de cultura não pode viver arredada da realidade. Luana Carvalho e a Casa Cais convidaram-me a participar, e decidi aceitar. Será uma ocasião para voltar a falar de José Saramago e da necessidade que temos de continuar a ler os seus livros.

De que forma é possível aproximar ainda mais as literaturas de Portugal e Brasil? Apesar de compartilharem a língua, por que ainda há muitas lacunas de conhecimento entre ambas?
Os cidadãos, os leitores, nós, somos aqueles que aproximam as duas culturas, literaturas, formas de lidar com o idioma. É obrigação dos estados mostrar o que se vai fazendo, abrir as portas. Mas as pontes são construídas por nós, peça a peça, livro a livro, palavra a palavra. Lacunas... Muitas vezes devem-se a processos empresariais, editoriais, mais do que tudo.

A aproximação Brasil-Portugal permite uma infinidade de livros. Como “O lagarto”, que refresca a crônica de José Saramago com xilogravuras exclusivas de J. Borges. Como surgiu a ideia do livro?
Surgiu por proposta de um editor argentino, que vive há muitos anos em Barcelona, Alejandro García Schnetzer, que já havia feito um livro com um texto de Saramago e ilustrações de Manuel Estrada chamado “O silêncio da água”. A ideia foi pegar um texto publicado anteriormente, que tivesse autonomia e que permitisse ser ilustrado. Ficamos muito contentes com a resposta positiva do J. Borges, que abriu uma exceção e aceitou ilustrar esse texto de José Saramago, e pensamos que é um diálogo muito enriquecedor o que se estabeleceu entre os dois “Josés”.

Quando deve ser publicado no Brasil?
Não consigo adiantar uma data para já, isso depende da Companhia das Letras, editora que publica a obra de José Saramago deste lado do Atlântico, mas pensamos que será muito em breve. Em Portugal, haverá uma exposição com as xilogravuras em Óbidos. A apresentação mundial será feita no contexto do Folio, o festival literário de Óbidos, em setembro. Aparecerá então uma primeira edição do livro, que sairá em várias línguas nos próximos meses.

O que há de especial nesse texto?
É um texto publicado em 1972 no livro “A bagagem do viajante”, que pode ser lido por jovens e adultos e que, tal como outros textos de José Saramago, encontra ainda hoje, mais de 40 anos depois da sua publicação, novas leituras atuais. Tal como, por exemplo, em “A maior flor do mundo”, trata-se de um José Saramago que não faz concessões facilitistas e cria um texto em que dialoga com o universo dos contos de fadas, com o fantástico, a partir da história de um lagarto que passeia pelas ruas do Chiado, em Lisboa.

O que a senhora gostaria de fazer em Paraty: tem alguma mesa de debates em que está especialmente interessada, algum autor que queira conhecer, algum passeio que queira fazer?
A minha vontade é ser apanhada pela surpresa. O que implica o risco de não gostar. Ou seja, mais do que procurar os autores que gosto de ler, procurarei aqueles que ainda não li ou cujo pensamento conheço menos bem. Mas confesso que tenho uma especial curiosidade em relação às vozes femininas, tantas vezes esquecidas, descuradas... Além de imergir na poesia da homenageada deste ano (Ana Cristina Cesar), quero sentir a força de mulheres não recatadas, que fazem do mundo inteiro o seu lar, na cultura e na sociedade.

“Saramago dizia que o primeiro Nobel em português deveria ser para Jorge Amado”


Pilar del Río, presidenta da Fundação Saramago. EDUARDO ZAPPIA

A entrevista pode ser recuperada e consultada, aqui

El País Brasil - de María Martín (9/7/2016)

Pilar del Río não tem papas na língua. Fala com os olhos cravados no interlocutor e tem resposta para quase tudo, ainda mais se o assunto é machismo, religião ou política. A viúva de José Saramago, único Prêmio Nobel de Literatura em português, e presidenta da Fundação que leva o nome dele, participou da programação alternativa da última edição da Flip, em Paraty, e defendeu sua causa mais recente: a Declaração dos Deveres Humanos.

