Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 8 de maio de 2020

"Monstro da intolerância voltou" Entrevista ao Folha de São Paulo (12/01/1994)

A entrevista pode ser recuperada e consultada aqui
em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/1/12/ilustrada/2.html

"Monstro da intolerância voltou, diz Saramago" por Bob Fernandes

"Auto-exilado nas Ilhas Canárias desde que o governo português, numa manifestação de intolerância, renegou a inscrição de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" na disputa do Prêmio Europeu de Literatura, José Saramago, 71, escreve "Ensaio sobre a Cegueira". Sobre o romance, com lançamento previsto para este ano, o escritor português guarda silêncio. "Ainda está em gestação", diz. Mas, em entrevista à Folha, fala sobre a intolerância, o Brasil e os brasileiros, o amor, a cidadania, e o processo de escrever."

"Folha - O sr. está escrevendo "Ensaio sobre a Cegueira", que deve ser lançado este ano. A intolerância será, novamente, o seu tema?
Saramago - Talvez em sentido muito amplo, mas, sendo um romance, do ponto de vista da técnica narrativa difere bastante do trabalho que tenho feito até aqui. Mas eu não gostaria de ir mais longe porque eu não posso nem devo falar sobre uma coisa que ainda está em gestação.

Folha - A intolerância é uma condição inerente ao homem?
Saramago - Provavelmente é. Mas é também a consequência de uma luta pelo domínio sobre o outro. Seja qual for a natureza do domínio, seja na relação do colonizador com o colonizado, na própria estrutura de classes, isto está sempre presente no comportamento das pessoas. Mesmo que esta não seja uma intolerância ativa como é a outra, mais radical, a intolerância racial, étnica.

Folha - Como esta que a Europa começa a reviver?
Saramago - É. Nós supúnhamos que, depois da última Grande Guerra, dos campos de concentração, tivesse ficado claro até que extremos a intolerância pode levar. Mas nós não nos curamos deste mal, este é um monstro que deita outra vez as garras de fora.

Folha - Onde está o monstro? Na Rússia de Jirinovski, na França de Le Pen, na Alemanha, na ex-Iugoslávia?
Saramago - Não do mesmo modo, mas em quase toda a Europa. Não com a mesma gravidade há o problema dos ciganos na Espanha, há problemas também em Portugal.

Folha - A questão dos brasileiros em Portugal tem o tamanho que a mídia dá?
Saramago - Eu creio que não, embora seja óbvio que existam contradições. Mas não são insuperáveis. Pelo que sei, estou um pouco longe, desde a questão muito debatida dos dentistas não há um outro contencioso. Se deixarem as pessoas falarem umas às outras, sobretudo no caso de brasileiros e portugueses, as pessoas acabam se entendendo.

Folha - E as piadas de português?
Saramago - Podem estar certos os brasileiros de que os portugueses também contam anedotas sobre os brasileiros.

Folha - O sr. tem proposto o regresso do autor, a existência também do cidadão e não apenas do escritor. É isso?
Saramago - O cidadão que o escritor é não pode ocultar-se por trás da obra. Ela, mesmo importante, não pode servir de esconderijo para o autor, dar-lhe uma espécie de boa consciência graças à qual ele poderia dizer que está ocupado e não tem tempo para intervir na vida do país.

Folha - Sem tempo para ser cidadão.
Saramago - Exatamente. Embora eu não queira dizer com isto que o escritor deva se considerar, ou ser considerado, um guia espiritual.

Folha - Nem o sr. imagina a volta da arte engajada, não?
Saramago - Realmente não. O que eu digo é que eu tenho, como cidadão, um compromisso com o meu tempo, com o meu país, com as circunstancias, digamos, do mundo. Eu não posso virar as costas a tudo isso e ficar a contemplar minha obra. O futuro irá julgar a obra do autor, mas o presente tem o direito de fazer um juízo sobre o autor, o que ele é.

