Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Citador #27 ... Pessoa e Reis num hipotético diálogo envolto em inquietude...

Citador #27
em "O Ano da Morte de Ricardo Reis"
Caminho, 11.ª edição, página 144

(...) Se um morto se inquieta tanto, a morte não é um sossego, Não há sossego no mundo, nem para os mortos nem para os vivos, Então onde está a diferença entre uns e outros, A diferença é uma só, os vivos ainda têm tempo, mas o mesmo tempo lho vai acabando, para dizerem a palavra, para fazerem o gesto, Que gesto, que palavra, Não sei, morre-se de a não ter dito, morre-se de não o ter feito, é disso que se morre, não de doença, e é por isso que a um morto custa tanto aceitar a sua morte, Meu caro Fernando Pessoa, você treslê, Meu caro Ricardo Reis, eu já não leio. Duas vezes improvável, esta conversação fica registada como se tivesse acontecido, não havia outra maneira de torná-a plausível. (...)

Ópera "Lucia de Lamermoor" de Donizetti, pronuncio de desgraça?

(...) "A entrada na sala foi unanimemente festejada com sorrisos e pequenas vénias de cabeça. Salvador, esquecido de agravos ou diplomaticamente fingidor, abriu de par em par as portas envidraçadas, à frente passaram Ricardo Reis e Marcenda, como devia ser, é ele o convidado, aqui onde nós estamos não se consegue perceber o que a telefonia toca, muito daria que pensar a coincidência se fosse a marcha nupcial de Lohengrin, ou a de Mendelssohn, ou a menos célebre, talvez por ser tocada antes de uma desgraça, a da Lucia de Lamermoor, de Donizetti." (...)

em "O Ano da Morte de Ricardo Reis"
Caminho, 11.ª edição (página 131)


Breve trecho ópera que pode ser vista via YouTube

"Dame Joan Sutherland performing 'Eccola!' (The Mad Scene) 
from Donizetti's Lucia di Lammermoor 
in the Australian Opera's - 1986 
production at the Sydney Opera House."

Breve informação via Wikipédia

"Lucia di Lammermoor é uma ópera em 3 atos de Gaetano Donizetti, com libreto de Salvatore Cammarano, baseada no romance "The Bride of Lammermoor" (A Noiva de Lammermoor), de Walter Scott. Juntamente com Don Pasquale e L'Elisir d'Amore, é uma das óperas mais representadas de Donizetti na atualidade. A sua estreia ocorreu no Teatro San Carlo em 26 de setembro de 1835.

Sinopse
Ato I
Jardins do castelo da família Lammermoor. Normanno, capitão da guarda do castelo, acompanhado de outros serviçais, está procurando um intruso. Ele conta logo a Enrico Ashton de Lammermoor que suspeita que tal intruso é Edgardo de Ravenswood, de uma família inimiga, que vem ao castelo para encontrar-se com Lucia, sua irmã mais nova. Ao descobrir que Normanno estava certo, Enrico dispõe-se a acabar de uma vez com a relação entre ambos.
Diante de uma fonte, na entrada próxima ao castelo, está Lucia, esperando por Edgardo. Lucia explica a Alisa, sua serviçal, que viu o fantasma de uma menina assassinada nesse mesmo lugar por um ciumento ancestral da família Ravenswood - a mesma de Edgardo. Alisa vê nisso um mau pressentimento e alerta Lucia para que desista do romance. Edgardo aparece e explica que vai à França, em missão política, acreditando poder selar a paz com Enrico e casar-se com Lucia. E, diante das dúvidas da aceitação ou não por parte de Enrico, trocam alianças selando o compromisso.

Ato II
Dentro dos aposentos de Lorde Enrico, acontecem os preparativos para o casamento arranjado de Lucia e Arturo Bucklaw. Enrico, preocupado com a reação de Lucia, forja uma carta supostamente escrita por Edgardo dizendo que ele já a esqueceu e está casado. Raimondo, o capelão, tenta convencer Lucia a esquecer Edgardo pelo bem de sua família.
Tem início a cerimônia nupcial. Arturo e Lucia, contrariada, assinam o contrato nupcial. Edgardo aparece de súbito e ameaça os presentes. Raimondo mostra a Edgardo o contrato nupcial e este, irritado, faz com que Lucia se desfaça dos anéis de compromisso. E é forçado a se retirar do castelo.