O projeto nasceu do discurso de Saramago, que ao receber o Nobel em 1998 denunciou a falta de cumprimento dos direitos humanos, já passado meio século de sua declaração. Del Río, com a Universidade Autônoma do México e um bom número de juristas e ativistas, está por trás da elaboração do documento que pretende levar à ONU, mas, “sobretudo, às pessoas”.

Em sua enésima viagem ao Brasil --não sabe quantas foram suas visitas, mas já encontra pessoas conhecidas pela rua--, Del Río fez escala no Rio de Janeiro. Tentaram assaltá-la duas vezes na porta de seu hotel em Copacabana, onde recebe EL PAÍS. Com 66 anos e um corpo miúdo, Del Río se livrou do ladrão.

Pergunta: Foi sua primeira vez na Flip. Que impressão teve da edição deste ano?
Resposta: Fui convidada pela Casa Cais e Luana Carvalho [filha de Beth Carvalho]. Não era convidada oficial. Achei maravilhoso que houvesse instituições privadas, como esta Casa Cais, para promover a cultura fora do programa oficial. Um dos pontos fortes foram os humoristas porque partiram de que o humor é revolucionário e contesta as religiões, que nos querem tristes e amedrontados, enquanto o humor nos torna livres e desinibidos. Achei magnífico que se convocassem pessoas grandes e minha admiração total e profunda foi pela Prêmio Nobel deste ano [a bielorrussa Svetlana Alexievich], com quem tive um encontro breve, mas emocionante.

P. A Flip deste ano esteve carregada de reivindicações relativas à atualidade política do país. Que impressão você levou do momento que o Brasil vive?
R. O Brasil não é a Flip. A Flip é uma elite e a elite cultural não está com este Governo. Isso é óbvio. A elite cultural deste país, como não podia ser de outra maneira, se manifesta a favor da igualdade do homem e da mulher, a favor do casamento homossexual, da liberdade para abortar. O Brasil é um país que necessita de muito mais tempo de um governo de esquerda porque as desigualdades continuam sendo muito grandes. Acredito que o PT, com todos os desacertos, é o Governo que fez mais pela imensa maioria deste país, inclusive pelos que não votam nele. De números fizeram cidadãos.

P. José Saramago foi o único Prêmio Nobel em língua portuguesa, enquanto em castelhano há mais de uma dezena. Por que a literatura brasileira não tem tanto alcance como sua música?
R. É difícil responder. Talvez porque as editoras não tenham sido suficientemente atrevidas para lançar campanhas, faltou trabalho conjunto. As ditaduras, por um lado, a do Brasil, por outro, a de Portugal, foram más com seus autores. Evitou-se que houvesse orgulho da literatura. A música era mais difícil de ocultar. As multinacionais foram muito mais inteligentes e fortes que as editoras locais. A música brasileira é que nos salvou da mediocridade. José Saramago dizia que o primeiro Prêmio Nobel de Literatura em português teria de ser para Jorge Amado. Os dois fizeram um pacto: compartilhar o prêmio. O que acontece é que quando deram o prêmio a José, Jorge Amado estava muito mal e não pôde ir.

P. Você é ateia, comunista, feminista e de esquerda. Como seria para você viver no Brasil?
R. Viver no Brasil com estas ideias não deve ser fácil. No caso de gente extraordinária que amo, como Chico Buarque, temos visto o quanto se tornou difícil para ele. Imagino que seria uma ativista e teria muitíssimos problemas porque estaria pedindo direitos para pessoas que renunciam a eles. O problema é que estão fazendo dos homens escravos. Homens que em vez de reivindicar melhorias para sua vida estão esperando morrer para que Deus lhes dê sopa quente todos os dias. O poder das igrejas evangélicas vai fazer esta sociedade retroceder muito. As pessoas não vão filiar-se a partidos, a sindicatos, vão confiar em que Deus lhes resolva os problemas.

P. O PT foi um dos responsáveis por permitir que partidos evangélicos se infiltrem no poder. Não só pactuou com eles, como também evitou entrar em reformas importantes, como a do aborto, que confrontam os interesses moralistas.
R. Se há algo que não perdoo ao PT foi precisamente pactuar não com quem votou nele em razão de seu programa, mas com os outros. Não ter imposto leis para garantir a laicidade do Estado. Ser gay não é obrigatório, abortar não é obrigatório, mas deveriam ter defendido a liberdade de quem quer fazer isso.

