Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

"Presidenta" ... e não são necessárias mais palavras (Caderno livro/blog - 16/03/2009)

(Fotografia referida datada de 1977



Pode ser consultado e lido
em http://caderno.josesaramago.org/31612.html

"Presidenta"

"Este texto cerra meio ano de trabalho. Outros trabalhos e anos sucederão a estes se os fados assim quiserem. Hoje, por coincidência dia do seu aniversário, o meu tema é Pilar. Nada de surpreendente para quem quiser recordar o que sobre ela tenho dito e escrito em já quase um quarto de século que levamos juntos. Desta vez, porém, quero deixar constância, e supremamente o quero, do que ela significa para mim, não tanto por ser a mulher a quem amo (porque isso são contas do nosso rosário privado), mas porque graças à sua inteligência, à sua capacidade criativa, à sua sensibilidade, e também à sua tenacidade, a vida deste escritor pôde ter sido, mais do que a de um autor de razoável êxito, a de uma contínua ascensão humana. Faltava, mas isso não podia imaginá-lo eu, a idealização e a concretização de algo que ultrapassasse a esfera da actividade profissional ou que dela pudesse apresentar-se como seu prolongamento natural. Foi assim que nasceu a Fundação, obra em tudo e por tudo obra de Pilar e cujo futuro não é concebível, aos meus olhos, sem a sua presença, sem a sua acção, sem o seu génio particular. Deixo nas suas mãos o destino da obra que criou, o seu progresso, o seu desenvolvimento. Ninguém o mereceria mais, nem sequer de longe. A Fundação é um espelho em que nos contemplamos os dois, mas a mão que o sustém, a mão firme que o sustém, é a de Pilar. A ela me confio como a qualquer outra pessoa não seria capaz. Quase me apetece dizer: este é o meu testamento. Não nos assustemos, porém, não vou morrer, a Presidenta não mo permitiria. Já lhe devi a vida uma vez, agora é a vida da Fundação que ela deverá proteger e defender. Contra tudo e contra todos. Sem piedade, se necessário for."

em "O Caderno"
Caminho, 2.ª edição
(16 de Março de 2009)

Saramago em entrevista à Bomb Magazine (06/2001) aborda o elemento "Amor" nos seus romances

No livro de João Céu e Silva é abordada a questão da construção do novo livro (A Viagem do Elefante) e o espaço que este pode abrir para uma nova abordagem ou reformulação do seu estilo literário.

(Capa do livro de banda desenhada, baseado na obra "A Viagem do Elefante"
de João Amaral - Porto Editora)

"Vai, então, começar uma nova fase dentro do seu estilo literário?
Não, com esta idade não se vai aprender... Neste livro aconteceu, pela própria natureza e pela própria história que tenho para contar, que me tinha de afastar daquilo que fiz até agora. Tinha forçosamente de ser, basta dizer que é o meu primeiro romance em que não haverá uma história de amor. E não é porque já se tivesse dito tudo sobre o amor, é que não cabe ali e seria um postiço artificial. É a viagem de um elefante e o que é que acontece? O elefante pensa, não sei. E se pensa, não sei em que é que consiste o pensamento dele. O elefante observa, raciocina sobre o que vê ou sente, não sei. Não sabemos nada. Então não vale a pena fazer como tantas vezes se fez, com resultados esteticamente mais ou menos improváveis, onde se antropomorfizou o animal. Separa-nos um abismo e mesmo nos casos em que, como nos chimpanzés e outros símios, há motivos para ver toda esta gente como uma família mas mesmo assim a diferença existe. O que é que se pode contar sobre um elefante que está a fazer uma viagem? O elefante é levado, não vai pelo seu pé. Não vai porque não saberia aonde ir e se soubesse onde ir não saberia como lá chegar. Então, dá isto para uma história a que eu chamo A Viagem do Elefante? Eu creio que sim, que dá. E a dificuldade está em a tornar plausível."

em "Uma longa viagem com José Saramago"
Porto Editora, página 289

E esta alusão de Saramago às histórias que constrói nos seus romances, abriu espaço para que João Céu e Silva recuperasse um "momento" de uma entrevista concedida a Katherine Vaz (Bomb Magazine - 23/06/2001). O amor como elemento não planeado ou pré-existente, mas que acontece decorrente da «variável constante da humanidade». Por outras palavras, acontece porque tem que acontecer e porque as personagens assim o obrigam. Em "A Viagem do Elefante", não acontece.

(Capa da revista Bom Magazine)

Entervista pode ser consultada e lida
em, http://bombmagazine.org/article/3565/jos-saramago 23/06/2001


Katherine Vaz You once said that after winning the Nobel, all the traveling and appearances made you feel like Miss America. Is that still true?
José Saramago No, no, I’d never be Miss America. I said it was as if I was Miss Universe. Because America is not yet the universe!

KV I’d like to address your passion for writing about people who are often invisible or unrecognized. You’ve mentioned that even when Michelangelo and the Sistine Chapel are discussed, the name of the assistant who ground the paints is left out. In Baltasar and Blimunda, when you talk about the building of the gigantic monastery in Mafra, you call the reader’s attention to the silversmiths, lace-makers, clock-makers, carpenters. I think of them as the people whose blood is left hiding in the stones.
JS My intention is to not leave people who come into this world in the dark. Obviously we can’t give voice to everyone, but our culture demands that we speak only of things of obvious importance, or of those who leave the completed work of art. But often–I could say always–whether it’s a painter, writer, sculptor or musician, there are others who leave traces within any given work. You bring up Michelangelo; there had to be an apprentice who was moving the cans of paint or producing landscapes off in the atelier. Then the master came in, painted, retouched his assistant’s work, and signed his name.

KV You’ve emphasized a certain obligation toward those people and their names. For me, the most striking illustration is in Baltasar and Blimunda, when the men transport the enormous stone required to make the door of the monastery. The action continues for many pages, forcing us to be there with the men as they struggle to get the stone slab past trees and around corners. Some oxen are killed by it, and Francisco Marques’s legs are severed. This happens while he’s thinking of how much he wants to go home and make love with his wife. We’re asked to see his life and blood and desire to love literally sacrificed for King Dom João V’s arrogant request to have this door.
JS Yes, yes, Francisco Marques is fictional, he never actually existed, but I mean for him to demonstrate that complete death is the absence of remembrance. Most people will never have any record left except a bureaucratic one. What do you call it here? A “vital statistic,” nothing else. In Baltasar and Blimunda, when I present Francisco Marques or list those twenty or so names by letter–A, B, C, D, to Z–I want those fictional characters to represent all those human beings who never get mentioned. My point is to stop them from being ignored people. I write them down on the page because that’s my best means of conveying this notion; I write books. Francisco and the rest of them are there to shed light, to tear away the remaining shadow that covers the majority of humanity.

KV Where does it come from, your need to do this?
JS If I’d been born into a rich family and had had an easy life, this probably would not be an important issue for me. But since I come from poor people, a family from the working class, I consider this type of justice to be necessary.

KV I’m reminded of your speech yesterday, when you mentioned your brother who died at the age of four. You called him the co-author of All the Names. Can you explain that a little more?
JS I can’t pinpoint what stage of creation I was in, but I decided to write an autobiography–an unusual one that would cover only my first 14 years. But addressing my childhood was going to be difficult, because I had to include my brother, who was two years older and died when I was only two. I did not know the exact date of his death. I had some information about his dying of bronco-pneumonia in 1924, four or five months after my parents moved to Lisbon, and I set out to put together the facts. I requested his birth certificate from our native town (Azinhaga, in the central Ribatejo section of Portugal), and what I received went against everything I had known: it showed that my brother was alive. No date of death was written down.

I then asked for a death certificate from the hospital (Instituto Câmara Pestana) where my parents had told me that he died, and the answer came back that he’d never been there. No trace existed. But they did send me some papers showing that I myself had been a patient for four days! So I had my temperature charts. If it mattered to a biographer, he could say that on such and such a day, José Saramago ran a temperature of 38.5. At least the hospital wasn’t saying that I had died there.

After researching the eight cemeteries of Lisbon and the archives in Lisbon’s City Hall, the truth fell into place: the date of death (December 22, 1924) and the date of burial (two days later in the Cemetery of Benfica). And in fact he really had died in that hospital. But those original, central records had blank spaces. My brother was born in 1920 and today would be 80 years old. If I keep quiet, if I fail to inform the Department of Vital Statistics about their error, then two hundred years from now, some scrupulous employee will say, “Somewhere out there is an old man named Francisco who’s 240 years old! It must be a miracle!”

Tomorrow, if I request another copy of my brother’s birth certificate, it will still be issued missing the date of death. I think I’ll leave him the way he is–alive.

KV So your brother is a presence in All the Names? The main character, José, a clerical worker, becomes obsessed with tracing the life of the nameless woman whose record falls by accident into his hands.
JS My brother’s story didn’t make it into my book, but it had a direct connection to the one I told, about people’s names and the atmosphere of a central registry and the dead’s place among the living. That’s why I consider him a coauthor.

