Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sábado, 31 de dezembro de 2016

"Israel" - Revisitar "Outros Cadernos de Saramago" (31/12/2008)

Revisitar "Outros Cadernos de Saramago"
http://caderno.josesaramago.org/19421.html

Quarta-feira, 31 de Dezembro de 2008

"Israel"
"Não é do melhor augúrio que o futuro presidente dos Estados Unidos venha repetindo uma e outra vez, sem lhe tremer a voz, que manterá com Israel a “relação especial” que liga os dois países, em particular o apoio incondicional que a Casa Branca tem dispensado à política repressiva (repressiva é dizer pouco) com que os governantes (e porque não também os governados?) israelitas não têm feito outra coisa senão martirizar por todos os modos e meios o povo palestino. Se a Barack Obama não lhe repugna tomar o seu chá com verdugos e criminosos de guerra, bom proveito lhe faça, mas não conte com a aprovação da gente honesta. Outros presidentes colegas seus o fizeram antes sem precisarem de outra justificação que a tal “relação especial” com a qual se deu cobertura a quantas ignomínias foram tramadas pelos dois países contra os direitos nacionais dos palestinos.Ao longo da campanha eleitoral Barack Obama, fosse por vivência pessoal ou por estratégia política, soube dar de si mesmo a imagem de um pai estremoso. Isso me leva a sugerir-lhe que conte esta noite uma história às suas filhas antes de adormecerem, a história de um barco que transportava quatro toneladas de medicamentos para acudir à terrível situação sanitária da população de Gaza e que esse barco, Dignidade era o seu nome, foi destruído por um ataque de forças navais israelitas sob o pretexto de que não tinha autorização para atracar nas suas costas (julgava eu, afinal ignorante, que as costas de Gaza eram palestinas…) E não se surpreenda se uma das suas filhas, ou as duas em coro, lhe disserem: “Não te canses, papá, já sabemos o que é uma relação especial, chama-se cumplicidade no crime”.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

"Livro" - Revisitar "Outros Cadernos de Saramago" (30/12/2008)

Revisitar "Outros Cadernos de Saramago"
http://caderno.josesaramago.org/18967.html

Terça-feira, 30 de Dezembro de 2008

"Livro"
"Estou às voltas com um novo livro. Quando, no meio de uma conversação, deixo cair a notícia, a pergunta que me fazem é inevitável (o meu sobrinho Olmo fê-la ontem): e qual vai ser o título? A solução mais cómoda para mim seria responder que ainda não o tenho, que precisarei de chegar ao fim para me decidir entre as hipóteses que se me forem apresentando (supondo que assim seria) durante o trabalho. Cómoda, sem dúvida nenhuma, mas falsa. A verdade é que ainda a primeira linha do livro não havia sido escrita e eu já sabia, desde há quase três anos (quando a ideia surgiu), como ele se iria chamar. Alguém perguntará: porquê esse segredo? Porque a palavra do título (é só uma palavra) contaria, só por si, toda a história. Costumo dizer que quem não tiver paciência para ler os meus livros, passe os olhos ao menos pelas epígrafes porque por elas ficará a saber tudo. Não sei se o livro em que estou a trabalhar levará epígrafe. Talvez não. O título bastará."

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

"Cunhados" - Revisitar "Outros Cadernos de Saramago" (29/12/2008)

Revisitar "Outros Cadernos de Saramago"
http://caderno.josesaramago.org/18933.html

Segunda-feira, 29 de Dezembro de 2008

"Cunhados"
"São perfeitos. Enfim, quase. Falam alto e sem descanso, apaixona-os a discussão pela discussão, são muitas vezes sectários, violentos de palavras, em todo o caso mais na forma que no fundo. As mulheres, que são cinco, fazem tanto ruído, senão mais ainda que os homens, que são dez. Para eles e para elas nenhum assunto ficará alguma vez suficientemente debatido. Nunca desistem. A pronúncia granadina torna com frequência ininteligível o que dizem. Não importa. Embora eu tenha as minha dúvidas, afirmam que se entendem uns aos outros perfeitamente. Têm um sentido de humor particular que muitas vezes me ultrapassa e que não raro me leva a perguntar aos meus próprios botões onde estava a graça. Os noivos e as noivas, os esposos e as esposas, grupo em que estou incluído, assistem estupefactos, e, como não podem vencê-los, acabam por juntar-se ao coro, excepto algum raro caso que prefira o discreto silêncio. Em vinte anos nunca vi que destas discussões resultasse uma zanga, um conflito a necessitar conselho de família e reconciliação. Por mais que tenha chovido e trovejado antes, o céu sempre acabará limpo de nuvens. Perfeitos não serão, mas boa gente, sim."

"José Saramago, En Sus Palabras, de Fernando Gómez Aguilera" por Roberto Maydana (Libros y Literatura, 28/12/2016)

"José Saramago, En Sus Palabras, de Fernando Gómez Aguilera" 
por Roberto Maydana (Libros y Literatura, 28/12/2016) 

Pode ser recuperado e consultado aqui
em http://www.librosyliteratura.es/jose-saramago-en-sus-palabras-de-fernando-gomez-aguilera.html


"El paso del tiempo hace que todo se olvide y ponerse a pensar en que dentro de una o dos generaciones tras nuestra partida pocos se acordarán de nosotros, es entrar en un terreno del cual uno no puede menos que salir angustiado. Para ser recordados por largo tiempo, muchos seres humanos intentan sobresalir en diversas actividades; así, disfrutaremos de por vida la música de Beethoven, los cuadros de Picasso o los goles de Maradona. En todas las formas posibles del arte, los artistas buscan el paso a la eternidad. Saramago, para quienes lo leímos, lo leemos y lo leeremos, es y será inmortal, tal vez no porque haya buscado en vida esa eternidad, sino, sobre todo, por haber vivido y honrado la vida sin pensarla como un camino a transitar para llegar a lo que, dicen, viene después, sino por haberla transcurrido con una responsabilidad terrenal y cotidiana que lo llevó a comprometerse más allá de las cómodas quejas desde el sofá.

José Saramago en sus palabras es una recopilación de centenares de frases, pensamientos y declaraciones en la prensa que el Nobel de Literatura hizo desde la segunda mitad de los años setenta hasta comienzos de 2009. De esta manera, no solo podremos ir recorriendo su pensamiento a lo largo del tiempo, sino sobre todo confirmando algo que los que lo conocemos no necesitamos ratificar: su capacidad crítica, inteligencia, lucidez y libertad a la hora de decir lo que sentía, sin censuras y poniendo siempre el eje en la defensa de los excluidos y la reivindicación de los derechos humanos.

Fernando Gómez Aguilera, poeta, ensayista y filólogo, fue el encargado de recolectar las palabras del genio portugués y es digno de destacar su trabajo, que, a lo largo de más de 500 páginas, nos ofrece un panorama completo acerca de los valores éticos de Saramago. El libro en sí, está estructurado en tres grandes capítulos (Quien se llama Saramago, Por el hecho de ser escritor y El ciudadano que soy) que a su vez se dividen en decenas de temas que abarcan todo el mundo opinable del autor, entre los que podemos destacar los dedicados a Dios, el pesimismo, la muerte, la literatura, la historia, el comunismo, Europa o Sudamérica.

Particularmente, no pude despegarme del libro en el apartado “novela” en el que se recopilan todas las declaraciones de Saramago sobre los diferentes libros que fue publicando y que me permitieron descubrir muchos datos no conocidos sobre el “detrás de escena” de la creación de sus publicaciones. “Lanzarote”, donde cuenta su relación con esa isla española en la que residió hasta el final de sus días, es también muy interesante, porque narran el dolor que le causó tener que dejar su país, pero al mismo tiempo el hecho de, a una edad avanzada, encontrar un lugar en el mundo y volver, de alguna manera, a comenzar.

Disfruté del libro tanto como sus mejores novelas y a medida que iba leyéndolo, reconocía una vez más que la línea entre escritor y ciudadano, en Saramago, no existió nunca, ya que en la vida no ficcionada mantenía los mismos valores y el mismo compromiso con el mundo que, en forma de parábolas, mostraba en sus grandes éxitos literarios.

Recomiendo Saramago en sus palabras a todos aquellos lectores del mundo que, al menos, haya leído cinco o seis de sus novelas, ya que este libro actuará como un excelente complemento para su obra literaria y al mismo tiempo como un buen compendio de su enorme y eterna sabiduría."

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

"Métailié, a editora francesa que apostou em Agustina, Saramago e Lobo Antunes"

"A editora francesa Anne-Marie Métailié aposta há mais de 30 anos na publicação de autores lusófonos e foi pioneira na publicação de José Saramago e António Lobo Antunes em França."