Folha - O que sobrou, o que é herança da velha história de Portugal e Brasil?
Saramago - Há uma coisa que é o bem comum, a língua, que é a coisa mais importante que nós deixamos no Brasil. A língua, que foi um elemento de unidade neste país imenso. A questão é saber se os portugueses e os brasileiros têm consciência deste bem comum num mundo como este em que vivemos, que é o mundo da competição, da concorrência, um mundo que luta por dominar. Temos consciência de que esta língua é a quarta ou quinta mais falada no mundo? Eu suspeito que não. Eu sinto que falta quase tudo para potencializar esta realidade. Dá até a impressão de que, uma vez que falamos a mesma língua, não precisamos dialogar.

Folha - O que falta?
Saramago - No mínimo um verdadeiro circuito de comunicação interna e, sobretudo, trabalho em comum de brasileiros, portugueses, e africanos de expressão portuguesa.

Folha - Como estamos falando em bem comum, herança cultural, como o sr. vê este processo brasileiro, hoje, de decomposição e recomposição?
Saramago - Para falar com franqueza, ou o povo brasileiro intervém na sua própria vida –o povo, não os segmentos políticos que o representam – torna isto uma prática quotidiana, ou tudo continuará como sempre foi antes. O povo brasileiro mostrou que, em circunstâncias especiais, é capaz de intervir de uma maneira extraordinária no processo.

Folha - O sr. se refere a que momento?
Saramago - A substituição de Collor de Mello, à campanha pelas eleições diretas. Nós sabemos que a carne é fraca, e os políticos são feitos de carne. O que eu me refiro é à ausência de cidadania, do uso da capacidade que cada cidadão tem de intervir na vida do seu país. A partir do momento em que o cidadão renuncia a esta intervenção, o poder real escapa-lhe das mãos.

Folha - Nos seus livros o amor sempre se realiza plenamente, ao contrário da maioria dos autores modernos. É nisto que o sr. acredita?
Saramago - Sim. Se eu não acreditasse nisto povoaria meus romances de pessoas infelizes, casamentos maus. Sei que a vida toda não é um mar de rosas, sei que há quem escreva coisas contrárias ao que acredita mas, para mim, isto é impossível.

Folha - Pessoas de 20, 18 anos. O sr. consegue entender, acompanhar, como são, hoje, as relações amorosas entre elas?
Saramago - Eu tenho dificuldades em compreender exatamente. Penso que há alguma coisa, ligada a movimentos recentes, que levam a mulher para uma posição um pouco mais próxima do lar.

Folha - O sr. pede que, no Brasil, seus livros sejam editados com a mesma grafia dos editados em Portugal. Por quê?
Saramago - Eu sou capaz de entender um livro de um autor brasileiro com sua grafia, modos e sintaxe próprios. E sei que os brasileiros também compreendem o que é escrito à maneira de Portugal. Se eu admitisse a mudança, estaria negando a identidade da língua portuguesa."

Pilar del Río: «Seremos libres si ejercemos nuestro poder cívico» - Publicado no LaMarea (07/05/2020)

Entrevista de Olivia Carballar publicado no LaMarea em 07/05/2020 e que pode ser recuperada e consultada aqui
em https://www.lamarea.com/2020/05/07/pilar-del-rio-seremos-libres-si-ejercemos-nuestro-poder-civico/

"Entrevista a la periodista y presidenta de la Fundación José Saramago 
sobre el concepto libertad en estos días de confinamiento."

"La literatura es un lugar al que siempre volvemos. Cuando empezó todo esto, corrimos a nuestras estanterías a buscar La Peste, de Albert Camus. Buscamos 1984, de George Orwell. Y buscamos, cómo no, Ensayo sobre la ceguera, de José Saramago. Quizá es buen momento también para leer, como adultos, La flor más grande del mundo, escrito por el Nobel portugués.