KV José eventually becomes consumed with finding out why this unknown woman committed suicide. He breaks in to spend the night at the school that she attended, where she later taught math; he speaks to her parents, her neighbors. He goes to her former residence. But no one can help him get to her essential mystery. Likewise, when the dead poet Fernando Pessoa visits his heteronym, Ricardo Reis, whom you present as a living character in The Year of the Death of Ricardo Reis, he tells him that he can’t really hope to know anything about Lídia and Marcenda. Pessoa remarks, “…the wall that separates the living from one another is no less opaque than the wall that separates the living from the dead.”
JS The “real dead” would never die if we kept on thinking about them. Maybe it comes down to this: what is it that we fear about the dead? Because what we derive from them are the same things we get from the living; we have memory connected to them, we have their work, we have whatever they left behind. If we stopped worrying about the fact that the dead are dead, we could defeat many of the oppositions we construct between the dead and the living, and we could continue life through memory. There’s memory of the past–meaning all that existed, and there’s memory of the future–the things that people have done or not done that end up leaving a mark on the future. However you want to describe it, we have a continuing relationship with past events, with people, beyond divisions of life and death.

Nowadays we’re preoccupied with not recalling the past, with declaring that memory has no importance. The new generations are not interested in what happened to their parents or grandparents: only what matters today and perhaps tomorrow. This is a disease, a mortal illness. People who have amputated themselves from their own memories become a species of zombies. The irony is that we’ve developed this consciousness–or lack thereof–according to our country, attitudes, and language–all things that could only exist through memory! A plant has no memory. We should expect better from sentient beings.

KV In terms of memory and the naming of names, I’m wondering if you’ve seen the Vietnam Memorial in Washington, D.C. There’s a scar in the earth, and–
JS That’s pure rhetoric! Pure rhetoric. You can fill the earth with evocative monuments, and for the first few times people see them they make associations; what they observe induces a feeling. But as time passes, our eyes glance indifferently over these things. What remains is the aesthetic value of the piece, but the point is not to have people think that something is a beautiful and evocative artwork; the point is to continue contemplation, toward what’s fundamental. The only authentic place to store memory is in people’s heads.

I don’t wish to be offensive, but it’s a fact that the United States has a particular talent in promoting and feeding historical memories that end up becoming quite superficial, rather than developing a committed, authentic conscience. Maybe I’m wrong. But monuments tend to be in designated areas, apart from where people actually reside, so it becomes easy for us to set any deeper meanings aside from contact with our daily lives, from affecting us in the places we occupy.

I’m also quite skeptical about flags or military music; these are designed to mobilize people. The first flag, in ancient Egypt–what we might consider the precursor of all the world’s flags–was the uterus of a cow hung on top of a stick and elevated. We’re supposed to give a cry of emotion and raise our arms against the enemy–because of that? In my opinion, if people were to look at flags from that perspective, much of the solemnity and patriotic rhetoric would fade out.

KV Can we agree that the world falls apart in small ways, but also in overwhelming, large ones? That’s the sense I get from your descriptions, that everything can come loose from its moorings without warning–the entire Iberian Peninsula in The Stone Raft. Gangs roam in Blindness and The Gospel According to Jesus Christ. In The Year of the Death of Ricardo Reis, the title character searches for his love, Marcenda, who might be at the shrine of Fátima because of her paralyzed left arm, but instead of going there, he wanders alone through a crowd beseeching God for a miracle. Then he’s enveloped in the madness of fascist Lisbon. In all these scenes of tumult the backdrop of the world often becomes like a rendition of La Guernica.
JS In fiction, the narrative is obviously about individuals, but to do that effectively, to convey the personal situation of one, two, or three people, the author must understand that everything is set in the context of history. We are “subjected,” the subjects of history. One can’t forget what is behind us and what exists now in a world that is fragmented, chaotic, corrupted, and always moving toward the unknown. We appear on this planet, we try to give our actions meaning, but when the sun finally disappears there won’t be anyone left to talk about it. The Divine Comedy and The Brothers Karamazov will be over. Don Quixote will be over, Beethoven’s Ninth Symphony will be over, as well as the Seventh and the Sixth and all the others, and therefore we will vanish. Humanity will become an insignificant episode in the universe.

KV In Fernando Pessoa’s “Tobacco Shop,” the narrator reflects that one day both he and the shop’s owner will die. The poet will leave his verses and the tobacconist his signboards, but both will perish–it’s only a matter of time–and so will the street with the shop, the language of the verses, and eventually the planet.
JS Let me add to that perspective: it doesn’t imply that there’s any orderly progression to the end of things. I don’t believe that God exists, but let’s suppose for the sake of argument that He does. How can we reasonably think that He devised a universe like this one, one that makes no sense? If He created all those distances, those billions of light-years, why are we confined to this tiny spot? There must have been a time when we populated the whole universe, but because we behaved so badly God cleared us out and put us here; the rest of His creation surpassed us. Pessoa asserts that time will end everything, but I think we ourselves will help time along. I suspect that if there is a God, He is waiting for us to put a final end to our existence. We certainly keep trying to do just that.

KV But haven’t you also implied that we can create dignity and compassion? That we can reclaim history if we respond to what passes as the official word with a “no”? Then we’ve set up an obligation to find another answer, a “yes.” Isn’t there something redemptive or creative there?
JS No, compassion is what would save us, reclaiming history would help us–so why don’t we see much of it? Let me explain myself. Most of us know already that so-called official history is a fiction. Historians write about Portugal, or Spain, or the United States of America, or wherever, by collecting some facts and a certain number of characters–and so they leave out all the rest. Deciding to write a conclusive book about “The Past” is inconceivable, because by definition it’s impossible to include everything. What if I wanted to write a book called Pilar del Rio [Saramago’s wife]? Or your “complete” story? Or mine, or anyone else’s? We pick certain facts, we try to be coherent. And then someone comes along and claims that we’ve written the truth and it gets put on television. Nothing should ever be considered so correct that we could not also reply with a “no” or “perhaps.”

But giving such a radical “no” to every answer would be considered anarchic; it would suggest that everything should be questioned. “No” creates a revolution. Raimundo (The History of the Siege of Lisbon) is curious, he’s doubtful, and he changes the entire history of a city, the lie about it, by inserting one true negative word. The reality is that a “no” often, inevitably, undergoes the process of becoming the norm. And it becomes necessary to fight the subsequent “yes” with another “no.” This isn’t destruction for the sake of destruction; it’s constructive, ongoing discourse. For instance, we’re aware that power can corrupt, that a lack of ethics can overtake the revolutionary who overthrew a power that very much needed a “no” applied to it. Today’s world, unfortunately, is one big “yes,” a self-centered “yes,” the “yes” is everything. There are very few people in today’s world who continue to bring forward the “no.”

KV What role, then, does memory serve in recalling history? In One Hundred Years of Solitude, the disease of forgetfulness infects Macondo. There is a strong undercurrent later about the need to remember in order to defeat forgotten episodes of history. In this case, that means keeping alive the memory of the massacre that occurred during a protest against the United Fruit Company. History may be inexact, but aren’t there things that exist as indisputably true, without equivocation?
JS Well, sure, yes, but the truth there wasn’t recorded, the official local history omitted the incident, that was the point; it was left to the memories of the people to say no, to provide the truth.

There cannot be any writing without memory. Writers are constantly nourished by what they remember–in fact, everyone is. Memory is our deepest actual language. It’s our storehouse of riches, our gold mine or diamond mine, and we need to keep it open, to keep in mind the importance of childhood events that will somehow condition our life and character as adults. What would happen to someone who forgot those experiences? If we have no memory, we are nobody, and nothing is possible.

KV You once said, “Perhaps it is the language that chooses the writers it needs, making use of them so that each might express a tiny part of what it is.”
JS No, I never said that!

KV Okay, okay, forgive me. The narrator of The Year of the Death of Ricardo Reis says it. Do you agree with that yourself? Did the Portuguese language choose you? What part of it have you expressed?
JS This is a common situation for writers–I’m not sure I can make sense of those words. We write things, we evaluate them later as good or terrible, we rethink. Maybe we should keep this as a metaphor instead of a rigorous belief: language needed Luís de Camões, Camilo Castelo Branco, Fernando Pessoa, and because it went looking for them, it found them. Or maybe we can say that we don’t see language creating the writer during the precise, living moment of writing, but when we observe the history of literature, our perspective enables us to observe language in its growing expressiveness.

KV Shall we finish by addressing the practical matters concerning those precise, living moments of writing? How do you manage to write while you travel?
JS When I have something to say, I have to create the conditions for writing it, and with the life I am leading, that’s not always easy. I’ve traveled lately to Italy and Germany, to Timor and America, and Pilar and I recently spent a month in Lisbon. But even with all the traveling as a result of the prize in 1998, I do manage to write, although things might take me a little longer. I only write at home. I can’t write in hotels, or at a friend’s house–totally impossible! I’m just incapable of it, nothing comes out, and that’s that. But when a work is outlined, when I have the idea, it becomes an obsession. I wanted La Caverna to be published this year (in Portugal), and fortunately that will happen. My better half would say that my focus and concentration make this possible.

KV Do you still produce two pages faithfully every day that you’re working?
JS For La Caverna, I was writing four pages a day. It’s a matter of mental organization. It may not seem like a lot, but–

KV Four pages a day every day is a lot.
JS It helps that I start out with a fairly clear idea of what I’m going to say, of certain situations. I have a relationship with my writing that is probably uncommon, which I compare to the growth of a tree that’s been planted and grows and grows in a way that seems simultaneously expected and unexpected. It’s expected, because if we’ve just planted an olive tree, we know what the result will be; olive trees are easy to recognize. But there’s a large degree of unpredictability, in that no two olive trees are alike. Similarly, a book takes root and grows with its own logic.