P. Uma vez você comentou que se sentia agredida se sentia que alguém te desejava sem ser algo mútuo. No Brasil está crescendo um forte movimento feminista, que começou contra as cantadas na rua e continua com a luta contra a cultura do estupro.
R. É impossível explicar a um homem que não queremos que nos chame de bonita se ele abre um jornal e encontra uma mulher nua para vender um carro. Não quero que me olhem com cobiça, com descaramento, mas estou disposta a dividir todo o tipo de sorrisos, de olhares. Agora, não permito que me violem. E a primeira violação é que não me chamem por meu nome, que não reconheçam minha função. Se queremos enfrentar essa questão horrível da cultura do estupro alguém tem que dar o primeiro passo e creio que deveriam ser os meios de comunicação.

P. O caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro revelou que não é um episódio isolado em pleno século XXI. Não parece forte para você esse choque de realidade?
R. O pior é que a sociedade se sinta chocada em um dia e não sejam tomadas medidas no dia seguinte. Houve alguma proposta corretiva na legislação na educação, nos livros escolares, nos meios de comunicação?

P. Qual é a sua relação com a saudade?
R. Procuro não tê-la. Estou tão plena do presente que é preciso administrar e do futuro que é preciso mudar que não tenho tempo para isso.

P. Acredita que seja incompatível um governo de centro-direita, de ideias liberais, que combata a desigualdade?
R. É incompatível com a igualdade um Governo como o atual que faz as declarações que faz. Por um lado, responde não a critérios liberais, pelo amor de Deus!, mas a critérios econômicos em benefício próprio , por outro, está dominado pelo obscurantismo da religião.

P. Por que obscurantismo?
R. Ouvi as declarações dos deputados que apoiam e sustentam o Governo. São pessoas que estão dispostas a abdicar do máximo que um ser humano tem, que é a razão, em função do dogma. É voltar à inquisição.

P. O que achou do processo e da forma como se destituiu Dilma Rousseff e do Governo Temer? Como você explicaria a situação a alguém que não esteja familiarizado com o Brasil?
R. No Brasil houve um governo de esquerda que fez projetos muito interessantes, mas com atitudes inadmissíveis e que causaram muitos danos à causa, com comportamentos individuais, mas não me esqueço dos diferentes programas sociais que estão em andamento. Não podemos nos esquecer disso, embora reconheçamos os casos de corrupção. Não vejo Dilma como uma corrupta. A corrupção tem muitos anos no Brasil. O que acredito é que ela abriu a caixa de Pandora e nesse dia assinou sua liquidação. Lamentavelmente algumas pessoas de seu partido que deveriam ter se colocado na primeira fila não fizeram isso.

P. A quem você se refere?
R. A algumas pessoas que passaram por diferentes governos e que estavam limpas e, provavelmente, Lula. Lula tinha que ter sido muitíssimo mais corajoso e muitíssimo mais claro. E não aparecer à última hora, quando não se sabia se era para salvar ou para salvar-se. Dilma foi durante o processo vítima do machismo e de uma sociedade patriarcal, e não consigo entender que uma das primeiras decisões de Temer fosse suprimir [da EBC] o feminino de presidente e que não haja ninguém que tenha protestado. São pequenas histórias, mas dão o tom.

P. Precisamente, você já deu uma boa bronca em um jornalista empenhado em te chamar de presidente [da Fundação José Saramago]. No Brasil até essa discussão acaba sendo política. Por que você acha importante reivindicar o termo presidenta?
R. Não podemos aceitar agora a masculinização. Nenhum dos altos cargos do mundo está feminizado: no sínodo dos bispos são todos homens, o Papa é homem, os cardeais são homens, na Espanha, na monarquia, o rei é o terceiro na linha de sucessão porque as mulheres não podiam ser rainhas... O poder não quer feminizar-se porque considera que eles perderão privilégios.