O artigo pode ser recuperado e consultado aqui
em http://mag.sapo.pt/showbiz/artigos/metailie-a-editora-francesa-que-apostou-em-agustina-saramago-e-lobo-antunes?artigo-completo=sim

Foi "uma luta" publicar autores que a França praticamente desconhecia nos anos 1980, mas "valeu a pena", mesmo que Saramago e Lobo Antunes tenham, depois, ido para outras editoras.

"Não tinha muita gente, muitos jornalistas para falar da literatura portuguesa. Foi uma luta. Foi uma luta, mas valeu a pena (...) A editora era muito jovem. Foi fundada em 1979 para fazer ciências sociais e a literatura portuguesa foi logo no começo, depois da literatura brasileira. Num momento de dificuldades da editora, em 85, 86, os homens foram embora. Só ficaram no catálogo a Lídia Jorge e a Agustina Bessa-Luís. As mulheres foram fiéis", explicou, em português, a editora.

Apesar de os ter acompanhado na entrada do mundo editorial francês, Anne-Marie Métailié não ficou chateada com José Saramago nem com António Lobo Antunes quando a trocaram por editoras maiores e ficou amiga de Saramago, "charmoso, tão agradável, divertido, muito respeitoso do trabalho", com quem falava em português porque "ele aceitava" o seu "sotaque brasileiro", lembrou, com um sorriso.

"Com Lobo Antunes tudo era mais complicado, mas eu tinha uma admiração muito grande pela obra dele. A Lídia Jorge é outra coisa porque a gente ligou-se numa amizade muito forte (...) Os Memoráveis, o último livro que publicámos, é um livro muito importante, politicamente é importante, literariamente é importante. Je l’aime!", resumiu, entusiasticamente.

Quanto a Agustina Bessa-Luís, de quem publicou nove títulos, Anne-Marie Métailié fala em "génio" que escreveu "grandes clássicos da literatura mundial".

Fotografia da editora Anne-Marie Métailié

"Antes desse Nobel [de José Saramago], estava na Coupole almoçando com a Agustina. Um jornalista veio perguntar ‘Quem vai vencer o Nobel, o Lobo Antunes ou o Saramago?’ Ela olhou para ele e disse: ‘Eu. A única que merece o Nobel sou eu’", recordou.

Anne-Marie Métailié foi a primeira a publicar em França, em 1987, “Le Dieu Manchot” (“Memorial do Convento”) de José Saramago e, em 1998, quando o autor português venceu o Prémio Nobel da Literatura, a antiga editora estava na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, a passar no ‘stand’ de Portugal no instante em que se soube a notícia.

"Vi uma coisa tão linda, tão linda porque todos os autores estavam muito comovidos, estavam felizes de ver que um autor deles era consagrado assim. A Lídia Jorge estava a chorar de alegria. Toda a gente estava feliz. Era uma festa”, contou.

Ao lado de Pierre L’Église-Costa, diretor literário da coleção “Bibliotèque Portugaise” das Éditions Métailié, Anne-Marie publicou seis romances do angolano José Eduardo Agualusa e quatro do moçambicano Mia Couto, tendo ainda editado, no ano passado, “Os Transparentes” do angolano Ondjaki em nome do seu gosto pelas “variações em torno dos idiomas”.

"Acho que a língua portuguesa original é uma língua muito forte e o que se faz com a língua portuguesa nos países como Angola, Moçambique ou Brasil é muito interessante. O português vem com uma carga de imaginação, de imaginário, que é muito particular. Ler em português abre mais a minha imaginação que qualquer outro idioma”, explicou.

Anne Marie Métailié apaixonou-se pela língua portuguesa através do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, que descobriu na primeira aula de português que teve na Sorbonne e que publicou em 2015.

"O método de ensino de português do professor Boisvert era bem particular. A gente não estudava assim como se faz agora, as frases que você repete... A gente pegou o Machado de Assis, Dom Casmurro, na página 1. A gente ficou a ler, a destrinçar, a gente ficou avançando no romance e no final a gente falava português", contou.

A editora, que também publicou, em francês, obras de Valter Hugo Mãe, Jorge de Sena, Pedro Rosa Mendes, Rui Zink, Eduardo Lourenço, entre muitos outros, foi receber, a 27 de outubro, a Ordem do Infante Dom Henrique na Embaixada de Portugal em Paris.

Além de escritores lusófonos, Anne-Marie Métailié publica, ainda, nomes da literatura latino-americana, islandesa, escocesa, alemã, espanhola e italiana, excluindo autores norte-americanos porque quer "fazer conhecer outros modos de pensar, outros modos de sentir o mundo".

Em 2017, as Éditions Métailié vão publicar "A Rainha Ginga" de José Eduardo Agualusa e “As Mulheres de Cinza” de Mia Couto, esperando também editar em francês uma nova obra de Valter Hugo Mãe."

O catálogo da editora pode ser consultado aqui 

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

"Meditação sobre uma Jangada" publicado originalmente no jornal "Libération"

"Meditação sobre uma Jangada" publicado originalmente no jornal francês "Libération" é publicado em português na edição #55 (Dez.2016) da revista digital "Blimunda" e pode ser descarregada gratuitamente aqui em http://www.josesaramago.org/blimunda-55-dezembro-2016/