Ato III
Enrico e Edgardo marcam um duelo. Dentro do castelo, Raimondo noticia que Lucia assassinou Arturo cravando-lhe um punhal durante a noite de núpcias. Fora de si, Lucia se imagina na noite de núpcias com Edgardo e roga-lhe perdão pela traição. Lucia chegara à loucura.
Amanhece, e atrás do cemitério dos Ravenswood, Enrico e Edgardo se encontram para o duelo. Surge uma procissão lamentando a morte de Lucia (não é explícita a causa - se Lucia foi condenada à execução, suicidou-se ou adoeceu). Dobram os sinos anunciando a morte e Edgardo, que não suporta a idéia de vê-la morta, suicida-se com uma punhalada no peito."

Richard Eder (The New York Times) apresenta a obra "Todos os Nomes" (04/10/2000)

Na obra de João Céu e Silva - "Uma longa viagem com José Saramago" (Porto Editora, página 295), é recuperada o espanto pela orientação política de Saramago, muito escrutinada nestas referências. Na tradução, inserida em rodapé, o crítico Richard Eder do "The New York Times" refere: «Que o Sr. Saramago seja comunista - comunista muitíssimo raro porque é um grande escritor em todos os sentidos - é provavelmente significativo. É certo que não há nada ideologicamente programado na sua ficção, mas as suas personagens populares conseguem prevalecer sobre aquilo que as oprime. É mais importante o facto de ser ateu (decididamente um ateu católico romano, com problemas frequentes com a igreja)».
Esta análise resume em grande parte a envergadura transversal que atravessa toda a obra do escritor. A bandeira política ou a religiosa, não é imposta pelo autor como trâmite ou veículo da mensagem, antes porém, uma manifestação natural da vida que as suas personagens assumem. José Saramago, comunista para espanto dos críticos, ateu transgressor com confrontos contra os edifícios e estruturas organizacionais da igreja, manifestou-se como um elemento social, inquieto e sempre desassossegado, confuso e visceralmente crítico pela tamanha falta de bondade e justiça no mundo.
Mostra-se de particular importância, observar e enquadrar na análise da sua obra, estes testemunhos críticos, que permitem criar/justificar uma zona de distância e independência de Saramago enquanto escritor, e que por tal arte foi distinguido ao mais alto nível literário, do seu outro Saramago, enquanto agente social e gerador das suas ideias e filosofia de vida.

Miguel de Azevedo     

"Todos os Nomes", 1997, aqui capa do "Circulo de Leitores"


Sinopse apresentada no site da Fundação José Saramago, aqui
em http://www.josesaramago.org/todos-os-nomes/

"1997 - O protagonista é um homem de meia idade, funcionário inferior do Arquivo do Registo Civil. Este funcionário cultiva a pequena mania de coleccionar notícias de jornais e revistas sobre gente célebre. Um dia reconhece a falta, nas suas colecções, de informações exactas sobre o nascimento (data, naturalidade, nome dos pais, etc.) dessas pessoas. Dedica-se portanto a copiar os respectivos dados das fichas que se encontram no arquivo. Casualmente, a ficha de uma pessoa comum (uma mulher) mistura-se com outras que estás copiando. O súbito contraste entre o que é conhecido e o que é desconhecido faz surgir nele a necessidade de conhecer a vida dessa mulher. Começa assim uma busca, a procura do outro."


"All the Names" tradução de Margaret Jull Costa - Harcourt - 238 páginas


No "The New York Times, Richard Eder, apresenta a crítica à obra "Todos os Nomes" (All the Names), na secção "Books of the Times".