I don’t write 40 pages and go back to transform them into 80; I don’t go back and rewrite 120 and transform them into 200.

I don’t begin with a detailed outline. To predetermine a story too much is to oblige it to exist before it comes into existence. No, all my books begin as books and branch out by being written, and then they come to an end.

KV Without revisions?
JS I perform a final revision, editing out unpleasant repetitions or errors. I go through everything carefully. Now, what I want to say is this: my method is not haphazard. My books give the reader an impression of solidity, of a real structure. But this is not the result of pulling out a rotten passage, calling it weak, and strengthening it. It’s because the book began as itself and I guided it to grow solidly. As the author, I retain control, of course. Sometimes I say that writing a novel is the same as constructing a chair: a person must be able to sit in it, to be balanced on it. If I can produce a great chair, even better. But above all I have to make sure that it has four stable feet. A chair with three feet promises a fatal fall. No three-footed chair will last.

Writing is my job. It’s the work I do, what I build. I don’t believe in inspiration. I don’t even know what that is. What I know is that I have to decide to sit down at my desk, and inspiration isn’t going to push me there. The first condition for writing is sitting–then writing.

KV There’s a great deal of talk about your novels being books with ideas, but I find that very often–despite your claim as a pessimist–they contain beautiful stories about love and compassion.
JS It never happens that when I’m writing a new book I preplan a love story for it. But in the process of narrating something, in dealing with the circumstances, love enters in as a constant human variable. So it’s possible that in the middle of a story love will spring up, but I don’t specifically intend that. It’s different in every book.

KV In The History of the Siege of Lisbon, Raimundo’s love story grows out of his writing a “no” in a book he’s proofreading. He reverses the history of Lisbon, and suddenly his lonely personal life is turned around.
JS And he meets Maria Sara, who finds that “no” so attractive. Sometimes absolute love occurs; for instance, for Baltasar and Blimunda, and that’s a curious case. When I got to the end of writing that novel, I realized that I had composed a love story without any words of love: no “light of my eyes,” “I love you,” “star of my life”–those sorts of things. A reader might imagine that these omissions were deliberate. It wasn’t like that! I was surprised at this myself. And yet readers have found it a moving, passionate love story. It would have interfered with the book and with the integrity of the characters to have gone back and added those plain spoken words as an afterthought.

At this point in our interview, Saramago’s wife Pilar moved to the couch to sit next to him. He reached out to put his arm around her as she lowered her head to his shoulder.]

My books turn out to be unusual in matters of love. In All the Names, Senhor José has the awkward situation of being in love with someone he will never meet. Even in Blindness, in that terrible environment, we have the Doctor and his wife, and the Young Woman with the Dark Glasses and the Old Man. These are love stories out of the ordinary, but I think it’s for a reason. The love is predetermined by the character of the women who enter the picture. The women who come into my stories–it’s all thanks to them. They’re the ones, these women with their capacities and affection, who make everything extraordinary.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Revista Blimunda - Edição digital para descarregar ... recuperamos o #8 Janeiro de 2013


(Capa da edição #8 - Janeiro de 2013)

Pode ser consultada, descarregada gratuitamente ou lida directamente

Sinopse
"O primeiro número da Blimunda neste ano de 2013 centra-se nos universos da BD e do jornalismo, meios aparentemente distantes mas cada vez mais cruzados. Centrando-se em obras de Joe Sacco, Aleksandar Zograf, Jean Philippe Stassen ou Ricardo Cabral, Sara Figueiredo Costa procura apontar caminhos para novas expressões de realidades mais próximas ou mais distantes.

Na secção infantil e juvenil, Andreia Brites recorda Manuel António Pina e fala do tempo e de gatos, no mês que é o deles, visitando a coleção Gato Letrado, da editora brasileira Pulo do Gato, e quatro títulos da portuguesa Planeta Tangerina. A acompanhar os textos, as fotografias de Manuel António Pina e dos seus gatos, de autoria de Luísa Ferreira.

A terminar, a Saramaguiana volta atrás trinta anos para celebrar o trabalho do encenador Joaquim Benite, desaparecido no último mês do ano que há pouco terminou. É o “construtor de teatro”, o construtor de vida que aqui se homenageia, recordando as suas encenações de textos de José Saramago. Talvez a melhor forma de mostrar que o seu trabalho, o seu legado continua vivo na cidade de Almada, em todos os palcos e, também, nas páginas da Blimunda.

Por fim, um agradecimento a Luísa Ferreira e à Companhia de Teatro de Almada, pela disponibilidade e amizade."

Citador #26 ... cegos da razão

Citador #26
Entrevista ao JL (25/10/1995)
Citação baseada na explicação da génese da obra



"Estamos cada vez mais cegos, porque cada vez menos queremos ver.
No fundo, o que este livro quer dizer é, precisamente, que todos nós somos cegos da Razão."

(baseado na obra "Ensaio sobre a Cegueira)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Massaud Moisés «Nos ‘Cadernos de Lanzarote’, a imagem do ‘eu’ de José Saramago» - Análise

Caderno I - 1994 - ”Este livro, que vida havendo e saúde não faltando terá continuação, é um diário”

Caderno II - 1995 - "Um ano depois, o autor prossegue o desafio. Dia após dia, Saramago não esconde pormenor."

Caderno III - 1996 - "A comunicação social portuguesa, em particular imprensa e rádio, comportou-se uma vez mais com acendrado patriotismo, apregoando aos quatro ventos as qualidades que exornam aqueles a que chama, num rasgo verdadeiramente criativo, “nomeados” ou “candidatos” ao Prémio Nobel de Literatura."

Caderno IV - 1998 - "Mais uma vez Saramago a contar os dias pelos dedos, e a meditar sobre os eventos, as pessoas, as paisagens, as políticas."

Caderno V - 1998 - "O relato da vida quotidiana do escritor, dos episódios íntimos da criação literária às mais corajosas tomadas de posição, nos quatro cantos do mundo."

Pequenos excertos retirados da página da Fundação José Saramago, a propósito da colecção dos "Cadernos de Lanzarote"

(Imagem de capas dos cinco cadernos)


Nos "Cadernos de Lanzarote", a imagem do ‘eu’ de José Saramago, 
por Massaud Moisés (29/05/1999)

Pode ser lido e consultado online,


"Num estilo que preserva, ou mesmo intensifica, a oralidade dos romances, graças à instantaneidade requerida pela anotação dos eventos cotidianos, os diários do escritor português, cujo segundo volume acaba de ser lançado em edição brasileira, reúnem condições para atrair e ampliar o círculo de leitores do último ganhador do Prêmio Nobel de Literatura – o primeiro de um autor de língua portuguesa"

"É sabido que os ficcionistas, sobretudo os prolíferos, sempre dão a impressão de estar redigindo um diário enquanto fantasiam e constroem o enredo das suas narrativas. Ou, ao menos, de pensar no registro do seu dia-a-dia de modo a recolher o vaivém da sorte e a matéria que não cabe nas suas histórias ou ainda não sofreu o caldeamento imaginário para converter-se em obra literária. Se muitos escritores férteis se contentam com a transfiguração do seu viver cotidiano, aproveitando dele aquilo que mais lhes serve como fonte de inspiração, outros há cuja experiência diária, variada e múltipla, extravasa a ponto de requerer um espaço próprio. É o caso de José Saramago.

As circunstâncias o levaram a preferir a ilha de Lanzarote a Lisboa, num momento em que a sua obra havia alcançado renome internacional. O resultado não se fez esperar: os Cadernos de Lanzarote. Iniciados em 15 de abril de 1993, cinco volumes já foram publicados. Os três primeiros, correspondentes aos anos de 1993, 1994 e 1995, foram reunidos num largo tomo de 664 páginas e lançados pela Companhia das Letras, em 1997. Agora vêm a público pela mesma editora os Cadernos de Lanzarote II (...), enfeixando os anos de 1996 e 1997.

Que o autor tinha plena consciência do artefato que lhe saía das mãos, dizem nitidamente as palavras de abertura a toda a série. E dum tal modo que praticamente funcionam como guia ao navegante que se lança nas suas ondas. Diz ele: “Escrever um diário é como olhar-se num espelho de confiança, adestrado a transformar em beleza a simples boa aparência ou, no pior dos casos, a tornar suportável a máxima fealdade. Ninguém escreve um diário para dizer quem é. Por outras palavras, um diário é um romance com uma só personagem.” De onde ter ele sentido “a necessidade de juntar aos sinais que me identificam um certo olhar sobre mim mesmo. O olhar do espelho”. E por fim, para a tranqüilidade do leitor, avisa que “este Narciso que hoje se contempla na água desfará amanhã com a sua própria mão a imagem que o contempla”.

