Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Quando o artista plástico acrescenta algo à obra original - João Amaral e o álbum BD baseado em "A Viagem do Elefante"

No post anterior, dei destaque ao artista plástico José Santa-Bárbara pela criação e estilização das personagens do "Memorial do Convento"; agora sob o mesmo titulo "Quando o artista plástico acrescenta algo à obra original", trago João Amaral que publicou (2014) o álbum de Banda Desenhada baseado na obra "A Viagem do Elefante".
Quem leu o original de José Saramago (2008) e depois teve a feliz oportunidade de passar pela experiência de conhecer os traços, as pranchas, o volume das personagens e paisagens de enquadramento, por certo, sentirá uma fusão do que foi lido e depois percepcionado na Banda Desenhada. Está lá o espírito do autor, a sua (de ambos) ironia, a cumplicidade e as formas das palavras.
Esta obra está incluída no PNL Plano Nacional de Leitura, e pode ser adquirida através da Porto Editora (http://www.portoeditora.pt/produtos/ficha/a-viagem-do-elefante-bd?id=16006645), ou da loja situada na Fundação José Saramago, e em qualquer boa livraria.
E assim o artista plástico acrescenta algo à obra original.

João Amaral apresentando a obra na Fundação José Saramago

Aqui entrevista de apresentação da obra, via "Casa das Artes e Conhecimentos"
Pode ser visualizado via YouTube, aqui

Sinopse de apresentação da entrevista
"A propósito da adaptação da Viagem do Elefante da obra de José Saramago, prémio Nobel da Literatura, para banda desenhada, aqui se reúnem em conversa Pilar del Río, João Amaral e João Caldeira.
Pilar del Río, Presidenta da Fundação José Saramago, dispensa apresentações, João Amaral é o autor da BD e João Caldeira o fundador da Casa das Artes e Conhecimentos.
A Obra de Saramago e as suas múltiplas adaptações, bem como o valor dessas adaptações e o lugar que ocupam, é dos assuntos abordados.
A Viagem do Elefante e as suas mensagens profundas, é um tópico de destaque nesta conversa.
Uma conversa que irá revelar um pouco mais sobre esta obra inserida no mundo de Saramago.
Um apontamento realizado na Fundação José Saramago."

Referências:
Pilar del Río (Presidenta da Fundação José Saramago): http://www.josesaramago.org
João Amaral (Autor do álbum): http://joaocamaral.blogspot.pt
João Caldeira Monsanto (Casa das Artes e Conhecimentos): http://www.arteseconhecimentos.com

(Capa da obra)


Alguma imagens da obra






Quando o artista plástico acrescenta algo à obra original - José Santa-Bárbara "Vontades Uma Leitura de Memorial do Convento"

É unânime afirmar-se que só as grandes obras literárias merecem ser adaptadas em outros formatos.
Seja no teatro ou cinema, banda desenhada ou pinturas. O "Memorial do Convento" foi publicado em 1982 e já teve 54 edições, a última das quais em 2014 pela Porto Editora, e traduzido para um número de países que torna a obra com carácter universal (http://www.josesaramago.org/memorial-do-convento-1982/)
Aqui recupero e destaca-se a obra do artista plástico José Santa-Bárbara, "Vontades Uma Leitura de Memorial do Convento" que o Professor Carlos Reis, também estudioso da obra de José Saramago, deu especial destaque e relevo.
Das suas palavras e que podem ser consultadas no site "Figuras da Ficção", em https://figurasdaficcao.wordpress.com/category/jose-santa-barbara/ deixo com a devida referência ao autor o seguinte:

(Capa do catálogo Vontades)

«A 19 de agosto de 2001, foi inaugurada na Biblioteca Nacional, em Lisboa, uma exposição do artista plástico José Santa-Bárbara, intitulada Vontades. Uma Leitura de Memorial do Convento.
O motivo e os temas da exposição eram evidentes: o pintor fizera uma leitura de Memorial do Convento e as obras exibidas traduziam, num outro medium, o resultado dessa leitura. Recordo brevemente o que foi a mencionada exposição (que à época conheceu assinalável êxito de público), tal como o catálogo a testemunha: trata-se de 35 telas, compreendendo 11 estudos, com uso de diferentes técnicas e predominância do óleo  e da têmpera vinílica sobre papel colado; todos os estudos recorrem ao pastel, com uma exceção (uma aguarela). A feição geral das obras  revela-nos um conjunto de figuras com rostos alongados, individualmente e em grupos, pintados em cores sombrias e envoltos por uma atmosfera pesada e dramática.

Um dos episódios mais importantes da obra - O desfazer do jejum de Blimunda

Trata-se, neste conjunto pictórico, sobretudo de personagens, para usar um conceito que provém do romance e que aqui é pertinente. E parece estranho, à primeira vista, que nenhum dos quadros fixe a monumentalidade do convento que dá título ao romance: ele aflora apenas e de forma parcelar ou implícita em episódios (e em telas) como, por exemplo, “A ara de Cheleiros”, “Infanta gatinhando”, “Os fazedores do capricho” e sobretudo  “Os passatempos d’El-Rei”. Para além disso, o pintor fixou-se em temas e em contextos que, articulando-se com as personagens, desde logo sugerem o reiterar de componentes ideológicos que semanticamente estruturam a história contada no romance: o esforço anónimo dos operários, os cenários da Inquisição, a construção da passarola voadora. Aqueles componentes ideológicos e também, naturalmente, o tempo histórico em que transcorre a acção do Memorial do Convento, ou seja, o século XVIII português e o reinado de D. João V, que a História, digamos, oficial fixou com o cognome de Magnânimo.

Ilustração do Rei Dom João V

Encontram-se no catálogo Vontades. Uma Leitura de Memorial do Convento breves textos que constituem uma boa abertura para a análise de um diálogo  desenvolvido em função da triangulação História-ficção-pintura. Num deles, é o próprio pintor quem nota que Saramago “deu nome aos fazedores do capricho, João Francisco, João Elvas, Manuel Milho, Julião Mau-Tempo, José Pequeno, Francisco Marques, Joaquim da Rocha, Baltasar Mateus, Blimunda”; e logo depois cita o conhecido passo do Memorial do Convento em que são alfabeticamente elencados os nomes dos tais fazedores: “Torná-los imortais, pois aí ficam, se de nós depende, Alcino, Brás, Cristóvão, Daniel, Egas, Firmino, Geraldo…”

Baltasar Mateus o Sete-Sóis e Blimunda a Sete-Luas

 Ou seja, todos os nomes, sem título de distinção social ou apelido de família, remetendo-se deste modo e por antecipação para a lógica da nomeação do desconhecido que reencontraremos num outro romance de Saramago, precisamente Todos os Nomes (1997). Por fim: “Aqui fica a minha «leitura» d’aquilo que para mim é a verdadeira História” (Santa-Bárbara, 2001: [4]). Como quem diz (repare-se nas aspas): há uma «leitura» outra, que não é modelizada em palavras, mas em imagens, e a “verdadeira História” requer a questionação (ideológica, bem entendido) da versão oficial que uma outra História tratou de instalar no imaginário que dela se alimentou.

Carlos Reis (A publicar em ANTHROPOS. Cuadernos de cultura, crítica y conocimiento.  Ilustrações do cabeçalho:   pormenores de quadros de Vontades). - 28/12/2012 

Baltasar Mateus