“Ese cuento lanza una pregunta: ¿y si los mayores tratáramos de aprender lo que venimos enseñando desde hace tanto tiempo? ¿En qué momento nos olvidamos de los valores y el respeto que nos debemos los unos a los otros? El respeto por la naturaleza, el deber de cuidado está ahí, en ese libro de una docena escasa de páginas”, reflexiona la periodista y presidenta de la Fundación José Saramago, Pilar del Río.

Antes de responder, una frase de la Carta Universal de los Deberes y Obligaciones de las Personas propuesta por el escritor: “Mientras los derechos resaltan la libertad, los deberes expresan la dignidad con la que se ejerce la libertad”. Del Río insiste: “La ciudadanía implica deberes. La Declaración de Deberes Humanos, simetría de la de Derechos, existe. Mi trabajo es difundirla como un instrumento más contra el liberticidio”.

¿Qué es para usted la libertad?
Un derecho fundamental, como la igualdad y la solidaridad. Insisto: igualdad y solidaridad junto a libertad. 

¿Cree que en esta pandemia estamos siendo todos igual de libres –o de no libres–? 
En esta pandemia hay quien se está dando cuenta de que hay valores por encima de los intereses. Y que esforzarse, trabajar por el bien común, compensa. Para disfrutar luego más. 

¿Seremos menos libres cuando acabe todo esto, si es que acaba de alguna forma?
No si seguimos ejerciendo nuestro poder cívico: el que hoy nos hace estar en casa y mañana salir a la calle en caso de que algún poder extraño y ajeno quiera conculcar derechos. La sanidad pública, por ejemplo.  

¿Le asusta que la seguridad se imponga a la libertad? ¿Ha sentido angustia en lo que llevamos de confinamiento?
No me asusta que la seguridad se imponga a la libertad, simplemente no lo permitiré. ¿Cómo? Votando. Ejerciendo mi poder. No quiero Estados policiales; quiero, sí, Estados responsables que expliquen argumentando y sin sacar fantasmas para dar miedo. El confinamiento lo llevo bien porque sé que estoy contribuyendo al bien común, aparte de a mi propia salud.

¿Qué papel debe ejercer el Estado en la libertad de todo ser humano? Hay mucha gente enamorada ahora mismo de Portugal…
El Estado debe garantizar la libertad de todos los ciudadanos ya sea en estado de emergencia o en la normalidad, así como el acceso a los bienes comunes de que los ciudadanos conscientes se han dotado y han dotado a la sociedad. De Portugal no te digo nada: desde la Revolución del 25 de Abril hasta ahora los portugueses dan ejemplos permanentemente. Otra cosa es que no los veamos. 

¿Nos acostumbramos a no ser libres con las políticas austericidas tras la crisis de 2008?
No nos acostumbramos. De hecho, se salió a las calles y la política en España cambió, pero el poder económico, ese que no nos representa porque no se presenta a las elecciones, trazó un modelo de ser ciudadano, que ahora volverán a proponer: nos quieren indiferentes, resignados o con miedo. Con ciudadanos así el sistema vive más cómodo y hace más negocios.

¿Nos cambiará el concepto de libertad esta pandemia o volveremos a nuestra individualidad?
Espero que hayamos reflexionado. Y que nuestros sentimientos se asienten en las reflexiones de los intelectuales de este tiempo, esas voces morales que estamos necesitando oír.

¿El ser humano ha sido libre alguna vez? Otro día hablamos de las mujeres…
Seres humanos libres en sociedades que esclavizan, puede ser, sí los hay. Seres humanos libres compartiendo techo con seres humanos no libres, como las mujeres, eso no lo veo. O con los pobres. O los diferentes… En fin, la libertad, sin la igualdad, me parece algo extraño. Por eso apuesto a que la libertad, junto a la igualdad y la fraternidad son derechos, bienes, que hay que conseguir ejerciéndolos cada día. No encuentro otra."