"Algumas vezes este romancista, confundido nas malhas da ficção que ia tecendo, chegou a imaginar-se transportado na fantástica jangada de pedra em que transformara a Península Ibérica, flutuando sobre o mar atlântico, a caminho do Sul e da utopia. A peculiaridade da alegoria era transparente: embora prolongando algumas semelhanças com os motivos do mais comum dos emigrantes, que parte para outras terras e busca a vida, prevalecia, neste caso, uma diferença assaz substancial, a de também comigo viajarem, em tão inaudita migração, o meu próprio País, todo ele, e, sem que aos espanhóis tivesse pedido antes a devida licença, portanto sem procuração nem autorização, a Espanha. Ora, embalado nestas minhas imaginações, notava eu que nelas não entrava qualquer sentimento de pesar, de tristeza, de aflição mais ou menos pânica, nem sequer, para tudo dizer na inevitável e tópica palavra portuguesa – saudade. Compreender-se-á já porquê. É certo que, e pelos vistos irremediavelmente, me ia afastando da Europa, mas os tecidos vitais da barca imensa que me levava continuavam a alimentar as raízes da minha identidade mais profunda e da minha pertença colectiva: logo, não encontrava em mim razões para chorar um bem perdido, se realmente assim podia ser designado o que antes ganho não tinha sido, mesmo tendo tão pouco de bem.
Para não cairmos nos cansados braços da banalidade e da redundância não nos tentaremos a repetir aqui o catálogo longuíssimo das maravilhas europeias, desde os gregos e os latinos até aos felizes dias de hoje. Por demais sabemos que a Europa foi madre ubérrima de culturas, farol inapagável de civilização, lugar onde, com o passar do tempo, haveria de instituir-se o modelo humano que, seguramente, mais próximo está do projecto que Deus tinha em mente quando colocou no paraíso o primeiro exemplar da espécie. Pelo menos, é desta maneira idealizada que os europeus costumam ver-se no espelho de si mesmos, e essa é a servil resposta que a si mesmos invariavelmente vêm dando: «Sou eu o que de mais belo, de mais inteligente e de mais culto a Terra produziu até hoje.» Dito o que seria a altura de começar a redigir a decerto não menos longa acta dos desastres e horrores europeus, que acabaria por levar-nos à conclusão deprimente de que a famosa batalha que celeste, afinal, não foi ganha por Jeová mas por Lucifer, e que o único habitante do paraíso teria sido a serpente, encarnação tangível do mal e seu emblema gráfico, que não precisou de macho, ou de fêmea, se macho era, para proliferar em número e qualidade. Não faremos pois a acta, como não fizemos o catálogo. Antes cobriremos piedosamente o espelho para que não venha a ser pronunciada, sequer, a primeira palavra da resposta.
E agora basta de escatologias e ficções. De um ponto de vista ético abstracto, a Europa não tem mais culpas no cartório da história que outra qualquer parte do mundo onde, hoje e ontem, por todos os meios, se tenham disputado o poder e a hegemonia. Mas a ética, exercendo-se, como no-lo está dizendo o senso comum, sobre o concreto social, é porventura a menos abstracta de todas as coisas que, ainda que variável no tempo e no espaço, permanece como uma presença calada e rigorosa que, com o seu olhar fixo, nos pede contas todos os dias. Suponho que estamos vivendo o tempo em que a
Europa deveria apresentar a juízo o balanço da sua gestão, se não pretende prolongar, com o requinte de processos que os modernos meios de comunicação de massa permitem, o seu pecado ou vício maior, que é a existência de duas Europas, a central e a periférica, mais o consequente lastro histórico de injustiças, discriminações e ressentimentos. Já não falo das guerras, das invasões, dos genocídios, das eliminações selectivas, falo sim da ofensa grosseira que é, além dessa espécie de deformação congénita denominada eurocentrismo, aquele outro comportamento aberrante que consiste em ser a Europa, por assim dizer, eurocêntrica em relação a si mesma. Para os estados europeus ricos e, segundo a opinião narcísica em que se comprazem, culturalmente superiores, o resto da Europa é algo vago e difuso, um pouco exótico, um pouco pitoresco, merecedor, quando muito, da atenção da antropologia e da arqueologia, mas onde, apesar de tudo, contando com as adequadas colaborações locais, ainda se podem fazer alguns bons negócios. 
Ora, não haverá no futuro próximo uma nova Europa se esta não instituir frontalmente como entidade moral, e também não a haverá se não for abolido, mais do que os egoísmos nacionais, que quantas vezes não passam de meros reflexos defensivos, o preconceito da prevalência ou da subordinação das culturas. Tenho obviamente presente a importância dos factores económicos, militares e políticos na formação das estratégias continentais e seu enquadramento nas geoestratégias globais, mas, sendo por fortuna ou desfortuna homem de livros e de letras, considero meu urgente dever lembrar que as hegemonias culturais de hoje resultam, fundamentalmente, de um processo duplo e cumulativo de evidenciação do próprio e de ocultação do alheio que teve a habilidade de impor-se como inelutável, favorecido, quase sempre, pela resignação, quando não pela cumplicidade das próprias vítimas. Nenhum país, por mais rico e poderoso que seja, deveria arrogar-se uma voz mais alta. E, já que de culturas venho falando, também nenhum país ou grupo de países, tratado ou pacto, deveria propor-se como mentor ou guia dos restantes. As culturas, é tempo de começar a entendê-lo Europa, e entendida tente ficar de uma vez para sempre, não são melhores nem piores umas que as outras, não são mais ricas nem mais pobres. Pelo destino, valem-se e equivalem-se, e pela diferença, assumida e aprofundada, é que se justificam. Não há, e esperemos que não venha a haver nunca, uma cultura una e universal. A Terra, sim, é única, mas o ser humano não o é. Cada cultura criada pelos homens deverá ser, em si mesma, um universo comunicante: o espaço que as separa umas das outras é o mesmo espaço que as liga, tal como o mar, aqui na Terra, separa e liga os continentes.
Esse romance - «Le radeau de Pierre» - em que arranco a Península Ibérica à Europa, não seria necessário dizê-lo, é o efeito, talvez último, de um ressentimento histórico. Provavelmente, só um português poderia ter escrito tal livro. Mas o seu autor, este autor, declara que estaria pronto a fazer regressar do mar a errante jangada, depois de alguma coisa ter aprendido de vitalmente necessário durante a sua navegação, se a Europa, reconhecendo-se, de facto, incompleta sem a Península Ibérica, viesse a fazer pública confi ssão dos erros cometidos, das injustiças e dos desprezos com que durante tantos anos tratou dois povos a quem deve muito mais do que aquilo que tem querido reconhecer. Porque, enfi m, se de mim se espera que ame a Europa como à minha própria mãe, o mínimo que devo exigir-lhe é que ame a todos os seus fi lhos por igual e, sobretudo, que por igual os
respeite a todos. Texto publicado originalmente no jornal Libération"

domingo, 25 de dezembro de 2016

"Ceia" - Revisitar "Outros Cadernos de Saramago" (25/12/2008)

Revisitar "Outros Cadernos de Saramago"
http://caderno.josesaramago.org/18470.html

Quinta-feira, 25 de Dezembro de 2008

"Ceia"
"Há muitos anos, nada menos que em 1993, escrevi nos “Cadernos de Lanzarote” umas quantas palavras que fizeram as delícias de alguns teólogos desta parte da Ibéria, especialmente Juan José Tamayo, que desde aí, generosamente, me deu a sua amizade. Foram elas: “Deus é o silêncio do universo, e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio”. Reconheça-se que a ideia não está mal formulada, com o seu “quantum satis” de poesia, a sua intenção levemente provocadora e o subentendido de que os ateus são muito capazes de aventurar-se pelos escabrosos caminhos da teologia, ainda que a mais elementar. Nestes dias em que se celebra o nascimento do Cristo, outra ideia me acudiu, talvez mais provocadora ainda, direi mesmo que revolucionária, e que em pouquíssimas palavras se enuncia. Ei-las. Se é verdade que Jesus, na última ceia, disse aos discípulos, referindo-se ao pão e ao vinho que estavam sobre a mesa: “Este é o meu corpo, este é o meu sangue”, então não será ilegítimo concluir que as inumeráveis ceias, as pantugruélicas comezainas, as empaturradelas homéricas com que milhões e milhões de estômagos têm de haver-se para iludir os perigos de uma congestão fatal, não serão mais que a multitudinária cópia, ao mesmo tempo efectiva e simbólica, da última ceia: os crentes alimentam-se do seu deus, devoram-no, digerem-no, eliminam-no, até ao próximo natal, até à próxima ceia, ao ritual de uma fome material e mística sempre insatisfeita. A ver agora que dizem os teólogos."

sábado, 24 de dezembro de 2016

"Um ano depois" - Revisitar "Outros Cadernos de Saramago" (24/12/2008)

Revisitar "Outros Cadernos de Saramago"
http://caderno.josesaramago.org/18417.html

Quarta-feira, 24 de Dezembro de 2008

"Um ano depois"
“Morri” na noite de 22 de Dezembro de 2007, às quatro horas da madrugada, para “ressuscitar” só nove horas depois. Um colapso orgânico total, uma paragem das funções do corpo, levaram-me ao último limiar da vida, lá onde já é tarde de mais para despedidas. Não recordo nada. Pilar estava ali, estava também Maria, minha cunhada, uma e outra diante de um corpo inerte, abandonado de todas as forças e donde o espírito parecia ter-se ausentado, que mais tinha já de irremediável cadáver que de ser vivente. São elas que me contam hoje o que foram aquelas horas. Ana, a minha neta, chegou na tarde do mesmo dia, Violante no seguinte. O pai e avô ainda era como a pálida chama de uma vela que ameaçasse extinguir-se ao sopro da sua própria respiração. Soube depois que o meu corpo seria exposto na biblioteca, rodeado de livros e, digamo-lo assim, outras flores. Escapei. Um ano de recuperação, lenta, lentíssima como me avisaram os médicos que teria de ser, devolveu-me a saúde, a energia, a agilidade do pensamento, devolveu-me também esse remédio universal que é o trabalho. Em direcção, não à morte, mas à vida, fiz a minha própria “Viagem do Elefante”, e aqui estou. Para vos servir."

"Navegar até à América Latina" por Pilar del Río - sobre os 30 anos de "A Jangada de Pedra" (Revista Blimunda #54 11/2016)

Sobre os 30 anos da publicação de "A Jangada de Pedra"


O presente texto de Pilar del Río, está publicado na edição #54 (Novembro de 2016) na revista digital "Blimunda" e pode ser consultada através da página da Fundação José Saramago aqui, 