Como se vê, tem-se o esboço duma teoria do diário e, a um só tempo, as notas caracterizadoras dos Cadernos, ao ver de José Saramago. Sem entrarmos a fundo nas questões implícitas nessas palavras de pórtico, de resto encimadas por uma significativa epígrafe tomada de empréstimo a Ortega y Gasset (“Eu sou eu e a minha circunstância”), podemos observar que os Cadernos constituem um diário em que há de tudo, desde as trivialidades do cotidiano até as reflexões suscitadas por um fato novo, uma visita, uma leitura, uma viagem, um rasgo da memória, escritos de ocasião, notas para um romance, um ensaio, uma conferência, etc. Nem faltam mesmo algumas páginas do diário de viagem de Pilar, a sua companheira, conselheira e musa de tantos anos, a mostrar-nos que o autor dos Cadernos se dispõe a dar conta do seu cotidiano nos mais variados aspectos. As impressões de viagem ou do dia-a-dia da sua mulher não podiam faltar, assim como as cartas ou escritos de leitores e amigos, porquanto fazem parte do seu universo: são indispensáveis à imagem do “eu” que os Cadernos vão definindo no fio dos dias.

O resultado é que o diário, como uma gaveta de sapateiro, nos franqueia a privacidade (possível) do autor, aí talvez resida todo, ou quase todo, o seu fascínio: ao escrever os Cadernos é como se Saramago convidasse os leitores a participarem todos os dias, ou quase, do seu viver cotidiano, satisfazendo-lhes desse modo a curiosidade e o prazer de privar do seu microcosmos de homem e de escritor. Prato cheio tanto para os leitores sofisticados como para os voyeuristas meio bisbilhoteiros que, assistindo aos trabalhos e aos dias do escritor, sentem que por momentos refletem o brilho que dali se irradia. É como se fossem, ainda que por breves instantes, exclusivos senhores de particularidades somente disponíveis a uns poucos, os “de casa”, tendo acesso aos “segredos” que os romances e as peças de teatro do hospedeiro escondem ou que não podem revelar, salvo indiretamente. E alguns deles, pelas cartas enviadas a Lanzarote, podem até desfrutar o sabor especial de integrar a massa pulsante dos Cadernos, como se entrassem numa cidadela interditada ao comum dos mortais.

O diarista bem sabe que escancara as portas da sua casa aos leitores, decerto consciente de que lhes permite aceder a algo mais do que os apontamentos recolhidos nas páginas dos Cadernos. Sabe, pelo menos, que nelas se “encontra alguém (eu próprio) que tendo vivido toda a sua vida de portas fechadas e trancadas, as abre agora, impelido, sobretudo, pela força de um descoberto amor dos outros, com a súbita ansiedade de quem sabe que já não terá muito tempo para dizer quem é”. E nem importa, como é o caso, que os Cadernos sejam “também destinados a serem livro”, mesmo porque, se isso não acontecesse, o diário perderia a sua razão de ser.

O convite ao leitor para privar da intimidade do escritor é ao mesmo tempo, para este, um ato permanente de exorcismo ou de catarse, que os romances geralmente não facultam com a mesma intensidade e vigor. Daí as dúvidas recorrentes do autor acerca do caráter do seu diário, num exercício de intratextualidade em que o benefício que disso colhe acaba sendo também do leitor. Se lhe ocorre dizer que “o leitor não lê o romance, lê o romancista”, não será porque assim o leitor dialoga com o “outro” que se esconde por trás da narrativa? Ora, é “a pessoa invisível, mas onipresente, que é o autor”, o que o leitor busca, e de certo modo, encontra, não nos romances, mas no diário.

E que, como observa o autor dos Cadernos, nos seus livros se esconde “a vida labiríntica, a vida profunda, aquela que dificilmente ousaria ou saberia contar com a sua própria voz e em seu próprio nome”. Uma autobiografia poderia ser o expediente para que a própria voz do autor se fizesse ouvir, mas apelando para a memória muito depois que se desenrolaram os acontecimentos dignos de serem lembrados. Diferentemente, o diário registra sur le champ o cotidiano do escritor, sem que este perca a sua identidade sob a camuflagem dum “outro” imaginário, ou suposto. E para ter à mão o espelho que lhe devolve instantaneamente a imagem do passar dos dias. Se ele dispensasse este registro dos eventos em cima da hora, o leitor teria de perscrutar-lhe os outros livros à procura duma face esquiva, divergente, embora presente em todos os momentos.

Dessa perspectiva, todas as obras dum mesmo autor participam do universo da autobiografia, mas o leitor tem mais gosto em contemplar, na superfície da narrativa, uma fabulação imaginária do que em buscar ali a vera efígie civil de quem a compôs com o magma da sua multifacetada existência. O diário supre a ausência vertiginosa do autor nos seus escritos ficcionais, e com a vantagem de permitir ao leitor a sondagem de recantos que nem mesmo na ambiência imaginária da narrativa poderiam estar abertos à visitação.

Desfeita assim a dicotomia autor/narrador, que José Saramago mais de uma vez discute, chamando a atenção para a importância do primeiro termo, o leitor tem diante de si, nos Cadernos, o rosto fugidio que procura nos romances. E descobre que a pessoa até então oculta nas dobras da narrativa está agora visível sem perder a sua condição de fabulador. Antes pelo contrário: o prazer que o diário desperta vem de ser redigido por um romancista, que se revela como pessoa, mas uma pessoa especial, que escreve ficção, num incessante movimento circular ou numa seqüência de imagens em espelhos paralelos.

Por outras palavras, no jornal íntimo desdobrado à sua frente, o leitor percorre o romance do autor, isto é, a vida, ou “a vidinha” que Alexandre O’Neill recomendava que não se contasse, como em certa altura Saramago recorda. Agora porém o leitor desfruta um prazer novo, semelhante ao prazer de acompanhar as notícias nos matutinos que lhe chegam à porta, com a diferença fundamental de que esta emoção desconhecida prolonga ou repercute o sentimento euforizante que nasce das ficções que o escritor engendra com os materiais da sua imaginação.

Sem forçar a nota, pode-se dizer que o fascínio dos Cadernos, ou uma das suas fontes mais abundantes, vem precisamente de o autor viver (também) com a imaginação os lances do seu dia-a-dia, pois não os pode viver doutro jeito. A idéia de que entre a pessoa civil e o escritor, seja ele quem for, há uma um abismo, não corresponde aqui à verdade dos fatos. Supor que Saramago é romancista apenas quando se põe ao computador para narrar o ano da morte de Ricardo Reis, significa acreditar que nesse momento fica em suspenso a pessoa que ele é. O próprio autor não o diz quando pondera que “um diário não passa de um modo incipiente de fazer ficção. Talvez pudesse chegar mesmo a ser um romance se a função da sua única personagem não fosse a de encobrir a pessoa do autor, servir-lhe de disfarce, de parapeito”?

Nesta mesma passagem, no entanto, diz que “um diário não é um confessionário”, o que está certo no seu caso, em que os Cadernos são polivalentes e não raro dão voz a outros convivas do seu mundo de relações. E em que, por isso, diferem do diário dum Amiel ou do Livro do Desassossego, centrados egolatricamente na figura do autor/narrador, a ponto de criar atmosferas líricas, por vezes destacáveis como poemas em prosa, a exemplo de “Na Floresta do Alheamento”, do livro-caixa de Bernardo Soares. O diário de Saramago estaria, verdadeiramente, mais próximo da dramaturgia.

De qualquer modo, aqui se levanta uma vez mais a questão essencial do diário como obra de um narrador voltado para as suas peripécias cotidianas – o narcisismo –, de que o autor vinha sendo acusado. Espelho de Narciso, os Cadernos? Por certo, as mais das vezes. Somente porém os diários o serão? Não espelhará qualquer obra literária pendor narcisista? Além disso, há uma diferença entre o diário aparentemente aberto, em razão de a folhagem metafórica recobrir os acontecimentos e as reflexões, e o diário francamente aberto, porque se trata de um narciso que se desnuda aos leitores, para melhor se conhecer ao dar-se a conhecer sem máscara. Nesta alternativa se situa Saramago, tanto mais que revela cristalina lucidez ao responder a um repórter que “toda a escrita é narcísica” e que “a escrita de um diário, sejam quais forem as suas características aparentes, é narcísica por excelência”.

Contudo, uma coisa é uma escrita narcísica em que o autor se inventa, ou inventa um “eu” com as excelências (ou as deficiências) criadas por sua imaginação e sua exacerbada sensibilidade. Outra, muito diversa, é a escrita narcísica de quem se pretende “dizer quem é” ainda que levado pela força imaginativa que convoca para a tessitura das suas ficções. De alguém que recebe uma carta de uma psicanalista argentina a dizer-lhe, com referência ao narcisismo comentado nas páginas do diário, que “há um narcisismo bom e um outro mau”, aquele “é o que nos cuida, o que faz que, quando temos febre, façamos repouso para curar-nos”, etc, e o outro “está ligado à soberba, à nudez dos sentimentos humanos, a não poder olhar a vida para além do umbigo e que em geral causa dano aos que o cercam”.

Para a missivista, o autor dos Cadernos, está, obviamente, entre os primeiros. Sem recorrer à dualidade maniqueísta, que evidencia quão espinhosa é a questão do narcisismo, podemos dizer que Saramago quer-se dar a conhecer, sem disfarces ou autocomplacência: volta e meia lembra os começos infantis na Azinhaga e a luta incansável até chegar a Lanzarote, com um realismo que não cede senão a um confesso orgulho de ter vindo de baixo sem fazer concessões, sem perder as raízes e, mais ainda, tornando-as a razão de ser da sua vida, bem como da sua obra literária e da sua militância política.