José Saramago e Azio Corghi no "Mil Folhas" do jornal Público (Março de 2006)

O presente artigo pode ser recuperado e consultado, aqui
em http://josesaramago.blogspot.pt/2006/03/jos-saramago-e-azio-corghi-no-mil.html

O suplemento "Mil Folhas", editado hoje com o jornal Público, publica um artigo sobre a ópera O dissoluto absolvido, a qual estreia hoje à noite no Teatro Nacional de São Carlos. Pela sua manisfesta relevância didáctica, aqui fica transcrito o texto de Cristina Fernandes:

"D. Giovanni: "Absolvido, mas por quanto tempo?"

O próximo espectáculo da temporada lírica do Teatro Nacional de São Carlos (com estreia marcada para hoje, às 20h, e repetições nos dias 20, 22, 24 e 26) propõe três obras curtas em um acto, obras que de diferentes maneiras se manifestam em ruptura com as convenções ou os códigos instituídos: "Erwartung" (Espera), de Schoenberg; "Sancta Susanna", de Hindemith (estreia em Portugal); e "Don Giovanni, Il Dissoluto Assolto" (O Dissoluto Absolvido), com libreto do escritor José Saramago e música de Azio Corghi (n. 1937), que terá a sua estreia mundial nesta ocasião. A direcção musical será de Marko Letonja e a encenação de Andrea De Rosa.
Depois de "Blimunda", baseada no "Memorial do Convento", e de "Divara-Água e Sangue", a partir do drama teatral "In Nomine Dei", Don Giovanni constitui a terceira colaboração entre o compositor italiano e o escritor português no domínio do teatro musical, com a particularidade de Saramago ter escrito desta vez um libreto de raiz. Corghi apenas adaptou alguns detalhes no momento de dar "voz musical" ao libreto.
A edição da Editorial Caminho do texto original de Saramago é acompanhada por um interessantíssimo texto de Graziella Seminara que relata com grande detalhe a forma como os dois autores foram construindo e discutindo a obra através de uma intensa troca de "emails". Saramago parte de Da Ponte para fazer uma releitura pessoal do mito que transforma o sedutor em seduzido e que lhe retira a conclusão moralista e a punição por uma entidade sobrenatural. A punição do libertino chega pelas mãos de D. Elvira, D. Ana e D. Otávio que se unem para lhe causar a humilhação maior negando as suas conquistas e a sua virilidade, que o famoso catálogo (trocado às escondidas por um livro em branco por D. Elvira) não mais poderá testemunhar...
"Era certo que sempre havia pensado que D. Giovanni não podia ser tão mau como o andavam a pintar desde Tirso de Molina, nem Dona Ana e Dona Elvira tão inocentes criaturas, sem falar do Comendador, puro retrato de uma honra social ofendida, nem de um Don Otavio, que mal consegue disfarçar a covardia sob as maviosas tiradas que no texto de Lorenzo da Ponte vai debitando", escreve o escritor José Saramago no prefácio desta obra teatral.
Don Giovanni aceita corajosamente a punição que lhe é proposta por um comendador preso numa estrutura gerida por convenções, não procurando salvaguardar-se hipocritamente num perdão corruptor da sua responsabilidade ética. Será salvo por Zerlina, parecendo despertar para uma nova existência assinalada também simbolicamente pelo catálogo que Leporello queima na lareira. Mas a dúvida fica no ar, colocada pelo enigmático manequim de D. Elvira: "Absolvido, mas por quanto tempo?"
A ópera, encomendada pelo Teatro alla Scala de Milão para figurar num programa com "Sancta Susanna", de Hindemith, esteve para ser estreada em Milão no ano passado mas o período conturbado vivido pelo prestigiado teatro italiano há cerca de um ano, que levou à demissão de Muti e a várias greves dos músicos, fez com que a estreia mundial transitasse para Lisboa.