Páginas 108 a 110

"Em Novembro, a Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL), México, abrirá as suas portas com um convidado de honra tão grande quanto um continente, nada mais nada menos do que a América Latina. O motivo para tão sonoro convite tem a ver com a história da Feira, que este ano completa os seus primeiros trinta anos de vida. Os mesmos que o romance de José Saramago, A Jangada de Pedra, que nasceu em Portugal, em 1986, para dar início a uma navegação que não termina, porque os seres humanos, às vezes sem serem de todo conscientes, desejamos a aventura do encontro, de uns com outros e, oh, a magia da literatura, entre continentes. Por isso A Jangada de Pedra tinha que estar na FIL no dia de abertura, na tarde de 26 de Novembro: que bom dia para uma cerimónia levantada e principal.
A urgência da viagem fez-se tão evidente que José Saramago, para satisfazer tanta inquietação, não teve mais remédio senão lançar ao mar a terra que habitava, e assim escreveu sobre a viagem da Península Ibérica em direção à América Latina. Não fugia, ao contrário do que muitos entenderam, simplesmente apostou no poder da razão. A Península Ibérica separada do resto da Europa – IbExit radical – funcionaria como um rebocador a arrastar o continente europeu até mundos que o esperam e que são mais brilhantes que o próprio umbigo. Usou, José Saramago, o modo literário para chamar a atenção do adormecimento no qual a Europa estava submersa, uma contribuição singular para enfrentar a cegueira que prosperava com a brutalidade do passado recente. José Saramago intuía que a celebração europeísta, da forma como se estava a produzir, invocava a obscenidade da exploração, daí a importância de intervir para ratificar os valores que nos fazem livres. E agora vem a pergunta-chave: Poderia um encontro de culturas e civilizações impedir o caos? Não é isso o que está escrito no romance, mas depreende-se da sua leitura que os seres humanos, colocados em posição de entendimento e de mútua compreensão, podem alterar todos os projetos.
Navegava a jangada de pedra pelo oceano enquanto vários homens e mulheres percorriam a ilha-península como novos Quixotes, preparados para enfrentar todos os moinhos de vento. Também estes seres humanos se amam – e aqui Saramago vai mais longe que Cervantes – e geram vidas que nascerão com o maravilhoso dom do inconformismo. Eles, filhos das mães do romance, seguirão escrevendo sobre aventuras fabulosas porque sabem que navegar até aos outros é o melhor e, para além disso, é preciso. 
A Jangada de Pedra chega ao México porque é o seu destino natural e lá encontra-se com os outros países do continente americano. A festa dos trinta anos não poderia ser mais bela. Apetece agradecer à vida por permitir-nos que vivamos isto. Faço-o: gracias a la vida."

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

"José Saramago, The Art of Fiction" publicada na revista "the PARIS REVIEW" (No.155, Winter 1998) - Interviewed by Donzelina Barroso" - (realizada em Lanzarote, 1997)

José Saramago, fotografia de 1986

A entrevista ao "the Paris Review" pode ser consultada e recuperada aqui 

Entrevista conduzida por Donzelina Barroso em 1997 na ilha de Lanzarote e que foi publicada na edição #155 "Winter 1998" após José Saramago ter sido galardoado com o prémio Nobel.

"On October 8, 1998, after several years on the unofficial short list, José Saramago was awarded the Nobel Prize for Literature—the first Portuguese writer to be so decorated. Asked his thoughts on receiving the prize, he said, “I will not take on the duties of the Nobel as would the winner of the beauty contest, who has to be shown off everywhere . . . I don’t aspire to that kind of throne, nor could I, of course.”
José Saramago was born in 1922 to a family of rural workers of modest means from the central Ribatejo section of Portugal. When he was two years old, the family moved to Lisbon, where his father worked as a policeman. In his teenage years, economic hardships made it necessary for Saramago to transfer from a regular high school to a vocational school—he would later work at a variety of jobs, including as a mechanic, before turning to writing full time.
In 1947, at age twenty-four, Saramago published his first novel, Land of Sin. Originally titled “The Widow,” it was renamed by the publisher in the hope that the racier title would sell more copies. (Saramago later commented that at that age he knew nothing of widows or sin.) He did not publish again for nineteen years. In 1966 his first collection of poems, The Possible Poems, appeared; and in 1977 he published a second novel, Manual of Painting and Calligraphy. During the sixties and seventies Saramago also was active in journalism, working as assistant director of Díario de Notícias for a short time; during particularly lean times, he supported himself by translating from the French. In 1969 he joined the Portuguese Communist Party, of which he has remained a committed member—his writing is linked intricately to social commentary and politics.
With the publication of Raised Up from the Ground in 1980, written in the wake of the 1974 Carnation Revolution, Saramago at last established his voice as a novelist. The story of three generations of agricultural laborers from the Alentejo region of Portugal, it received wide attention as well as the City of Lisbon Prize. The publication of Baltasar and Blimunda in 1982 catapulted his career internationally—in 1987 it became his first novel to appear in the United States. His next novel, The Year of the Death of Ricardo Reis, received the Portuguese PEN Club Prize and Britain’s coveted Independent Foreign Fiction Award. His success continued with The Stone Raft, a fantastical criticism of Europe’s struggle to assert its Europeanness, in which the Iberian Peninsula breaks apart from Europe and sails down the Atlantic Ocean in search of its Latin American and African roots. In 1989 The History of the Siege of Lisbon appeared. Saramago acknowledged in a recent article that there is a lot of him in the protagonist of that novel, Raimundo Silva, a middle-aged, isolated proofreader who falls in love with his boss, an attractive, younger editor who saves him from emotional mediocrity. The novel is dedicated to his wife (as are all his subsequent books), the Spanish journalist Pilar del Rio, whom he married in 1988.
In 1991 Saramago published The Gospel According to Jesus Christ, which received the Portuguese Writers’ Association Prize and a nomination for the European Union literary contest Ariosto. However, the Portuguese government, bowing to its conservative elements and pressure from the Catholic Church, banned the book from the competition. “It was totally unjustified,” Saramago complained, “for something of this nature to have occurred with democracy fully in place in Portugal. Is there any government that can justify such a barbaric act? It was very painful for me.”
Soon after the controversy, Saramago and his wife left Lisbon, where he had lived for most of his life, and moved to the island of Lanzarote in the Spanish Canary Islands, where they still live with their three dogs—a terrier and two medium-sized poodles, Camóes, Pepe and Greta—in a house they built next door to his sister-in-law. Since moving there Saramago has published two novels: Blindness, a chilling parable of modern man’s folly and his ability to inflict harm on his fellow man, and All the Names; as well as five volumes of his Lanzarote Diaries.
The interview took place on a sunny afternoon in March of 1997, at his home in Lanzarote. (He was in the process of becoming an adoptive son of the island.) His wife gave a quick tour of the house, including his study: a rectangular and orderly room lined with books, a desk with his computer, which he pronounced “an excellent machine,” in the center. A larger office—with a wall of windows providing a view of Puerto del Carmen, the nearby island of Fuertaventura, the beach and the metallic blue sky of Lanzarote—was being built on the second floor. Occasionally interrupted by the sounds of construction and the barking dogs, who dragged Pilar around entangled in their leashes, the conversation was marked most by Saramago’s sharp sense of humor as well as his efforts to put his guest at ease—minha querida (my dear), he often reassured me as we talked.

INTERVIEWER - Do you miss Lisbon?  
JOSÉ SARAMAGO - It is not exactly missing or not missing Lisbon. If indeed missing, as the poet said, is that sentiment—that chilling of the spine—then the truth is that I do not feel that chilling of the spine.
I do think about it. We have many friends there and we go there once in a while, but the sensation I have in Lisbon now is that I don’t know where to go anymore—I don’t know how to be in Lisbon anymore. When I am there for a few days, or for a week or two, of course I go back to my old habits. But I am always thinking about coming back here as soon as possible. I like this place and the people here. I live well here. I don’t think I will ever leave. Well, I will, after all we all have to leave one day, but I will only go against my will.  

INTERVIEWER - When you moved to Lanzarote, away from the surroundings in which you had lived and written for so many years, did you accustom yourself immediately to this space, or did you miss your previous work space?  
SARAMAGO - I adapted easily. I believe myself to be the type of person who does not complicate his life. I have always lived my life without dramatizing things, whether the good things that have happened to me or the bad. I simply live those moments. Of course, if I feel sorrow, I feel it, but I do not . . . Let me say it another way: I do not look for ways of being interesting.
I am now writing a book. It would be much more interesting for me to tell you the torture I endure, the difficulty in constructing the characters, the nuances of the complicated narrative. What I mean is that I do what I have to do as naturally as possible. For me, writing is a job. I do not separate the work from the act of writing like two things that have nothing to do with each other. I arrange words one after another, or one in front of another, to tell a story, to say something that I consider important or useful, or at least important or useful to me. It is nothing more than this. I consider this my job.  

INTERVIEWER - How do you work? Do you write every day?  
SARAMAGO - When I am occupied with a work that requires continuity, a novel, for example, I write every day. Of course, I am subjected to all kinds of interruptions at home and interruptions due to traveling, but other than that, I am very regular. I am very disciplined. I do not force myself to work a certain number of hours per day, but I do require a certain amount of written work per day, which usually corresponds to two pages. This morning I wrote two pages of a new novel, and tomorrow I shall write another two. You might think two pages per day is not very much, but there are other things I must do—writing other texts, responding to letters; on the other hand, two pages per day adds up to almost eight hundred per year.
In the end, I am quite normal. I don’t have odd habits. I don’t dramatize. Above all, I do not romanticize the act of writing. I don’t talk about the anguish I suffer in creating. I do not have a fear of the blank page, writer’s block, all those things that we hear about writers. I don’t have any of those problems, but I do have problems just like any other person doing any other type of work. Sometimes things do not come out as I want them to, or they don’t come out at all. When things do not come out as well as I would have liked, I have to resign myself to accepting them as they are.  