Aí se localiza provavelmente a fonte de onde provém tudo, ou quase tudo, para Saramago: a infância na Azinhaga. Como se guiado pelo aforismo nosso conhecido – “O menino é pai do homem” – reconhece que “a Azinhaga me deu o que Lisboa não me poderia ter dado: aqueles campos, aqueles olivais, a lezíria, o rio Almonda (o Almonda daquele tempo, não o de hoje, que é uma cloaca), o Tejo e as marachas, os porcos que o meu avô Jerônimo guardava, os passeios de barco, as manhãs à pesca, os banhos”. Nascido e criado nesse ambiente, o escritor ficaria para sempre preso à natureza e aos objetos à sua volta, como bem atestam as notas acerca do seu pequeno mundo doméstico e da deslumbrante paisagem vulcânica de Lanzarote: “Como serão as coisas quando não estamos a olhar para elas? Esta pergunta, que ainda hoje não me parece absurda, fi-la eu muitas vezes em criança, mas só a mim próprio me atrevia a fazê-la, não a pais e professores”. Em síntese: “Sábio da minha experiência (...), instruído na mágica arte de olhar o que as coisas escondem”. Aí se diria o fundamento mais remoto e mais sólido do mundo ficcional de Saramago, a chave que pode abrir o segredo da sua interpretação. E a “paixão pela leitura”, cedo despontada e mantida ao longo dos anos, faria o resto.

Nem falta, nessa reconstituição proustiana de olhos abertos de um passado ainda presente na memória e na consciência como constitutivo do ser do escritor, uma espécie de “rosebud”, mas sem o travo de melancolia ou de tragédia que exalava na vida frustre do cidadão Kane. Ouçamos o narrador: “Tenho, desde há muitos e muitos anos, um pesa-papéis de vidro com efeitos coloridos no interior. Não tem qualquer anúncio. Se a menina daquele tempo deu um pesa-papéis de vidro a um senhor que ia a sua casa para classificar e arrumar livros, então o pesa-papéis é esse, e nós dois somos quem éramos.” Se ninguém se desgarra do passado (ainda que, ou porque, esteja submerso nas vagas do inconsciente), menos ainda o exilado de Lanzarote que passa os dias absorto na metamorfose alquímica das suas visões em tramas imaginárias: não só se sente preso às coisas e circunstâncias, que guarda ciosamente ao redor de se e nos confins da memória, como também as cultiva como amarras para continuar a presenciar o espetáculo da vida e nele intervir com o seu testemunho, com a sua voz, a fim de tornar mais justo e mais agradável a todos, independentemente da religião, credo político ou cor.

Num estilo que preserva, ou mesmo intensifica, a oralidade dos romances, graças à instantaneidade requerida pela anotação dos eventos cotidianos, os Cadernos reúnem condições para atrair, e ampliar, o círculo de leitores de Saramago. Ainda mais agora, que o prêmio Nobel, coroando uma longa trajetória de êxitos editoriais, veio derramar luz mais intensa sobre os escritos que lhe saem das mãos. Se os Cadernos publicados pertencem à fase anterior ao grande galardão e já têm exercido considerável fascínio sobre o leitor, que se dirá dos que vierem a seguir? À ansiedade de Saramago para aproveitar o tempo que lhe parece cada vez mais escasso corresponde a do leitor, que deve estar aguardando impaciente o momento de compulsar as reações desencadeadas por um raro acontecimento quanto é este de um escritor da Língua Portuguesa merecer, pela primeira vez, tão cobiçado e honroso prêmio."

Massaud Moisés é professor-titular da USP, autor, entre outros livros, de A Literatura Portuguesa e História da Literatura Brasileira e da seleção, introdução e notas de Contos de Machado de Assis

"A Viagem do Elefante" Uma produção Trigo Limpo Teatro ACERT / Flor de Jara / Parceria da Fundação José Saramago / Música de Luis Pastor

Disponível via YouTube, em https://www.youtube.com/watch?v=yTRap35P9hQ

"A Viagem do Elefante"
Uma produção Trigo Limpo teatro ACERT 
Coprodução musical com Flor de Jara 
Parceria da Fundação José Saramago
Música de Luis Pastor
Imagens recolhidas em São Pedro do Sul a 20-09-2014


Mais dados sobre a obra, via site do "Trigo Limpo teatro Acert"


"A Viagem do Elefante" - Exposição

"Exposição a partir do livro A Viagem do Elefante por Viseu Dão Lafões, um relato que cruza 14 localidades com a digressão do espetáculo do Trigo Limpo teatro ACERT
Entre Maio e Setembro de 2014, A Viagem do Elefante atravessou as terras de Viseu Dão Lafões, apresentando-se em praças e largos de catorze localidades. Depois de uma primeira digressão que atravessou as localidades da rota do Vale do Côa, em 2013, o desafio lançado pela ACERT à Comunidade Intermunicipal de Viseu Dão Lafões voltou a colocar na estrada uma equipa de mais de vinte pessoas, entre atores, técnicos e músicos.
Baseado no conto homónimo de José Saramago, o espetáculo de rua encenado pelo Trigo Limpo teatro ACERT, com a participação musical de Luís Pastor/Flor de Jara e de A Cor da Língua, integrou mais de 700 participantes locais nas suas apresentações, envolvendo as comunidades na transformação do espaço público em espaço cénico e criando, em cada sítio, laços afetivo e culturais que o elefante Salomão – um engenho cénico com mais de seis metros de altura –  soube fortalecer com o seu porte imponente. 
A exposição que agora se apresenta resulta do trabalho elaborado por uma equipa de dois fotógrafos,  dois jornalistas e um designer gráfico que acompanharam a digressão a par e passo. Entre ensaios, montagens de cena, visitas a lugares do património cultural e natural de cada terra e conversas com artesãos de vários ofícios, a digressão de A Viagem do Elefante 2014 resultou num livro que cruza a crónica do espetáculo e da sua preparação com  um percurso pelo território de Viseu Dão Lafões. O que aqui se mostra é uma pequena parte desse trabalho, arrumado em momentos chave da passagem do elefante Salomão por cada localidade e das pegadas que este foi deixando – e recebendo – ao longo do percurso. 

Ficha Técnica
EXPOSIÇÃO a partir dos textos e fotos do livro”A viagem do elefante por Viseu Dão Lafões"
FOTOGRAFIAS: Carlos Teles e Ricardo Chaves
TEXTOS: Ricardo Viel e Sara Figueiredo Costa
DESIGN GRÁFICO: Zétavares"



"Canções do Espectáculo A Viagem do Elefante 
Luis Pastor e A Cor da Língua ACERT

14 Canções do Espectáculo A Viagem do Elefante reúne o disco com as canções do espectáculo levado à cena pelo Trigo Limpo teatro Acert, resultantes do trabalho de Luis Pastor e dos músicos de A Cor da Língua, e um livro onde se guardam os poemas de José Saramago que serviram de letra a estas canções, momentos do espectáculo e fotografias das digressões de 2013 e 2014. 

“(…) Com o objecto que agora se edita, (…) nasce um novo corpo que, não esquecendo a sua origem – como o cornaca Subhro também não esqueceu – assume uma identidade que lhe permite perdurar para além das futuras apresentações, que se desejam, do espectáculo. Assente no diálogo entre a tradição e a contemporaneidade, uma outra marca distingue este trabalho: a sua orgânica, como se um novo corpo se levantasse e se preparasse para fazer, palma com palma, o seu caminho.
Mantê-lo na nossa memória será sempre um dos objectivos da Fundação José Saramago.”

Ficha Técnica
O CD-Livro está à venda na ACERT e na Fundação José Saramago (Lisboa), podendo igualmente ser adquirido por encomenda através do email producao@acert.pt "

Crónica "As Palavras" e as voltas dadas à censura (A Capital, 17 de Maio de 1968)


Crónica publicada no jornal "A Capital", em 17 de Maio de 1968

Na "Biografia José Saramago" de João Marques Lopes (Guerra e Paz, página 49), é referido «como aconteceu a muitos escritores e jornalistas durante o regime fascista, José Saramago também viu textos seus serem censurados. Assim a crónica "As Palavras" (...) foi truncada, pois os censores terão considerado que frases como "Há também o silêncio. O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar" seriam uma critica velada ao cerceamento da liberdade de expressão então imperante entre nós.».
Aqui fica a crónica.



"As Palavras"

"As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpa. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes. Algumas palavras sugam-nos, não nos largam: são como carraças: vêm nos livros, nos jornais, nos slogans publicitários, nas legendas dos filmes, nas cartas e nos cartazes. As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras.

E há os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do Disse ou Tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. São brindes, orações, palestras e conferências. Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por essa via entram na imortalidade do Verbo. Ao lado de Sócrates, o presidente da junta afixa o discurso que abriu a torneira do marco fontanário. E as palavras escorrem tão fluidas como o «precioso líquido». Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envolta também num murmúrio manso, represo e conciliador. Há de tudo no orfeão: tenores e tenorinos, baixos cantantes, sopranos de dó de peito fácil, barítonos enchumaçados, contraltos de voz-surpresa. Nos intervalos, ouve-se o ponto. E tudo isto atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares.

Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que não se oiça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.