A dupla Corghi e Saramago

Azio Corghi já escreveu sete obras musicais sobre textos de Saramago, sendo esta a terceira colaboração no campo da ópera. Para o compositor italiano a literatura é uma grande fonte de inspiração quando se trata de encontrar temas teatrais. O que mais o fascina em Saramago, "um homem que denuncia as injustiças do mundo mas que tem uma grande sede de viver", é o facto de cada obra literária do escritor português conter tudo lá dentro: "romance, poesia, teatro, música!", disse Corghi ao PÚBLICO.
A música começou a ser composta antes de o libreto estar completamente pronto, mas foi sendo ajustada em função das longas conversas que os dois autores iam tendo por "email", ditando o texto vários dos procedimentos musicais. "O próprio Saramago partiu do texto de Da Ponte, por exemplo logo no Prólogo com D. Elvira e Leporello, introduzindo a famosa ária do catálogo. E no decurso da ópera cita várias vezes o texto de Da Ponte. Havia uma indicação clara para eu pegar na ária de Leporello, mas tratando-se de uma releitura da história, faço um trabalho de ironia através das citações."
Esta obra difere muito de "Blimunda" e "Divara" uma vez que se tratava de "histórias trágicas bastante mais densas". Para Corghi "o D. Giovanni reflecte uma outra ligeireza - uma certa elegância e "souplesse", que tentei também recuperar na música." Num processo inverso ao de "Divara" no "Dissoluto Absolvido" as personagens masculinas cantam e as femininas falam: "Não se trata de um "parlato" livre mas de um "parlato" rítmico escrito sobre a música. Do "parlato" passam ao "sprechgesang" ou mesmo ao canto", explicou o compositor. "Duas das actrizes também são cantoras e conseguem realizar muito bem este trabalho."
Cada personagem tem uma expressão musical própria, mas ao contrário do que fez Mozart, Corghi não se preocupa em caracterizar tipos sociais (aristocráticos ou populares). "As personagens são caracterizadas por timbres e temas musicais (alguns derivados de cantos populares italianos). Sempre trabalhei com citações musicais, com homenagens musicais onde se pode revisitar toda uma história. Para além dos temas populares usei temas da música clássica que são inseridos como provocação ou ironia. No início, quando o coro sussurra, cria uma espécie de vento, depois ouve-se o tema da ária da Calúnia de Rossini... Nesse momento chegam D. Ana, D. Elvira e D. Otavio que irão caluniar D. Giovanni, dizer que é impotente, que nunca conquistou nenhuma mulher."
Às citações musicais contrapõem-se situações de forte intensidade dinâmica e variedade tímbrica, favorecidas por uma orquestra imponente. Uma vez que o projecto nasceu por iniciativa do Teatro alla Scala de Milão e se destinava a um programa que também incluía "Sancta Susanna" Corghi optou por usar uma orquestra de grandes dimensões semelhante à que é usada por Hindemith. "Juntei-lhe ainda - não sei se por paixão se pelo facto de conhecer muito bem os instrumentistas da Orquestra do Teatro alla Scalla - uma grande secção de percussão que confere à obra um sabor muito rítmico, que também existe nos cantos populares. Diverti-me a procurar soluções orquestrais e tímbricas. Há também um trabalho de "espelhos" no tecido musical, que refletem a polirritmia, polimetria", continua o compositor italiano.
O coro masculino tem um papel importante como comentador da acção (à maneira da tragédia grega), mas também colocando perguntas e respostas. Permanecerá por detrás do palco até ao final da obra. As suas intervenções oscilam entre os jogos fonéticos e a clareza das palavras. Corghi refere que tanto "intervém como "venticello" [vento], quando acompanha o tema rossiniano da calúnia, murmurando e sussurando, como pode explodir nos momentos mais enfáticos das intervenções do Comendador." A ambiguidade dos seus comportamentos é jogada sobre a exclamação e a interrogação e no Intermezzo cantará "a cappella", a "berceuse" do tema de Zerlina.