INTERVIEWER - Do you compose directly on a computer?  
SARAMAGO - Yes, I do. The last book I wrote on a classic typewriter was The History of the Siege of Lisbon. The truth is, I had no difficulty in adapting to the keyboard at all. Contrary to what is often said about the computer compromising one’s style, I don’t think it compromises anything, and much less if it is used as I use it—like a typewriter. What I do on the computer is exactly what I would do on the typewriter if I still had it, the only difference being that it is cleaner, more comfortable, and faster. Everything is better. The computer has no ill effects on my writing. That would be like saying that switching from writing by hand to writing on a typewriter would also cause a change in style. I don’t believe that to be the case. If a person has his own style, his own vocabulary, how can working on a computer come to alter those things?
However, I do continue to have a strong connection—and it is natural that I should—to paper, to the printed page. I always print each page that I finish. Without the printed page there I feel . . .  

INTERVIEWER - You need tangible proof.  
SARAMAGO - Yes, that’s it.  

INTERVIEWER - After you have finished those two pages per day, do you then make alterations to your text?  
SARAMAGO - Once I have reached the end of a work, I reread the whole text. Normally at that point there are some alterations—small changes relating to specific details or style, or changes to make the text more exact—but never major ones. About ninety percent of my work is in the first writing I put down, and that stays as is. I do not do what some writers do—that is, to write a twenty-page abstract of the story, which is then transformed into eighty pages and then into two hundred fifty. I do not do that. My books begin as books and grow from there. Right now I have one hundred thirty-two pages of a new novel, which I will not attempt to turn into one hundred eighty pages: they are what they are. There may be changes within these pages, but not the kind of changes that would be needed if I were working on a first draft of something that would eventually take on another form, either in length or in content. The alterations made are those needed for improvement, nothing more.  

INTERVIEWER - So you begin writing with a concrete idea.  
SARAMAGO - Yes, I have a clear idea about where I want to go and where I need to go to reach that point. But it is never a rigid plan. In the end, I want to say what I want to say, but there is flexibility within that objective. I often use this analogy to explain what I mean: I know I want to travel from Lisbon to Porto, but I don’t know if the trip will be a straight line. I could even pass through Castelo Branco, which seems ridiculous because Castelo Branco is in the interior of the country—almost at the Spanish border—and Lisbon and Porto are both on the Atlantic coast.
What I mean is that the line by which I travel from one place to the next is always sinuous because it must accompany the development of the narrative, which might require something here or there that was not needed previously. The narrative must be attentive to the needs of a particular moment, which is to say that nothing is predetermined. If a story were predetermined—even if that were possible, down to the last detail that is to be written—then the work would be a total failure. The book would be obliged to exist before it existed. A book comes into existence. If I were to force a book to exist before it has come into being, then I would be doing something that is in opposition to the very nature of the development of the story that is being told.  

INTERVIEWER - Have you always written in this way?  
SARAMAGO - Always. I have never had another way of writing. I think this way of writing has permitted me—I am not sure what others would say—to create works that have solid structures. In my books each moment that passes takes into account what already has occurred. Just as someone who builds has to balance one element against another in order to prevent the whole from collapsing, so too a book will develop—seeking out its own logic, not the structure that was predetermined for it.  

INTERVIEWER - What about your characters? Do your characters ever surprise you?  
SARAMAGO - I don’t believe in the notion that some characters have lives of their own and the author follows after them. The author has to be careful not to force the character to do something that would go against the logic of that character’s personality, but the character does not have independence. The character is trapped in the author’s hand, in my hand, but he is trapped in a way he does not know he is trapped. The characters are on strings, but the strings are loose; the characters enjoy the illusion of freedom, of independence, but they cannot go where I do not want them to go. When that happens, the author must pull on the string and say to them, I am in charge here.
A story is inseparable from the characters who appear in it. The characters are there to serve the structure that the author wants to create. When I introduce a character, I know that I need that character and what I want from him; but the character is not yet developed—it is being developed. I am the one developing that character, but in a sense it is a kind of self-construction of that character, which I accompany. That is, I cannot develop the character against itself. I must respect the character or it will begin to do things of which it is not capable. For example, I cannot make a character commit a crime if it doesn’t fall within the logic of that character—without that motivation, which is necessary to justify the act to the reader, it wouldn’t make sense.
I will give you an example. Baltasar and Blimunda is a love story. In fact, if I may say so, it is a beautiful love story. But it was only at the end of the book that I realized I had written a love story without words of love. Neither Baltasar nor Blimunda speak any of those words to each other that we would consider words of love. The reader may think that this was planned, but it was not. I was the first to be surprised. I thought, How could this be? I have written a love story without a single amorous word of dialogue.
Now let us imagine that at some time in the future, in a re-edition, I were to give into a whim to alter the dialogue between these two and insert a few words here and there—it would completely falsify those characters. I think the reader, even without knowing the book in its current form, would notice that something about this didn’t work. How could these characters, who have been around each other since page one, suddenly say “I love you” on page two hundred and fifty?
That is what I mean by respecting the integrity of the character—not making him do things that would fall outside of his own personality, his internal psychology, that which the person is. Because a character in a novel is one more person—Natasha in War and Peace is one more person; Raskolnikov in Crime and Punishment is one more person; Julien in The Red and the Black is one more person—literature increases the world’s population. We do not think of these three characters as beings who do not exist, as mere constructions of words on a series of sheets of paper that we call books. We think of them as real people. That is the dream, I suppose, of all novelists—that one of their characters will become “somebody.”  

INTERVIEWER - Which of your characters would you like to see as “somebody”?  
SARAMAGO - Probably, I am committing the sin of presumption, but to tell the truth, I feel that all my characters—from the painter H. in The Manual of Painting and Calligraphy, to Senhor José in All the Names—are really somebody. I guess this is due to the fact that none of my characters is a mere copy—or imitation—of a real individual. Each one of them adds himself or herself to this world to “live” in it. They are fictional beings who lack only a physical body. This is how I see them, but we know that authors are suspect to being partial . . .   

INTERVIEWER - For me, the doctor’s wife in Blindness is a very specific person. I also have a specific visual image of her, as I do for all the characters in Blindness, despite the fact that there are no detailed descriptions of them.  
SARAMAGO - It pleases me that you have a very exact visual image of her, which most certainly is not the result of physical descriptions of her, because there are none in the novel. I don’t think it is worth explaining how a character’s nose or chin looks. It is my feeling that readers will prefer to construct, little by little, their own character—the author will do well to entrust the reader with this part of the work.  

INTERVIEWER - How did the idea for Blindness develop?  
SARAMAGO - As has been the case with all of my novels, Blindness emerged from an idea that suddenly presented itself to my thoughts. (I am not sure this is the most precise formula, but I cannot find a better one.) I was in a restaurant, waiting to be served lunch, when suddenly, without any warning, I thought, What if we were all blind? As if answering my own question, I thought, But we really are blind. This was the embryo of the novel. Afterward, I only had to conceive the initial circumstances and allow the consequences to be born. They are horrific consequences, but they have a logic of steel. There is not much imagination in Blindness, just the systematic application of the relation of cause and effect.  

INTERVIEWER - I liked Blindness very much, but it is not an easy read. It is a hard book. The translation is very good.  
SARAMAGO - Did you know that Giovanni Portiero, my longtime English translator, died?  

INTERVIEWER - When?  
SARAMAGO - In February. He died of AIDS. He was translating Blindness, which he finished, when he died. Toward the end, he himself started to go blind as a result of the medication his doctors gave him. He had to choose between taking the medication, which would sustain him for a bit longer, and not taking it, which would create other risks. He chose, shall we say, to preserve his vision, and he was translating a novel about blindness. It was a devastating situation.  