Daí que seja urgente mondar as palavras para que a sementeira se mude em seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte – ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do acto.

Há também o silêncio. O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as más. O trigo e o joio. Mas só o trigo dá pão."

Publicado no livro de crónicas "Deste Mundo e do Outro"

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

José Vericat da "BBC", entrevistou Saramago em Ramalah - "O rigor temporal de Saramago ante o genocídio do povo palestino" (2002)


Momento em que José Saramago foi apresentado a Yasser Arafat


O colaborador da BBC na Cisjordânia, José Vericat, conversou em Ramalah com o escritor português José Saramago. (2002)

"O rigor temporal de Saramago ante o genocídio do povo palestino"

Entrevista pode ser lida e consultada, aqui
(também na versão espanhola)


BBC — Que propósito teve a sua visita à Palestina?
Saramago — A intenção tem sido a de enviar aqui uma delegação de membros do Parlamento Internacional de Escritores para manifestar solidariedade aos narradores, poetas, dramaturgos palestinos.

BBC — O que pode ter este conflito palestino-israelense de particular?
Saramago — Vamos ver: Isto não é um conflito. Poderíamos chamá-lo conflito se se tratasse de dois países, com uma fronteira e dois estados, com um exército cada um. Aqui trata-se de uma coisa completamente distinta: Apartheid. Ruptura da estrutura social palestina pela impossibilidade de comunicação.

BBC — Que pensa de Israel?
Saramago — Um sentimento de impunidade caracteriza hoje o povo israelense e o seu exército. Eles converteram-se em financiadores do holocausto. Com todo o respeito pela gente assassinada, torturada e sufocada nas câmaras de gás. Os judeus que foram sacrificados nas câmaras de gás quiçá se envergonhariam se tivéssemos tempo de dizer-lhes como estão se comportando seus descendentes. Porque eu pensei que isto era possível; que um povo que tem sofrido deveria haver aprendido de seu próprio sofrimento. O que estão fazendo com os palestinos aqui é no mesmo espírito do que sofreram antes.
Eu creio que eles não conhecem a realidade. Todos os artigos que apareceram contra mim têm sido escritos por pessoas que não foram nunca saber como vivem os palestinos, quer dizer, eles não querem saber o que está passando aqui. Sería lógico que estivessem aqui os capacetes azuis (soldados da ONU). Mas o governo israelense não o permite. O que me indigna, e não posso calar-me, é a covardia da comunidade internacional que se deixa calar. Nem sequer falo dos Estados Unidos, do lobby judeu, de tudo isso que é mais que conhecido. Falo da União Européia. Europa, o berço da arte, da grande literatura, tudo isso. E todos assistindo a isto, a este desastre, e ninguém intervém.

BBC — Parece-lhe pertinente a analogia entre o sofrimento dos palestinos hoje, e o sofrimento dos judeus que teve lugar durante o regime nazista e em particular nos campos de concentração?
Saramago — Isso de Auschwitz foi, evidentemente, uma comparação a propósito. Um protesto formulado em termos habituais, quiçá não provocasse a reação que tem provocado. Claro que não há câmaras de gás para exterminar palestinos, mas a situação na qual se encontra o povo palestino é uma situação concentracionária: Ninguém pode sair de seus povoados.
Eu o disse e dito está. Mas, se a vocês incomoda muito isso de Auschwitz, eu posso substituir essa palavra, e em lugar de dizer Auschwitz digo crimes contra a humanidade. Não é uma questão de mais vítimas ou menos vítimas; não é uma questão de mais trágico ou menos trágico: É o fato em si. Isto que está acontecendo em Israel contra os palestinos é um crime contra a humanidade. Os palestinos são vítimas de crimes contra a humanidade cometidos pelo governo de Israel com o aplauso de seu povo.

BBC — Não crê que suas declarações têm um efeito contraproducente?
Saramago — Não há nenhum efeito contraproducente. Há críticas e há críticas. Há críticas que são conhecidas e portanto não têm nenhum efeito; quer dizer: se fazem e se repetem infinitamente.

BBC — O que o senhor escreveu que tenha mais relevância com este conflito?
Saramago — Uma novela que publiquei há cinco ou seis anos, Ensaio Sobre a Cegueira, que vendeu aqui sessenta mil exemplares. (Até há alguns dias, eu era aqui um bestseller. Agora os meus livros estão sendo retirados das livrarias) É uma novela que narra como todo o mundo se torna cego. Porque minha opinião é que todos somos cegos. Cegos porque não temos sido capazes de criar um mundo que valha a pena. Porque este mundo, como está e como é, não vale a pena.
Isto poderia ter relevância, se os políticos se interessassem por literatura. Se há algo sobre o que refletir, é sobre a capacidade que temos, ou que não temos, de inventar um modo de relação humana onde o imperativo seja o respeito humano, e o respeito ao outro.

BBC — Qual é o papel da literatura neste conflito?
Saramago — Nenhum. Essa idéia de que os escritores têm que salvar o mundo… Gostaríamos de fazê-lo, é claro. Se fosse pela arte e tudo o que temos feito de bonito no passado, se isso servisse para algo, não estaríamos como estamos. A intervenção que os escritores possam e devam ter, é pelo simples fato de que são cidadãos. Claro que também são escritores. Se se nos pede algo, ou por iniciativa nossa temos algo para dizer, o escrevemos. Mas, além de ter o que tenhamos para dizer, também há o que temos para fazer. E o fazer é intervir na vida, não só no seu próprio país, mas também no mundo.

BBC — A imprensa internacional publicou declarações atribuídas ao senhor referindo-se aos atos do exército israelense como atos “nazistas” e fazendo críticas bastantes duras ao governo de Israel. Qual é exatamente a sua posição diante do conflito no Oriente Médio?
Saramago — A declaração de que o exército israelense se tornou “judeu nazi” foi de um grande intelectual judeu (Yeshayahu Leibowitz, que morreu em 1994) respeitado tanto do ponto de vista moral como do ponto de vista intelectual. Não estou usando essa espécie de guarda-chuva para me proteger de qualquer tempestade. Mas esta idéia de que algo de profundamente negativo, destrutivo, entrou no espírito de Israel, eu não fui a primeira pessoa a dizer. Hoje mesmo outros israelenses reconhecem isso.

BBC — Outra afirmação que o senhor teria feito sobre Israel, foi comparar a forma com que o governo israelense tem tratado os palestinos como uma espécie de apartheid…
Saramago — Não é uma espécie de apartheid, é rigorosamente um apartheid, e sobre isso só tem dúvidas quem não veio aqui nunca. Se alguém quiser ser informado, supondo que as autoridades militares permitam o acesso, a passagem nos postos de controle para chegar às aldeias e cidades palestinas que estão completamente isoladas, onde não se pode entrar e de onde não se pode sair sem a autorização do Exército, se se quer ver como isto é efetivamente, há que vir aqui.
A informação que nós temos, aquela que circula internacionalmente, dá sempre uma imagem de um lado e deixa outro praticamente omisso, ou apenas com as imagens de palestinos disparando para o ar quando acompanham os seus mortos. Eu não estou aqui dizendo que os israelenses são uns demônios e que os palestinos são uns anjos, não se trata disso, anjos e demônios há de um lado e de outro.
O que se passa é que a situação política aqui, a situação de guerra que se criou, teve como resultado a ocupação militar de praticamente todo o suposto território palestino, o isolamento de todas as aldeias e cidades palestinas e a impossibilidade de se circular no próprio território. Isso, se não é apartheid, como é que havemos de chamar?

BBC — O senhor diria que nos últimos anos, principalmente durante o governo do primeiro-ministro Ariel Sharon, essa situação tem se agravado?
Saramago — Ela tem se agravado nos últimos tempos. Mas, enquanto foi primeiro-ministro o sr. Barak, construíram-se mais assentamentos no interior do território palestino do que aqueles construídos quando foi primeiro-ministro o sr. Netanyahu. Quer dizer, o mesmo sr. Barak, que supostamente se propunha a fazer a paz, instalava cada vez mais assentamentos no interior dos territórios ocupados.
E aqui há um ponto que é necessário reconhecer: os assentamentos precisam do exército para se defender. Mas o exército precisa dos assentamentos para estar instalado ali. E desta lógica, que é uma lógica absolutamente infernal, não se consegue sair, porque efetivamente a paz que querem os governos de Israel não é uma paz justa, não é uma paz que reconheça efetivamente os direitos dos palestinos de ter um Estado, de ter uma identidade própria, uma vida que seja sua. Os palestinos são desprezados pela população de Israel, e isso não é demagogia, é a mais pura das verdades, e quem quiser confirmá-la que venha aqui.

BBC — O senhor falou sobre como a comunidade internacional vê esse conflito. O senhor não acredita que, principalmente depois de atos de extrema violência como o atentado de ontem (quarta-feira, em que 20 israelenses foram mortos numa explosão) fica mais difícil ainda para a comunidade palestina divulgar a sua luta, as suas reivindicações à comunidade internacional?
Saramago — Em primeiro lugar, eu não estou nem a justificar nem a defender este ato.
Todos os atos de violência praticados pelos palestinos são obstáculos à paz. Mas os atos de violência praticados pelo exército israelense não são obstáculos à paz… Aldeias arrasadas, milhares de mortos, gente expulsa em 1948… Fala-se do Holocausto judeu, mas também houve uma espécie de Holocausto palestino. Um milhão de pessoas foram deslocadas de suas casas em 1948.
Ainda ontem estivemos em Gaza, e 150 casas foram destruídas por tanques e escavadeiras. Aqui se castiga uma ação de violência praticada por um palestino com a destruição da casa, ou de casas, ou de uma aldeia. Então os atos de violência dos israelenses não são obstáculos à paz?

