Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 18 de janeiro de 2015

Revista Blimunda abre espaço para os fotógrafos da comunidade Instagram


"Neste ano de 2015 a revista Blimunda abre espaço para os fotógrafos da comunidade Instagram. Esperamos imagens relacionadas com o universo vasto da revista, dos livros e da leitura à música, das artes à sociedade, da cultura ao meio ambiente. Com ou sem filtros, a cores ou a preto e branco, queremos partilhar nas nossas páginas o olhar de quem nos lê.
Serão elegíveis para publicação as fotos publicadas no Instagram com a hashtag ‪#‎revistablimunda‬ e depois enviadas para o e-mail blimunda@josesaramago.org.
Os autores das fotos seleccionadas serão informados por e-mail da inserção das suas imagens nas páginas da Blimunda."
#revistablimunda


"Reparar" - Inserção no blog/livro "Caderno" ... hoje tão actual

(a Mulher do Médico e o Cão das Lágrimas, a sombra do desespero e a esperança)

Para ler e consultar,
em http://caderno.josesaramago.org/29823.html

"Reparar"

"Se podes olhar, vê.
Se podes ver, repara.

Escrevi-o para Ensaio Sobre a Cegueira há já uns bons anos. Hoje, quando se estreia em Espanha o filme baseado nesse romance, encontrei-me com a frase nos sacos da livraria Ocho y medio e na contracapa do livro de Fernando Meirelles "Diario de Rodaje" que a mesma livraria-editora publicou com primor. Às vezes digo que com a leitura das epígrafes dos meus romances já se sabe tudo. Hoje, não sei porquê, vendo esta, eu mesmo tive uma súbita percepção, a da urgência de reparar, de combater a cegueira. Será por tê-lo visto escrito num livro distinto daquele a que corresponde? Ou será porque este nosso mundo necessita de combater as sombras? Não sei. Mas se podes ver, repara."

em "O Caderno"
Caminho, 2.ª edição (4 de Março de 2009)

A família Mau-Tempo do "Memorial do Convento" ao "Levantado do Chão"

(...) O meu nome é Julião Mau-Tempo, sou natural do Alentejo e vim trabalhar para Mafra por causa das grandes fomes de que padece a minha província, nem sei como resta gente viva, se não fosse termo-nos acostumado a comer ervas e bolota, estou que já teria morrido tudo, é um dó de alma ver uma terra tão grande, só pode saber quem alguma vez por lá passou... (...)

em, "Memorial do Convento"
Caminho, 20.ª edição, página 235

(Imagem encenação teatral de "Levantado do Chão")


A ler aqui, em http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/saramago/est_dis2.html
"Vieram depois os homens e as mulheres do Alentejo, aquela mesma irmandade de condenados da terra a que pertenceram o meu avô Jerónimo e a minha avó Josefa, camponeses rudes obrigados a alugar a força dos braços a troco de um salário e de condições de trabalho que só mereceriam o nome de infames, cobrando por menos que nada a vida a que os seres cultos e civilizados que nos prezamos de ser apreciamos chamar, segundo as ocasiões, preciosa, sagrada ou sublime. Gente popular que conheci, enganada por uma Igreja tão cúmplice como beneficiária do poder do Estado e dos terratenentes latifundistas, gente permanentemente vigiada pela policia, gente, quantas e quantas vezes, vítima inocente das arbitrariedades de uma justiça falsa. Três gerações de uma família de camponeses, os Mau-Tempo, desde o começo do século até a Revolução de Abril de 1974 que derrubou a ditadura, passam nesse romance a que dei o título de Levantado do Chão, e foi com tais homens e mulheres do chão levantados, pessoas reais primeiro, figuras de ficção depois, que aprendi a ser paciente, a confiar e a entregar-me ao tempo, a esse tempo que simultaneamente nos vai construindo e destruindo para de novo nos construir e outra vez nos destruir. Só não tenho a certeza de haver assimilado de maneira satisfatória aquilo que a dureza das experiências tornou virtude nessas mulheres e nesses homens: uma atitude naturalmente estóica perante a vida. Tendo em conta, porém, que a lição recebida, passados mais de vinte anos, ainda permanece intacta na minha memória, que todos os dias a sinto presente no meu espírito como uma insistente convocatória, não perdi, até agora, a esperança de me vir a tornar um pouco mais merecedor da grandeza dos exemplos de dignidade que me foram propostos na imensidão das planícies do Alentejo. O tempo o dirá."


Uma visão da obra "Alabardas Alabardas Espingardas Espingardas" por Emma Rodríguez - "El legado de José Saramago" (Nueva Tribuna)

"El legado de José Saramago" por Emma Rodríguez 

"El año que acaba de finalizar nos ha dejado literariamente un pequeño regalo que tal vez pasó desapercibido bajo el bosque de las novedades."