INTERVIEWER - How did the idea for The History of the Siege of Lisbon come about?  
SARAMAGO - An idea had been with me since about 1972: the idea of a siege, as in a besieged city, but it was not clear who was besieging it. Then it evolved into a real siege, which I first thought of as the siege of Lisbon by the Castilians that occurred in 1384. I joined to this idea another siege, which occurred in the twelfth century. In the end, the siege was a combination of those two historical ones—I imagined a siege that lasted some time, with generations of besieged as well as generations of besiegers. A siege of the absurd. That is to say, the city was surrounded, there were people surrounding it, and none of this had a point.
In the end all of this came together to form a book that was, or that I wanted to be, a meditation on the notion of the truth of history. Is history truth? Does what we call history retell the whole story? History, really, is a fiction—not because it is made up of invented facts, for the facts are real, but because in the organization of those facts there is much fiction. History is pieced together with certain selected facts that give a coherence, a line, to the story. In order to create that line, many things must be left out. There are always those facts that did not enter history, which if they had might give a different sense to history. History must not be presented as a definitive lesson. No one can say, This is so because I say it happened this way.
The History of the Siege of Lisbon is not a mere exercise in historical writing. It is a meditation on history as truth or history as a supposition, as one of the possibilities, but not as a lie even though it is often deceitful. It is necessary to confront official history with a no, which obliges us to look for another yes. This has to do with our own lives, with the life of fiction, with the life of ideologies. For example, a revolution is a no; that no is converted into a yes, either quickly or over time; so then it must be presented with another no. I sometimes think that no is the most necessary word of our times. Even if that no is a mistake, the good that could come from it outweighs the negative. No to this world as it is today, for example.
In the case of this book, it is far less ambitious—it is a small no, but it is still capable of changing one’s life. By inserting a not in the sentence—the official history—that stated that the crusaders did assist the king of Portugal to reconquer Lisbon in 1147, Raimundo was not only led to write another history, but he also opened the way to changing his own life. His negation of that sentence is also a negation of his life as he was living it. That negation took him to another level of being; it removed him from his daily routine—from the grayness of his every day, his melancholy. He moves to another level and to the relationship with Maria Sara.  

INTERVIEWER - Throughout The History of the Siege of Lisbon, both Raimundo and Maria Sara are presented as strangers—outsiders inside their own city. They even call each other Moors.  
SARAMAGO - Yes, that’s it. That is it. In the end, I believe that is how we all are.  

INTERVIEWER - By we you mean the Portuguese?  
SARAMAGO - Yes, but not only the Portuguese. All of us have to live in the city—I mean the city to be understood as a mode of living collectively—but at the same time, we should be outsiders, Moors, in that city—Moors in the sense that the Moor is simultaneously physically within the city and an alien to the city. It is because he is an outsider that he can effect change. The Moor, the other, the stranger, the strange one, shall we say, the one who despite being within the city walls is outside it, is the one who can transform that city—we hope in a positive sense.  

INTERVIEWER - In the past you have been outspoken about your concerns about Portugal. What do you think about the present state of Portugal and its plan of integration into the European Union?  
SARAMAGO - Let me give you an example. In an interview, Joao Deus de Pinheiro, who was our commissioner to the European Union, was asked by a Portuguese journalist, Don’t you think that Portugal is in danger of losing much of its national sovereignty? His reply was, What do you mean national sovereignty? In the nineteenth century a Portuguese government did not take office because the admiral of the British fleet stationed in the Tagus River would not permit it. With that, he laughed. Should a country have a commissioner to the European Union who believes this historical episode to be amusing, and further that Portugal should not preoccupy itself with the loss of sovereignty because he believes we never actually had it?
If the European Union goes forward, then the responsibility of our politicians, as that of politicians of other countries, will diminish. From there they will become what fundamentally they already are—mere agents, because one of the great fallacies of our age is democratic discourse. Democracy is not working in this world. What is working is the power of international finance. The people involved in these activities in effect govern the world. The politicians are mere proxies—there is a kind of concubinage between so-called political power and financial power, which is the negation of true democracy.
People might ask me, What do you propose instead? I propose nothing. I am a mere novelist, I just write about the world as I see it. It is not my job to transform it. I cannot transform it all by myself, and I wouldn’t even know how to. I limit myself to saying what I believe the world to be.
Now, the question is if I had to propose something, what would it be. I would propose what I have sometimes called developing backwards, which appears to be a contradiction, because one can only develop in a forward direction. Developing backwards means, very simply, this: the level we have reached—not the rich, but those in the upper middle class—allows us to live comfortably. Developing backwards would be to say, Let us stop here and turn toward those billions of people who have been left behind. Of course, all this is utopian. I live in Lanzarote, an island with fifty thousand inhabitants, and what happens in the rest of the world happens in the rest of the world. I do not aspire to be the savior of the world, but I live with the very simple belief that the world could be a better place, and it could very easily be made a better place.
This belief leads me to say that I do not like the world in which I live. The worldwide revolution I envision—please pardon my utopian vision—would be one of goodness. If two of us woke up and said, Today, I will harm no one, and the next day said it again and actually lived by those words, the world would change in a short time. Of course, this is nonsense—this will never happen.
All this leads me to question the use of reason in this world. This is why I wrote Blindness. This is what has led me to a type of literary work that concerns itself with these issues.  

INTERVIEWER - You have said that Blindness is the most difficult novel you’ve written. Is this because, despite the overt cruelty displayed by man toward his fellow man under the epidemic of white blindness, and the discomfort involved in writing about this behavior, you are ultimately an optimist?  
SARAMAGO - I am a pessimist, but not so much so that I would shoot myself in the head. The cruelty to which you refer is the everyday cruelty that occurs in all parts of the world, not just in the novel. And we at this very moment are enveloped in an epidemic of white blindness. Blindness is a metaphor for the blindness of human reason. This is a blindness that permits us, without any conflict, to send a craft to Mars to examine rock formations on that planet while at the same time allowing millions of human beings to starve on this planet. Either we are blind, or we are mad.  

INTERVIEWER - The Stone Raft also deals with social issues.  
SARAMAGO - Well, it wasn’t exactly the same, but people preferred to see it that way. People preferred to see it as the separation of the Iberian Peninsula from Europe. Of course, that is part of the story, and in fact that is what happens: the Iberian Peninsula separates itself from Europe and sails off down the Atlantic Ocean. But what I was getting at is not a separation from Europe, because that makes no sense. What I wanted to say and continue to say is what I believe to be the reality: Portugal and Spain have roots that are not exclusively European. I was saying to readers, Listen, we have always been Europeans, we are Europeans and we will always be Europeans—there is no other way of being. But we have other obligations, obligations of an historical, cultural and linguistic nature. And so, let us not separate ourselves from the rest of the world, let us not separate from South America, let us not separate from Africa. This was not meant to reflect any neocolonial desires, but the Iberian Peninsula, as was the case in The Stone Raft, comes to rest between South America and Africa, and that happens for a reason. It is because we spend our lives speaking about the south, the south, the south, and the south has always been that place of exploitation, we could say, even when that south is located in the north.  

INTERVIEWER - In your Lanzarote Diaries you write about your last trip to New York and say that in that city, the south is in northern Manhattan.  
SARAMAGO - Yes, that south is located in the north.  

INTERVIEWER - I have to tell you that I enjoyed your description of the Chelsea Hotel in the Diaries!  
SARAMAGO - Oh, it was horrible. My publisher put me up there, but I still don’t know exactly whose idea it was. They thought I had said that I wanted to stay there—but I never did say that. I knew the hotel from the outside, and I thought it was very attractive, but I never said, Put me up at the Chelsea Hotel, please. I guess they put me there because it has a lot of history, but if I had to choose between an uncomfortable hotel with history and a comfortable one with no history . . . I kept saying to myself, But what is this, I’ve never seen such a place.  

INTERVIEWER - You have a wide readership in Europe and Latin America yet a small audience in the United States.  
SARAMAGO - Things of too serious a nature don’t really appeal to American readers. It is curious, however, that the reviews I receive in the United States are very good.  

INTERVIEWER - Are the opinions of the critics important to you?  
SARAMAGO - What is important to me is that I do my job well, according to my standards of what a good job is—that the book is written in the way I want it written. After it is out of my hands, it is just like everything else in life. A mother gives birth to a child and hopes the best for it, but that life belongs to the child, not the mother. The child will make of its life, or others will make of its life, something that most certainly will not be the life of which the mother dreamed. There is no use in my dreaming of magnificent receptions for my books by multitudes of readers because those readers will receive my books however they wish to.
I will not say that my books deserve to please readers because that would mean that the worthiness of a book depends on the number of readers. We know this to be untrue.  