BBC — Nessa situação, que perspectivas o senhor vê para esse conflito? O senhor tem algum otimismo em relação ao plano de paz saudita, ou às atuais negociações?
Saramago — Eu não tenho nenhum otimismo, porque efetivamente o governo de Israel não quer a paz. Quer uma paz que lhe convenha, não uma paz justa que levasse em conta o direito do povo palestino de ter a sua própria vida. Sou completamente cético em relação ao êxito de qualquer plano.
E, recentemente, numa proposta dos Estados Unidos nas Nações Unidas, foi reconhecido que o povo palestino tem direito a viver no seu próprio Estado. Mas como se organiza esse Estado, se os assentamentos israelenses nos territórios ocupados são 205, e todos eles protegidos pelo exército e eles próprios armados? Como se quer falar num plano de paz que ignore essa realidade?

BBC — Devido às suas mais recentes declarações, tem havido em Israel um boicote aos seus livros. Como o senhor vê esse tipo de reação?
Saramago — Isso é natural. Acho que, no fundo, são reações de pessoas que não agüentam que se lhes diga a verdade. Retirar os meus livros das livrarias é, talvez, um primeiro passo, que pode levar a um segundo passo, que é queimá-los em praça pública. Tudo pode acontecer.

Citador #25 ... o "Sexo" nas superiores palavras de um prémio Nobel

Citador #25
O Sexo
Ideia extraída da entrevista concedida ao DN (por Ana Lucas)
Pode ser lida na integra,
em http://desaramago.blogspot.pt/2015/01/entrevista-ao-diario-de-noticias.html

"Acho que o sexo é a única coisa verdadeiramente possível, ou melhor, 
é a única coisa que verdadeiramente não é impossível. 
Uma relação sexual pode existir em qualquer momento ou em qualquer idade, 
nem que não se concretize pela penetração física de um corpo no outro. 
O sexo não se limita a isso."

Citador #24 - "A Morte"... a do outro e a do próprio...

Citador #24
A morte
Via "DN" - entrevista de Ana Lucas


"A morte do outro é lógica e natural e necessária. 
A nossa própria morte é uma injustiça tremenda, uma partida que nos pregam."

Ana Lucas entrevista Saramago "DN" baseada na obra "As Intermitências da Morte" e outros assuntos

Entrevista baseada na obra "As Intermitências da Morte"
Por Ana Lucas (01/09/2008)

Recuperação de entrevista ao Diário de Notícias (2005?)
Via, http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=1007450&page=-1


"E se a morte deixasse de matar? 
Este o ponto de partida do último romance do Nobel português. 
Chama-se 'As Intermitências da Morte' e já é um 'best-seller'"


A musica, os sons e  a melodia as palavras, sempre presentes na obra de José Saramago


"J.S. Bach Cello Suites No.1-6 BWV 1007-1012, Ralph Kirshbaum"

No.1 in G major BWV 1007 0:00-18:07 Prelude Allemande Courante Sarabande Minuet Gigue
No.2 in D minor BWV 1008 18:07-38:02 Prelude Allemande Courante Sarabande Minuet Gigue
No.3 in C major BWV 1009 38:02-1:00:39 Prelude Allemande Courante Sarabande Bourree Gigue
No.4 in E flat major BWV 1010 1:00:39-1:24:47 Prel. Allem. Courante Sarabande Bourree Gigue
No.5 in C minor BWV 1011 1:24:47-1:51:02 Prelude Allemande Courante Sarabande Gavotte Gigue
No.6 in D major BWV 1012 1:51:02 Prelude Allemande Courante Sarabande Gavotte Gig


"Começando pela ideia, que é por onde tudo começa nos seus livros...
Sim, como a história que se conta do Newton, quando lhe caiu uma maçã na cabeça nasceu a Lei da Gravitação Universal. De cada vez que acabo um livro fico simplesmente esperando que aconteça outra ideia… Podem passar-se semanas, mas também meses. Tenho tido sorte. As ideias têm aparecido quando são necessárias. Acabo um livro e não tenho qualquer ideia para outro. Espero-a.

Essa espera angustia-o?
Não. Claro que a preocupação está cá, mas não a alimento. Talvez porque me tenha habituado a que, mais tarde ou mais cedo, chegue uma nova ideia. Um dia destes tenho uma desilusão tremenda.

E qual é a história da ideia que está na origem do livro suspender a morte?
Eu estava a ler um livro de Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Lauridis Brigge, e há um momento em que ele fala da morte de uma pessoa. São páginas extraordinárias! Foi então que me ocorreu a tal ideia. Mas não foi "E se a morte deixasse de matar?" A ideia inicial era outra: "E se a morte não conseguisse matar uma certa pessoa?" Essa acabou por ser deslocada para o final. O embrião é, afinal, o fim.

Nesta história, encetou um discurso irónico, que em si é novo.
Sim. Quando se fala de um livro sobre a morte, parte-se da ideia de que vai ser um livro sério. Era uma opção, escrever um livro tenebroso. A outra é dizer não vale a pena dramatizar o que já de si é dramático, então vamos imaginar uma situação em que, falando-se da morte, no fundo do que se tratará é da vida. A morte não existe fora de nós.

Arnold Böcklin – "Self Portrait With Death"


Rainer Maria Rilke forneceu-lhe a ideia e Proust deu-lhe o título?
Habituei-me a escrever já com um título e chamei-lhe O Sorriso da Morte, apesar de não gostar, consciente de que se tratava de algo provisório e também pela ironia que sabia que iria usar. E, porque o que a morte me diz é intermitente, mais tarde recordei que Proust, em La Recherche..., fala das intermitências do amor. Que o amor seja intermitente parece que é uma experiência de todos nós. Agora que a morte o seja... Porque gastamos tanto tempo a perguntar o que há além da vida? Se nos interrogássemos sobre o que realmente se está a passar aqui na vida, no tempo que nos calhou.

É a grande questão?
Sim. É disso que se fala. No livro, o primeiro-ministro põe essa questão se isto continua assim como é que vamos pagar as pensões.

Essa é apenas uma das muitas questões concretas que se colocam quando a morte deixa de matar. Nesse exercício, quase ensaístico, fala dos "pantanosos terrenos da realpolitik".
A expressão é aplicada no sentido do pragmatismo absoluto, excluindo questões de princípios e atendendo apenas ao que convém a cada momento. Portanto, subindo e descendo, oscilando, segundo a maré. Mas pode ser entendido de maneira extrema, como é o caso. Para cumprir determinado fim, o Estado não hesita em fazer um acordo com a "máphia" com ph, mas não deixa de ser máfia por isso.

É a morte a jogar o seu jogo, o que por sua vez justifica um jogo de palavras?
É. Escrever "máphia" com ph deu-me um certo gozo. É um anacronismo. Não sei como é que as traduções vão resolver a questão. Provavelmente não podem. Por exemplo, em alemão os substantivos escrevem-se com letras maiúsculas. Eu andei a pôr os nomes das pessoas com minúsculas, tudo minúsculo. Para manterem essa lógica, teriam de transgredir as suas próprias regras. Não creio que o tradutor esteja disposto a isso porque não seria compreendido, mesmo que explicasse que seguia o original. Nem sei se a questão de traduzir o título para alemão já está resolvida.

Então?
Eles usam a expressão "luz intermitente", mas não têm uma forma para dizer As Intermitências da Morte. Pelos vistos o português é muito mais rico em cambiantes e nuances. A nossa língua tem uma plasticidade que algumas vezes falta a outras e que permite jogos…

Os tais jogos que lhe deram prazer jogar neste livro?
Deram. Foi um livro escrito com alegria. Falar da morte e dizer que o fiz com alegria… É uma alegria que vem não só pelo tom irónico, sarcástico às vezes, divertido, mas também porque é como se me sentisse superior à morte dizendo-lhe "Estou a brincar contigo."

A ironia com que trata a morte é a mesma que usa para retratar a velhice, mas aí há mais de amargura. A velhice inquieta-o?
Bom, eu sou um velho. Mesmo com a esperança de vida de cem anos, e estamos muito longe disso, eu sou um velho.

Acha que o olham como um velho?
Não só as pessoas não me olham como um velho como eu não me sinto velho. Mas tenho a lucidez suficiente para ver que, com 83 anos, sou realmente um velho. Um velho que se mantém bem e que trabalha. Isso dá-me a impressão falsa de que nada do que escrevi sobre a velhice tem que ver comigo.