Via Nueva Tribuna, para ser consultado e visitado aqui 



"El año que acaba de finalizar nos ha dejado literariamente, entre otras muchas cosas, un pequeño regalo que tal vez pasó desapercibido bajo el bosque de las novedades y que vale la pena valorar. Se trata de Alabardas, la novela que no llegó a acabar Saramago y que llega hasta nosotros, lectores y lectoras, en forma de legado. Se trata de una entrega publicada por Alfaguasra y bellamente ilustrada con grabados de Günter Grass, en la que los tres capítulos que el autor logró culminar y que le mantuvieron ocupado hasta el final de sus días, se acompañan de sus anotaciones sobre el rumbo que habría de tomar ese trayecto literario y de dos textos muy esclarecedores: uno del escritor y periodista italiano Roberto Saviano y otro del poeta y ensayista español Fernando Gómez Aguilera, quien se interroga sobre la última puerta que deseaba abrir Saramago, sobre con qué última historia, reveladora de comportamientos y de encrucijadas, quería sacudir nuestras conciencias y obligarnos a abrir los ojos y a pensar.

El escritor, que supo vaticinar la deriva de las sociedades capitalistas y que siempre creyó, pese a su talante pesimista, que otro tipo de comunidades, más despiertas, solidarias, críticas y éticas, eran posibles, quería contarnos la historia de Artur Paz Semedo, un hombre que trabaja en una fábrica de armas y un día descubre que durante la Guerra Civil hubo empleados que llegaron a sabotear bombas para apoyar a los combatientes de la República, corriendo el riesgo de poner sus vidas y sus destinos en peligro. Este hecho le conmociona, le lleva preguntarse por qué no se conocen huelgas laborales en el ámbito de la industria armamentística, a reflexionar sobre el trasfondo de intereses que está detrás de las guerras y a iniciar una investigación, espoleado por su ex-mujer, Felícia, una pacifista convencida, sobre las ganancias de su empresa durante los convulsos años treinta del siglo XX.

Hasta ahí el relato, un relato contado con un  estilo depurado, con un cierto tono de ironía, que nos deja con la imagen del protagonista buscando documentos reveladores en los viejos cajones de un archivo donde el pasado permanece dormido, pero los márgenes de la ficción se amplían a través de los dos textos citados, textos que sitúan la novela inacabada del Nobel portugués en el contexto de su totalidad y le otorgan a la entrega un interesante tono ensayístico.

La obra de Saramago “se levanta como un monumental hito narrativo empeñado en meditar sobre el mal y el error contemporáneos, atento a las desviaciones del ser humano, concernido, en definitiva, por las múltiples variantes de inhumanidad que nos azotan…”, nos dice Fernando Gómez Aguilera, quien tuvo la oportunidad de escuchar al escritor hablar de las búsquedas que le animaban al final, de los planes para la que iba a ser, si le llegaba la vida, su última aportación a la literatura.

Quería Saramago que Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas, que iba a ser el título de la historia, fuese, en palabras del ensayista, “una novela de ideas con un fuerte componente de reivindicación y provocación, un revulsivo de filosofía moral para la conciencia de sus lectores, tomando como referencia el inhóspito y lacerante mundo de la producción y el uso de armas”. Quería “diseccionar la paradoja moral del empleado ejemplar, capaz de abstraerse en su rutina de las consecuencias derivadas de su disciplinada eficiencia profesional”. Y, junto a él, como antagonista, dejó trazado el perfil de una mujer “que reúne incomodidad y verdad” y que participa del “brío y del empuje característico de las protagonistas femeninas reconocibles en su obra, portadoras de una llama de esperanza y grandeza”.

Seguimos leyendo a Gómez Aguilera, para quien, en última instancia, lo que pretendía el escritor era “construir su visión sobre la banalidad del mal, el controvertido asunto que Hannah Arendt pusiera encima del tapete intelectual”. “Por desgracia, el mal también es una costumbre superficial, fútil, además de una amenaza permanente para el orden social”, argumenta. “Una estructura comunitaria, si persigue alcanzar éxito, al menos relativo, requiere de seres responsables, coherentes, concernidos por la búsqueda del bien, dueños de una voluntad crítica, dispuestos, en fin, a reconocer y reconocerse en el nuevo derecho humano de objeción y desobediencia que propuso Einstein (…) el derecho o el deber que posee el ciudadano de no cooperar en actividades que considere erróneas o dañinas”.

Todos esos asuntos, a los que tantas vueltas daba Saramago, laten en el fondo de las páginas que ahora llegan hasta nosotros. No sabemos qué destino hubiera sido el de esos personajes ni qué derroteros habría seguido la acción, pero bastan los tres capítulos que dejó escritos para, como hace Roberto Saviano, imaginar posibilidades y continuaciones. El escritor italiano, perseguido por la Camorra por investigar y contar en sus reportajes y libros las tramas del crimen organizado, recuerda una frase de Ensayo sobre la ceguera en la que se dice que en la vida “siempre llega un momento en que no hay más remedio que arriesgarse” y, a partir de ahí, rinde homenaje a quienes no han dudado en hacerlo, aún jugándose la vida..."