Uma obra provocatória

Tal como Don Giovanni também "Sancta Susanna" na ópera de Hindemith recusa arrepender-se do seus desejos carnais, sofrendo o supremo castigo de ser emparedada viva. Baseada no drama homónimo de August Stramm, faz parte do conjunto das três primeiras óperas, de Paul Hindemith, todas em um acto, criadas no início dos anos 20: "Mörder, Hoffnung der Frauen" (1921), "Das Nusch-Nuschi" (1921) e "Sancta Susanna" (1922). Reflexo do estado de espírito que se sucede à bárbara carnificina da primeira Grande Guerra, as obras causaram escândalo por causa dos seus libretos que chocaram a moral burguesa pela forma explícita e, por vezes provocatória, como abordam a sexualidade.
"Erwartung", composta em dezassete dias nos finais de 1909 é uma das primeiras obras atonais de Schoenberg e um exemplo emblemático do Expressionismo. Trata-se de um monodrama em que uma mulher procura no meio de um bosque, com crescente e cada vez mais torturante ansiedade, o homem a quem apaixonadamente ama e pelo qual sente um implacável ciúme, encontrando-o por fim morto.
O maestro Marko Letonja considera que a ideia do director do Teatro Nacional de São Carlos, Paolo Pinamonti, de colocar a "Erwartung" de Schoeberg entre a ópera de Hindemith e a ópera de Corghi é muito pertinente. "Temos duas óperas do início do século XX e uma criação recente, sendo muito interessante encontrar os pontos de contacto e as divergências. Em Schoenberg e Hindemith o Expressionismo é abordado de dois pontos de vista completamente diferentes. Ambas as obras retratam uma intensa evolução das emoções e solicitam um canto muito expressivo, embora sem frases em "cantabile" no sentido clássico. Na composição de Corghi os homens cantam e as mulheres falam. No Schoenberg, uma mulher fala e canta. No Hindemith cantam todos. Mas o "sprechgesang" está presente nas três obras.", disse ao PÚBLICO o maestro.
A evolução psicológica das personagens nas obras de Hindemith e Schoenberg é um dos aspectos mais fascinantes mas também um dos maiores desafios da interpretação. "Uma coisa é o que se sente, outra é o que se pensa. Em "Erwartung" temos o bosque e o medo por um lado e por outro as recordações. Há muitas perguntas em aberto. A protagonista tinha morto ou não o marido? Schoenberg e Freud nunca se encontraram, mas é quase certo que Schoenberg estudou alguns dos seus casos de histeria. Na "Sancta Susana" Klementia conta um episódio que depois volta a acontecer. Trata-se de expressões visíveis mas também do desenvolvimento mental das personagens. Além das dificuldades de interpretação dramática há também grandes desafios técnicos", diz o maestro. Schoenberg escreveu "Erwartung" para um soprano dramático, mas a partitura tem muitas passagens na oitava baixa. "Estou muito contente por ter Brigitte Pinter a fazer o papel. É uma cantora como uma tessitura entre o meio-soprano e o soprano, um meio-soprano com agudos, portanto ideal. É um papel terrível, meia hora de música com três intervalos de uns 15 segundos para cantora! Supera a Isolda de Wagner em dificuldade."
Esta é a primeira obra de Corghi que Marko Letonja dirige mas a tarefa não foi difícil para ele porque "a partitura era muito clara", explica. "Era como se a música escrita me falasse. Pelo contrário em Schoenberg senti mais a necessidade de analisar o que ele escreveu antes e depois. "Erwartung" situa-se após o período da música pós-romântica e antes do dodecafonismo. Um dos pontos mais fascinantes da partitura é a polifonia. Há poucas linhas dobradas, a orquestra é tratada como uma enorme orquestra de câmara chegando a haver 15 linhas ao mesmo tempo que se cruzam.""

“A maior flor do mundo” livro recomendado para o 4.º ano - Plano Nacional de Leitura 2016 - Ilustração de Inês Oliveira

Capa da edição - Porto Editora

"E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura 
obrigatória para os adultos? 
Seriam eles capazes de aprender realmente o que há 
tanto tempo têm andado a ensinar?"

A informação pode ser recuperada e consultada, aqui

"A partir de setembro, A maior flor do mundo passa a integrar a coleção Educação Literária da Porto Editora que “reúne obras de leitura obrigatória e recomendada no Ensino Básico e Ensino Secundário e referenciadas no Plano Nacional de Leitura.”

O conto de José Saramago junta-se, assim, a O Gigante Egoísta e o Príncipe Feliz de Oscar Wilde, e à Seleção de Contos de Andersen, publicados nesta coleção para o 4º ano.

Esta nova edição é ilustrada por Inês Oliveira."

Lista de obras recomendadas para o 4.º ano