É distância da velhice do outro tal como a morte é a morte do outro...
Sim, a morte do outro é lógica e natural e necessária. A nossa própria morte é uma injustiça tremenda, uma partida que nos pregam. É como se eu, por não me sentir velho, não o fosse e pensar que nada do que vem de negativo com a velhice me pudesse tocar. É uma estupidez minha, porque chegará o momento em que tudo isso me tocará. Às vezes solto uma frase um pouco pretensiosa. Quando me perguntam como me sinto, digo "Quanto mais velho mais livre e quanto mais livre mais radical." Aplicado ao meu caso isto é certo, mas dizer quanto mais velho mais livre é absurdo, porque a velhice diminui, retira, anula e, com tudo isto, tira liberdade. A não ser que tomemos aqui a velhice, como se costuma dizer, como um sinal de sabedoria. Aí, é como se eu me fosse tornando mais sábio e consequentemente mais livre devido a essa sabedoria, e não pela velhice. E quanto mais livre mais radical. Isso sim, gosto de ser.

Na que se pode considerar a segunda parte do livro, a morte passa a avisar quando vem, escrevendo uma carta.
É uma partida diabólica. Mas a morte fez isso com boa intenção. Ela achou que era uma brutalidade fazer com que as pessoas morressem quando estavam com saúde e felizes e que o melhor seria avisar. Acaba por reconhecer que se equivocou uma vez mais. Primeiro, quando renunciou a matar. Depois, quando pretendeu remendar a situação e dizer "Vou regressar, e para que não me acusem de abusadora passarei a avisar." É pior a emenda, porque essas pessoas passam a estar no corredor da morte.

Faz, depois, um exercício onde tenta esgotar as várias possibilidades de reagir ao comunicado mortal.
Sim. Tudo pode acontecer reconciliar-se com o irmão com quem cortou relações, fazer testamentos, pagar impostos em dívida, ou dedicar os últimos dias a uma orgia de álcool e sexo.

Como acha que reagiria ao ser o destinatário de uma tal missiva?
Não sei. Álcool não, porque nunca fui dado a isso e não veria aí satisfação. No sexo sim, enquanto me fosse possível. Acho que o sexo é a única coisa verdadeiramente possível, ou melhor, é a única coisa que verdadeiramente não é impossível. Uma relação sexual pode existir em qualquer momento ou em qualquer idade, nem que não se concretize pela penetração física de um corpo no outro. O sexo não se limita a isso. Iria tentar viver esses dias em paz, procurar aquilo a que chamamos paz interior, que não seria nunca resignação. Seria a aceitação do facto. E tendo por companhia a minha mulher. Oito dias para se despedir são oito vezes em que o Sol nasce e em que o Sol se põe, oito dias para viver com as pessoas, olhar as árvores, respirar o ar. É uma eternidade, um tempo acrescentado à vida.

Um pouco como acontece com o violoncelista?
Sim, que já devia estar morto e não sabia. Estava vivo num tempo que, em princípio, não lhe pertencia. Mas quando a morte diz "Você morre daqui a oito dias, no fundo já o está a matar nesse momento." Aí, é o princípio da morte.

Acha que o fim da morte é o fim da ideia de Deus?
Creio que sim. Seria horrível se fôssemos imortais nesta vida. O tempo não pára e estaríamos condenados a uma velhice eterna que é a pior coisa que poderia suceder. Com a morte, prometem-nos a vida eterna numa outra vida e a Igreja, nesse caso, diz-nos que ficaremos a contemplar a face do Senhor. Parece-me que ficar a contemplar a face do Senhor para toda a eternidade é um bocado forte.

Até porque não acredita no Senhor...
No Senhor, como Deus, realmente não acredito. Em mim, tudo rejeita sequer a possibilidade dialéctica ou retórica da existência de um Deus porque eu não saberia onde colocá-lo. Há uma pergunta que parece que não é costume fazer-se mas que deve ser feita e para que é que Deus haveria de querer criar um universo? Qual era o objectivo de Deus criando o universo tal como ele é? É uma questão inicial.

No livro, porque escolheu a Suite n.º 6 de Bach para despedida?
Porque gosto e porque são suites para violoncelo solo. Quando era muito mais novo, comecei a estudar música na Academia dos Amadores de Música com a ideia de vir a tocar violoncelo. Nunca lhe pus as mãos em cima, mas sempre me ficou essa vontade por se tratar de um instrumento cujo som mais se aproxima da voz humana. (Pausa). No princípio do último andamento da Nona Sinfonia, de Beethoven, há um momento com os violoncelos e com os contrabaixos... (trauteia) É lindo! Isto é falar. Aqueles instrumentos falam. Suponho que foi a primeira vez na história da música que um instrumento falou. Como se fosse uma voz humana a articular as palavras do Schiller.

Em Julho de 1997 escrevia num dos Cadernos de Lanzarote "Zeferino Coelho [editor] gostou de Todos os Nomes. Ainda não foi desta vez que o editor torceu o nariz... Mas não tenho ilusões, o dia chegará. Chega sempre." Já chegou? Essa possibilidade angustia-o?"
Sou muito consciente de que até agora não escrevi nenhum livro de que se possa dizer é mau. Mas isso pode suceder um dia e, o pior de tudo, sem que eu tenha a consciência de ter escrito um livro mau. Seria o pior que me podia suceder. Como tenho uma leitora em casa, que também é minha tradutora e, além disso, é minha mulher, espero que, se tal acontecer, ela me diga: "Este não é para publicar." Se ela ceder, por amor, espero que seja o editor a dizer não.

Disse que gosta de ser radical e que diz sempre o que pensa. Acha que é por isso que está sempre a ser solicitado para "falar do real", como diz referindo-se às questões dos jornalistas?
É. Nunca tive medo de dizer o que penso. Há 48 horas disse que Cavaco Silva é um génio da banalidade e mantenho, da boca dele só saem lugares-comuns.

E como reage às críticas que lhe fazem em reacção às opiniões que omite? Estou-me a lembrar de Harold Bloom ou de Amos Oz, que o acusaram de anti-semita quando comparou a situação na Palestina ao campo de Auschwitz?
Fico na mesma. Estou consciente do que digo e das razões por que o disse e entro nas regras do jogo. Digo o que penso. E não é só o caso de Ramallah? Escrevi um artigo que anda à volta desse tema e conto já que vão aparecer cartas agora mesmo na Argentina. Vargas Llosa escreveu uns textos sobre Israel e a Palestina em que faz considerações, com algumas das quais eu concordo, e acusaram-no imediatamente de anti-semita, "tal como José Saramago", dizem. O que hei--de fazer? Não se pode estar de bem com toda a gente e não vou cair na banalidade de dizer que tenho de estar em paz com a minha consciência. Isso é uma banalidade e eu não sou Cavaco Silva. Fico assim.

A sua relação a tempo inteiro com a literatura começou há trinta anos, depois de um Verão Quente passado na redacção do DN e um afastamento que o levou à recolha de material para Levantado do Chão. Como recorda esses tempos?
Como escritor, sou um produto do 25 de Novembro. Com o 25 de Novembro, fiquei sem trabalho e com pouca esperança de conseguir um sítio onde o encontrar. Eu estava muito marcado. Decidi, aos 53 anos, que seria "agora ou nunca". Se as circunstâncias me retiraram a possibilidade de trabalhar, iria escrever. Não foi fácil. Durante uns anos vivi de traduções. Eu já não estava no circuito, ninguém pensou mais em mim e ainda bem. Fechei-me em casa a traduzir para ganhar a vida e para escrever. Publico, em 1977, o Manual de Pintura e Caligrafia; em 1978, o Objecto Quase. Ainda nesse ano vou para o Alentejo e daí saiu o Levantado do Chão. O Memorial do Convento, em 1980, e acho que também O Ano da Morte de Ricardo Reis confirmaram que estava ali um escritor. A partir daí não tinha nada que provar a não ser a mim mesmo, até onde poderia chegar. Cheguei às Intermitências da Morte, aos 83 anos, e espero que haja mais.

Chamado a opinar sobre as presidenciais, disse que votaria em Mário Soares numa eventual segunda volta.
Bem sei que Mário Soares neste momento não tem boa imprensa, que muita gente está contra, em muitos casos por razões hipócritas. Se Soares não ganhar, pois terei como presidente Aníbal Cavaco Silva. Mas quero deixar claro o meu apoio ao candidato do meu partido, Jerónimo de Sousa.

É admirador do poeta Manuel Alegre.
Sim, mas aqui não se trata de pôr na Presidência da República o poeta ou o romancista, ou mesmo o ensaísta. Nessa lógica, por exemplo, podia pôr-se o Eduardo Lourenço como Presidente da República.

Acha Manuel Alegre o poeta mais importante do país?
Não creio que seja, mas não vale a pena estar aqui a fazer uma classificação. Peço à poesia mais coisas e mais diferentes, o que não significa que a poesia do Manuel Alegre não seja bela, mesmo conceptualmente muito forte. Mas não é o poeta Manuel Alegre que se candidata. É o cidadão. No caso de ganhar Cavaco Silva, não é que não o reconheça. Não se trata disso. Apenas não consigo imaginar este país tendo como presidente da República uma pessoa como Aníbal Cavaco Silva. Custa-me.

Provavelmente irá estar em alguns eventos oficiais com ele...

Provavelmente não estarei em qualquer evento oficial com ele. Não se esqueça de que Cavaco Silva era primeiro-ministro do Governo que censurou O Evangelho segundo Jesus Cristo e que Cavaco Silva não tem ideia nenhuma do que é a literatura ou a arte. Não sabe nada disso. Também me dirão que para estar à frente de um país não é preciso. Mas tinham-nos habituado à ideia contrária."