INTERVIEWER - During that trip to the United States, you also went to Fall River, an area of Massachusetts that has many Portuguese communities.  
SARAMAGO - Yes, I had some contact with immigrants, those who for whatever reason were interested in my work. Surprisingly, I always had a good crowd, even though I am less and less interested in speaking about literature these days. I guess that would appear to be a contradiction because I write, and if I write books, what else should I speak about? Well I do write, but I was alive before becoming a writer and I had all the concerns of anyone else living in the world.
I was recently in Braga, Portugal, for a conference on my literary works, but we spoke about many other things—the situation in Portugal and what to do about it. I tell people that the history of the human race appears to be very complicated but actually it is extremely simple. We know that we live in a violent world. Violence is necessary to our species’ survival—we have to kill animals, or someone has to kill them for us, in order for us to eat. We pick fruit; we even pick flowers to decorate our homes. These are all acts of violence carried out against other living beings. Animals behave in the same manner: the spider eats the fly, the fly eats whatever it is flies eat. However, there is one tremendous difference: animals are not cruel. When the spider wraps up the fly in its web, it is merely putting tomorrow’s lunch in the refrigerator. Man invented cruelty. Animals do not torture each other, but we do. We are the only cruel beings on this planet.
These observations lead me to the following question, which I believe is perfectly legitimate: if we are cruel, how can we continue to say that we are rational beings? Because we speak? Because we think? Because we are capable of creating? Even though we are capable of all these things, it is not enough to stop us from doing all the negative and cruel things in which we engage. This is an ethical issue that I feel must be discussed, and it is for this reason that I am less and less interested in discussing literature.
Sometimes I think to myself, I hope we are never able to leave this planet because if we ever do spread out into the universe, it is not likely that we will behave differently there than we have here. If we could in fact inhabit the universe—and I do not believe we will be able to—we would infect it. We are probably a virus of some kind that fortunately is concentrated on this planet. I was recently reassured about all this, however, when I read about a supernova that had exploded. The light from the explosion reached the earth about three or four years ago—it had taken a hundred and sixty-six thousand years to arrive here. I thought, Well, there is no danger, we will never be able to go that far."

Revista Blimunda #55 - Dezembro 2016 - Publicação gratuita

Capa da edição #55 - Dezembro de 2016

Sinopse de apresentação da edição; pode ser descarregada gratuitamente aqui
em http://www.josesaramago.org/blimunda-55-dezembro-2016/

"2017 está a chegar, mas ainda há tempo para ler a Blimunda de dezembro.

A Feira Internacional do Livro de Guadalajara completou 30 anos de vida e homenageou um continente inteiro, a América Latina. Entre os mais de 800 mil visitantes da FIL estava Pilar del Río, que do México nos traz saborosas histórias sobre essa celebração da literatura.

“Madrid é uma festa”, escreveu Hemingway, mas também pode ser uma enorme galeria fotográfica. Cinco exposições espalhadas pela cidade e que de alguma maneira contam a história do século XX em imagens. Texto de Sara Figueiredo Costa.

O que é um livro-jogo? Na secção Infanto-Juvenil Andreia Brites explica o conceito dessa aposta de várias editoras para o fim do ano. Na secção Visita Guiada quem abre às portas à Blimunda é a editora Edicare. Na Saramaguiana, um texto de José Saramago inédito em português intitulado “Meditação sobre uma Jangada”. Uma reflexão do escritor sobre os rumos da Europa publicada originalmente em francês no jornal Liberatión.

Boas Festas e um excelente ano para todos."

"Natal" (Fernando Pessoa) - Revisitar "Outros Cadernos de Saramago" (23/12/2008)

Revisitar "Outros Cadernos de Saramago"
http://caderno.josesaramago.org/18167.html

Terça-feira, 23 de Dezembro de 2008

"Natal... Na província neva."

"Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.
Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!"
Fernando Pessoa

Peça de Teatro baseada na obra "O Homem Duplicado" estreia 13/01 em Lanzarote (Jameos del Agua) - "Saramago y la doble identidad regresan mutados a Lanzarote" (El País, Rocío García 21/12/2016)

Publicado no "El País", de Rocío García (21/12/2016), aqui
em http://cultura.elpais.com/cultura/2016/12/21/actualidad/1482337750_137124.html

"Saramago y la doble identidad regresan mutados a Lanzarote.
José Martret estrenará en los Jameos del Agua un montaje sobre ‘El hombre duplicado’, novela que el Nobel concibió en la isla"

"Raúl Tejón y Kira Miró en la adaptación teatral de la obra de Saramago."

"Cuenta Pilar del Río, la viuda de José Saramago, que un mañana el escritor, en su casa de Lanzarote, frente al espejo del baño donde se afeitaba, preguntó en voz alta: “¿Si existiera alguien exactamente igual a mí, sería capaz de soportarlo?”. De esta reflexión matinal surgiría El hombre duplicado, una obra en torno a la identidad y las posibilidades que ofrece la vida que el Premio Nobel de Literatura portugués publicó en 2002, ocho antes de su muerte en la isla canaria. El hombre duplicado llega ahora al teatro de la mano del director José Martret, en un montaje protagonizado por Raúl Tejón y Kira Miró, entre otros, y la colaboración especial de Nathalie Poza, que se estrenará en el auditorio de los Jameos del Agua (Lanzarote) el próximo 13 de enero, antesala de una gira futura. La adaptación, que cuenta con el respaldo de Pilar del Río y la Fundación José Saramago, ha sido realizada por Salvador Toscano y Félix Ortiz. El montaje teatral abordará de lleno “la crisis de identidad” que se aborda en la obra manteniendo, aseguran los autores de esta versión, todo “el magnetismo” de la novela.

Para José Martret, un dramaturgo con una mirada especial reflejada en sus obras anteriores (Ivanov o MBIG, entre otras) así como en la filosofía con la que creó, junto a Alberto Puraenvidia, dos de los espacios teatrales más innovadores de la ciudad de Madrid, La casa de la portera y La pensión de las pulgas, este encuentro en el escenario con Saramago es especialmente emocionante. Él, un mallorquín de 45 años, que desde muy joven se vio atrapado y doblegado por la obra del autor portugués.El hombre duplicado, primera obra de Saramago que en España, salvo un montaje en Galicia, es adaptada al teatro narra la historia de Tertuliano, un profesor de historia que descubre viendo una película en el cine que hay un actor secundario que es exactamente igual que él, con las mismas cicatrices físicas que él. La obsesión de Tertuliano por encontrar a ese actor, de nombre Antonio, le lleva a una búsqueda implacable hasta dar con ese otro yo que descubrió en una pantalla de cine. Las más de 400 páginas del libro tendrán sobre el escenario una duración de aproximadamente hora y media.

Con Saramago se vive la literatura de otra manera, la experiencia como lector es diferente. Leer a Saramago requiere una atención especial que te lleva a una reflexión profunda y te cautiva. Esta es la premisa con la que abordo este montaje teatral. Quiero una experiencia teatral única para el público. Hay algo muy irónico en la escritura de Saramago y eso lo hemos querido plasmar. La obra es un thriller que se va adentrando por caminos muy inquietantes hacia un final bastante inesperado”, asegura Martret que es consciente de las dificultades teatrales de una obra muy reflexiva en torno a la identidad y el ser humano. “El montaje narra la historia de principio a fin y la va hilando con las reflexiones que despliega Saramago en el libro. La historia no queda vacía de contenido, sino que sigue teniendo la profundidad que le dio el autor portugués”, añade Martret, que se ha rodeado de un equipo técnico de lujo: Jaume Manresa, música y sonido, Alberto Puraenvidia (escenografía), David Picazo (iluminación) y Miguel Ángel Raió en las proyecciones audiovisuales.

El estreno de El hombre duplicado en los Jameos del Agua, ese bello espacio natural intervenido por el artista César Manrique, será, piensa José Martret, el mágico encuentro entre estos dos creadores que nunca llegaron a conocerse."

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

"Gaza" - Revisitar "Outros Cadernos de Saramago" (22/12/2008)

Revisitar "Outros Cadernos de Saramago"
http://caderno.josesaramago.org/17762.html

Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2008

"Gaza"
"A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelita, decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali registadas como refugiados. Nem pão têm já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar vão pelo mesmo caminho. Desde o dia 9 de Dezembro os camiões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelita lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a cobardia internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos, faz o que entende, quando o entende e como o entende. Vai ao ponto de impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se se tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel. Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelita, esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente actualizado."

