Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

José Vericat entrevista José Saramago em Ramala (Cisjordânia - BBC em 02/06/2007)

Recuperação da breve entrevista que pode ser consultada e lida aqui,
em http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/misc/newsid_1902000/1902254.stm

O colaborador da BBC na Cisjordânia, José Vericat, conversou em Ramala com o escritor português José Saramago, ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 1998. Suas recentes críticas a Israel no conflito do Oriente Médio, comparando os territórios palestinos aos campos de concentração nazistas, têm desatado uma incendiada polêmica.



BBC – Que propósito teve sua visita à Palestina?
Saramago – “A intenção tem sido a de enviar aqui uma delegação de membros do Parlamento Internacional de Escritores para manifestar solidariedade aos narradores, poetas, dramaturgos palestinos”.

BBC – Que pode ter este conflito palestino-israelense de particular?
Saramago – “Vamos ver, isto não é um conflito. Poderíamos chamá-lo um conflito se se tratasse de dois países, com uma fronteira e dois estados, com um exército cada um. Trata-se de uma coisa completamente distinta: Apartheid. Ruptura da estrutura social Palestina pela impossibilidade de comunicação”.

BBC – Que pensa de Israel?
Saramago – “Um sentimento de impunidade caracteriza hoje o povo israelense e o seu exército. Eles converteram-se em financiadores do holocausto. Com todo o respeito pela gente assassinada, torturada e sufocada nas câmaras de gás. Os judeus que foram sacrificados nas câmaras de gás quiçá se envergonhariam se tivéssemos tempo de dizer-lhes como estão se comportando seus descendentes. Porque eu pensei que isto era possível; que um povo que tem sofrido deveria haver aprendido de seu próprio sofrimento. O que estão fazendo com os palestinos aqui é no mesmo espírito do que sofreram antes.

Eu creio que eles não conhecem a realidade. Todos os artigos que apareceram contra mim têm sido escritos por pessoas que não foram nunca saber como vivem os palestinos, quer dizer, eles não querem saber o que está passando aqui. Sería lógico que estivessem aqui os cascos azuis (soldados da ONU). Mas o governo israelense não o permite. O que me indigna, e não posso calar-me, é a covardia da comunidade internacional que se deixa calar. Nem sequer falo dos Estados Unidos, do lobby judeu, de tudo isso que é mais que conhecido. Falo da União Européia. Europa, o berço da arte, da grande literatura, tudo isso. E todos assistindo a isto, a este desastre, e ninguém intervém”.

BBC – Parece-lhe pertinente a analogia entre o sofrimento dos palestinos hoje em dia e o sofrimento dos judeus que teve lugar durante o regime nazista e em particular os campos de concentração?
Saramago – “Isso de Auschwitz foi evidentemente uma comparação forçada a propósito. Um protesto formulado em termos habituais quiçá não provocasse a reação que tem provocado. Claro que no há câmaras de gás para exterminar os palestinos, mas a situação na qual se encontra o povo palestino é uma situação concentracionária. Ninguém pode sair de seus povoados.

Eu o disse e dito está. Mas, se a vocês lhes molesta muito isso de Auschwitz, eu posso substituir essa palavra e em lugar de dizer Auschwitz, digo crimes contra a humanidade. Não é uma questão de mais vítimas ou menos vítimas, não é uma questão de mais trágico ou menos trágico, é o fato em si. Isto que está passando em Israel contra os palestinos é um crime contra a humanidade. Os palestinos são vítimas de crimes contra a humanidade cometidos pelo governo de Israel com o aplauso de seu povo”.

BBC – Não crê que suas declarações têm um efeito contraproducente?
Saramago – “Aqui não há nenhum efeito contraproducente. Há críticas e há críticas. Há críticas que são conhecidas e portanto não têm nenhum efeito, quer dizer, se fazem e se repetem infinitamente”.

BBC – O que o senhor escreveu que tenha mais relevância com este conflito?
Saramago “Uma novela que eu publiquei há cinco ou seis anos, Ensaio Sobre a Cegueira, que vendeu aqui sessenta mil exemplares. Até estes dias eu era aqui um bestseller. Agora meus livros estão sendo retirados das livrarias. É uma novela que narra como todo o mundo se torna cego. Porque minha opinião é que todos somos cegos. Cegos porque não temos sido capazes de criar um mundo que valha a pena. Porque este mundo como está e como é não vale a pena.

Esta sim que poderia ter [relevância] se os políticos se interessassem pela literatura. Se há algo sobre o que refletir é sobre a capacidade que temos, ou que não temos de inventar um modo de relação humana onde o imperativo seja o respeito humano e o respeito ao outro”.

BBC – Qual é o papel da literatura neste conflito?
Saramgo – “Nenhum. Essa idéia de que os escritores têm que salvar o mundo… Gostaríamos de fazê-lo, é claro. Se fosse pela arte e tudo o que temos feito de bonito no passado, se isso servisse para algo, não estaríamos como estamos. A intervenção que os escritores possam e devam ter é pelo simples fato de que são cidadãos. Claro que também são escritores. Se se nos pede algo, ou por iniciativa nossa temos algo para dizer, o escrevemos. Mas, além de ter o que tenhamos para dizer, também há o que temos para fazer. E o fazer é intervir na vida não só do país, de um senão também do mundo”. 

Saramago e a criação do Parlamento Internacional de Escritores (25/11/1993)

"Cadernos de Lanzarote Diário I"
Caminho, páginas 161 e 162

25 de Novembro

"Em que ponto está o Ensaio sobre a Cegueira? Parado, dormindo, à espera de que as circunstâncias ajudem. Mas as circunstâncias, mesmo quando parecem propícias, não perdem a sua volubilidade natural, precisam de uma mão firme e boa conselheira. Até ao fim do ano (por causa da viagem às terras do Mais Antigo Aliado, e depois as festas, com a casa cheia de gente), não terei mais remédio que deixá-las à solta (falo das circunstâncias, claro) mas logo a seguir tratarei de as prender curto. Entretanto, vou escrevendo umas quantas coisas como esta que a revista Tiempo, de Madrid, me pediu, sobre a anunciada criação do Parlamento de Escritores
«Não é raro que o destino de uma boa ideia, por faltarem os meios necessários para a pôr em prática, acabe por ser o das boas intenções que não foram atendidas por uma vontade forte. Tenho, evidentemente, motivos para crer que a vontade não faltará aos impulsionadores e apoiantes do Parlamento de Escritores, entre os quais me conto, e que a ideia da sua criação, sendo também uma boa intenção, não prolongará a lista de frustrações e mal-entendidos em que tem sido fértil a intervenção cívica (ou deveremos dizer política, em sentido pleno?) daqueles a quem se designa por intelectuais. Com uma condição: que este Parlamento Internacional de Escritores se considere reunido em sessão permanente, isto é, que o facto da sua existência sirva para estimular uma participação quotidiana e efectiva dos escritores na sociedade, ao mesmo tempo que vá recebendo alimento e substância dessa mesma participação. O bom Parlamento não é aquele em que se fala, mas aquele em que se ouve. Os gritos do mundo chegaram enfim aos ouvidos dos escritores. Vivemos os derradeiros dias daquilo que, no nosso tempo, se chamou "compromisso pessoal exclusivo com a escrita", tão querido a alguns, mas que, como opção de vida e de comportamento, é, essencialmente, tão monstruoso quanto já sabemos que é o compromisso pessoal exclusivo com o dinheiro e o poder...» "