Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 5 de janeiro de 2020

5 de Janeiro de 1995 - "Cadernos de Lanzarote III"

(...) "Quanto ao domínio norte-americano, creio ser ele uma invencível fatalidade: conhecemos-lhe as causas, não lhe ignoramos as intenções, e nada disso foi suficiente para que soubéssemos resistir aos metódicos processos de compressão e laminação cultural de que estamos a ser objecto, com as nossas culturas históricas a perderem rapidamente espessura vital e a coesão. Numa Europa incapaz de questionar-se a si própria, a postura hoje mais comum é a de uma resignação que tocou o fundo.
Escusado será dizer que nenhum estado de espírito poderia convir melhor a um projecto imperial alemão que deixou de dar-se ao trabalho de se disfarçar: ainda o jogo ia no princípio, e já o tínhamos perdido..."

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5 de Janeiro de 1994 - "Cadernos de Lanzarote II"

"De Niterói escreve-me Katia da Matta Pinheiro, que está preparando a sua dissertação de mestrado em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Diz-me que escolheu para objecto de pesquisa o Memorial do Convento, desenvolvendo a hipótese, palavras suas, de que o romance encerra possibilidades como obra historiográfica. (...) Katia faz-me perguntas a que irei responder o melhor que possa.
Os professores têm razão, o autor do Memorial não escreveu um livro de história e não tem nada a certeza de que a sociedade portuguesa do tempo fosse, realmente, como a retratou, embora, até ao dia em que estamos, sempre foi ponto de honra nosso sermos menos que os adversários." (...)

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