"A Jangada de Pedra" por António Sáez Delgado (Revista Blimunda #54 11/2016)

Sobre os 30 anos da publicação de "A Jangada de Pedra"


O presente texto de Antonio Sáez Delgado está publicado na edição #54 (Novembro de 2016) na revista digital "Blimunda" e pode ser consultada através da página da Fundação José Saramago aqui, em http://www.josesaramago.org/blimunda-54-novembro-2016/

Páginas 100 a 107

A primeira vez que li José Saramago fi -lo em espanhol. Convém dizê-lo já, na primeira linha. Começava os meus estudos universitários e Saramago desembarcara em força nas mesas das novidades com O Ano da Morte de Ricardo Reis, o primeiro livro seu que me caiu nas mãos. Acerquei-me dele, como tantos outros leitores, atraído pelo eco de Pessoa, que havido lido muito pouco tempo antes e também em espanhol. Comprei o exemplar de Pessoa numa feira da que era então a minha cidade, Cáceres, e a leitura de Álvaro de Campos foi como um tiro. Assim, quando vi a capa do livro de Saramago numa pequena livraria dessa mesma cidade, não hesitei.
Se bem me lembro A Jangada de Pedra foi o segundo livro de Saramago que adquiri. Li-o, como ao primeiro, através das palavras de Basilio Losada, do mesmo modo que li depois muitos outros graças
às de Pilar del Río. Também aquele primeiro Fernando Pessoa me chegou filtrado por um tradutor, José Luis García Martín. Disse Saramago: os autores fazem as literaturas nacionais, os tradutores a universal. Passaram três décadas desde então, montanhas de livros e bastantes de Saramago, já na sua língua de origem. Mas hoje gosto de recordar, impelido precisamente pel'A Jangada de Pedra, que tomei contacto pela primeira vez com Saramago e Pessoa em espanhol, na língua dos meus pais.
Li A Jangada em três ocasiões: a primeira, enquanto universitário, em fi nais dos anos oitenta, por prazer; a segunda, já em português, em meados dos anos noventa, recém-chegado à Universidade de Évora como Leitor de Espanhol, por obrigação moral (eu também sentia que algo na minha vida se havia fendido e que começava a viver num território que jamais me seria alheio); a terceira, curiosamente, o verão passado, no meio de uma planície da Extremadura contígua à fronteira portuguesa, sem saber muito bem porquê, desfrutando como nunca cada palavra.
Da leitura do livro nos anos oitenta recordo vivamente o fascínio que o tema me provocou, a estória daquela península separada do continente e à deriva pelo oceano. Da leitura do livro nos anos noventa recordo uma sintonia complacentemente biográfica, deixando-me levar e sentindo-me como mais um dos personagens que protagonizavam a aventura narrada (não por acaso, soube-o depois, eu começava a construir em Évora a minha própria jangada de pedra, a que me levaria, mais à força de remos do que à mercê do vento, a construir o meu próprio espaço vital). Da leitura do livro no verão passado lembro, sobretudo, o desfrutar da brisa da tarde nas azinheiras e o pôr do sol por detrás das páginas na serra de São Mamede, ao longe. E também a perplexidade de pensar que em 1986, faz agora trinta anos, coincidindo com a publicação do livro, Portugal e Espanha entravam lado a lado na União Europeia, apenas uns meses antes – a 14 de junho desse mesmo ano, às quatro da tarde em ponto – de Saramago conhecer Pilar, o seu pilar (a sua pedra), com quem começou a navegar uma nova vida que os levaria, num caminho eterno de ida e volta através do mundo, a Lanzarote, outra jangada de pedra. 
Hoje já não consigo ler o livro sem que estes elementos se aglutinem na minha cabeça. Trinta anos depois, é um facto, A Jangada de Pedra eiva-se de uma atualidade especial do ponto de vista europeísta. É impossível lê-lo e não pronunciar em voz baixa palavras como fronteira, jangada, humano, não nos lembrarmos dessas outras jangadas que chegam do sul carregadas de seres humanos que sonham com o paraíso europeu. Poderia falar da ironia inteligente da obra, dos referentes literários de que transborda, da importância da paisagem, do sólido (o pétreo) e do líquido... mas não estaria de modo algum a ser fi el à leitura que faço hoje em dia. Os livros mudam-nos com o passar dos anos. Acontece-me algo semelhante, ressalvando as devidas distâncias, com O Ano da Morte de Ricardo Reis, a que também voltei este verão, também à sombra da mesma azinheira. A primeira vez que o li, foi Pessoa o protagonista; nesta última leitura, ganhou nas páginas desse mesmo livro um protagonismo extraordinário o ambiente pré-bélico e bélico da Guerra Civil espanhola. Novamente as mesmas palavras (fronteira, humano) ressoando-me na cabeça.
Poucos escritores portugueses do século XX oferecem tantas referências a Espanha e à sua cultura (ou se preferirmos à Ibéria e à sua cultura) como Saramago. Poucos souberam como ele, a partir desse ceticismo irónico que se entranha até à medula no leitor, aproximar-se de alguns dos tópicos mais profundos da cultura vizinha. Confesso que a última vez que li A Jangada de Pedra, este verão, fi-lo sob a influência de uma procura, como quem tenta encontrar respostas para uma pergunta que não se consegue formular corretamente. Conhecia algumas das palavras fundamentais dessa pesquisa, estava seguro de que o conceito essencial era o de distância. Não seria complicado, mas sim quixotescamente triste e divertido ao mesmo tempo, fazer uma pequena antologia de textos de escritores ibéricos do século XX que se referem à distância entre Portugal e Espanha, entre Espanha e Portugal. Vou reunindo pouco a pouco esses fragmentos e vou-os guardando numa pasta do meu computador. É uma pasta, digamo-lo assim, sem adjetivos , onde se acumulam queixas de escritores que cruzam o século XX resmungando por não conseguirem percorrer os quilómetros simbólicos e míticos que separaram os dois países.
Aligeirei a perplexidade dessas leituras com A Jangada de Pedra, já o disse, como quem procura uma resposta. Embrenhei-me de novo nas suas páginas sem me deixar cegar pelo brilho da ideia genial que serve de ponto de partida e sem me permitir ser mais um no grupo que percorre a península para encontrar as suas respostas particulares. Intuía, isso sim, que a distância que me interessava, e que penetrou o mais profundamente possível no imaginário cultural das relações entre os dois países, estaria presente de uma forma ou de outra no livro. E não me enganei. 
Porque muitas vezes pensamos nessa distância olhando só dentro de nós, e é necessário fazê-lo de fora, por fora. Essa distância a que me refiro é a que fez, por exemplo, com que os dois poetas portugueses mais conhecidos e divulgados em Espanha durante o século XX, o hoje esquecido Eugénio de Castro (na primeira parte) e Fernando Pessoa (na segunda), tivessem que recorrer a uma imensa viagem atlântica para atravessar a tão próxima fronteira luso-espanhola. Castro, que viveu em Coimbra, chegou ao país de Cervantes através do magistério do nicaraguense Rubén Darío, que chamou a atenção para a poesia simbolista do português; Pessoa, nos princípios dos anos sessenta, alcançou um lugar privilegiado entre as referências dos escritores espanhóis graças ao trabalho do mexicano Octavio Paz, que soube conceder à poesia do autor dos heterónimos o lugar que merecia. Ambos, Castro e Pessoa, compatibilizaram essa distância espetral que separava Portugal e Espanha através de uma imensa viagem pelo oceano Atlântico.
E que tem isto que ver com A Jangada de Pedra, com a estória de uns personagens que veem separar-se a península de uma Europa que em 1986 era ainda um sonho? Tem que ver porque talvez o importante da obra não seja (ou não seja só) que a península se separe da Europa, mas que tome, no percurso fi nal, um rumo que a conduza até à América do Sul, até esse continente imprescindível, desdobramento natural da Península em matéria cultural, que ajudou os espanhóis a lerem Castro e Pessoa e que Saramago nos pede, num piscar cúmplice de olho, que não esqueçamos.
Por isso, creio que A Jangada de Pedra está plenamente atual e mais viva do que nunca trinta anos depois, recordando-nos que o mundo é vasto e amplo e que o Iberismo de que tantas vezes falamos ao referirmo-nos a Saramago deve de facto ser, nos nossos dias, Transiberismo, pois conta como elemento fundamental, muito para lá dos referentes europeus, com o diálogo cultural com os países iberoamericanos. Um diálogo que parece uma resposta visionária do autor no contexto daquele 1986 em que os dois países integraram a União Europeia, e que, passados trinta anos, se torna mais necessário do que nunca recordar."

Breve informação sobre o autor do texto, aqui
"Antonio Sáez Delgado. Concluiu Filologia Hispânica - Universidad de Extremadura em 1999. É da Universidade de Évora. Publicou 22 artigos em revistas especializadas e 5 trabalhos em actas de eventos, possui 16 capítulos de livros e 20 livros publicados. Recebeu 1 prémio e/ou homenagem. Actua na área de Humanidades com ênfase em Línguas e Literaturas. Nas suas actividades profissionais interagiu com 32 colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos. No seu curriculum DeGóis os termos mais frequentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: Literatura, Literatura comparada, Portugal, Modernismo, Espanha, Traducción, España, Fernando Pessoa, Literatura portuguesa e Literatura espanhola."