A peça crítica pode ser lida e consultada aqui,
em http://www.nytimes.com/2000/10/04/books/books-of-the-times-rising-out-of-dust-a-glimmer-of-hope.html

"Rising Out of Dust, a Glimmer of Hope"

"The dismal registry where Senhor Jose works is a labyrinth of choked passageways lined with soaring banks of files, dusty and draped in cobwebs. They contain, in one wing of the dank building, the birth and marriage records of Portugal's living. In the other wing, whose outer wall needs periodically to be extended, are the yellowing records of the dead.

''The fate of all paper, from the moment it leaves the factory, is to begin to grow old,'' observes Senhor Jose, the downtrodden and upward-persisting protagonist of Jose Saramago's ''All the Names.'' It is an early hint of connection between the registry and the human condition. The faint perfume of rose and chrysanthemum that drifts through, evoked by what is written on the paper, is another signal.

An infrangible bureaucratic hierarchy runs the place. At the bottom are the clerks, furiously active as they fill out the forms and file or transfer them. Over them are the senior clerks, spared by their subordinates' efforts from any such grueling labor. Above these are the deputies, more leisured still; and finally, the registrar himself. He is a grand personage who arrives long after the others, who never touches a file, whose sporadic orders filter down through the ranks and who, to all appearances, does nothing but think and frown.

Like the maze of Kafka's ''Castle'' and the disembodied machineries of ''The Trial,'' the registry is a mythical embodiment of the human spirit, entrapped. Mr. Saramago, a recent Nobel Prize winner, is Portuguese, though, not Central European. Fog, not bleakness, regulates his lighting.

There is a blurring effect in his great novel-parables; a kind of mercy. His protagonists are caught as Kafka's are caught, but not permanently. It is not that they escape from the web but that the web loses itself.

That Mr. Saramago is a Communist -- the very rare Communist who in all senses is a great writer -- is probably significant. Certainly there is nothing ideologically programmed in his fiction, but his little people, unlike K. or Joseph K., manage to prevail over what binds them. That he is an atheist is more important (a decidedly Latin Catholic atheist, frequently in trouble with the Church).

His various versions of God -- the registrar in ''All the Names,'' actual God in ''The Gospel According to Jesus Christ'' -- are tested, rebuked and sometimes persuaded by his lowly heroes. Jesus, in fact, in ''The Gospel''; and here, the clerk Senhor Jose. Middle-aged and solitary, Jose can't accept a humanity defined by the bare facts entered on the files. This meekly servile man sneaks into the registry at night to borrow certain cards and take them back to his shabby apartment next door. He enters them in a scrapbook of newspaper clippings about the 100 most famous Portuguese (something of a numbers stretch, he admits). It is a way of expanding the pinched definitions -- only this is life, only this is death -- in the registry's universe.

Then one night he finds he has picked up the birth, marriage and divorce file card of an unknown woman by mistake. There are no clippings to work a surrogate enlargement. Only life can do it. In fear and trembling, at comically heroic cost, this mouse grows wings and teeth (both chafe) and ventures out into the world to find her.

It is the beginning of a quest worthy of Don Quixote. Senhor Jose lacks a horse; he must use his own spindly shanks and once in a while, when it is raining especially hard, and at unaffordable expense, a taxi. His Dulcinea is worse than romantically enhanced; when he finally tracks her down, she is dead -- depressively, by her own hand.

Yet the quest is the opposite of depressive. Oddly, and in a fashion too complex to expound here (but recognizable to those familiar with Mr. Saramago's brand of secular and hard-earned miracles) it succeeds, transforming in practical ways those it touches.

Senhor Jose goes to the address listed in the last entry on his quarry's card, at the time of her divorce years earlier. He questions an old neighbor who had known her from childhood. Lives spill out: the neighbor had carried on an affair with the woman's father. She gives him the location of the school the woman attended as a girl.

The search grows mythical while remaining entirely down-to-earth and modestly absurd. Senhor Jose buys lard, a towel and a glass cutter. At night, in pouring rain, he uses them to cut a hole in a window and break into the school. He spends a miserable, soggy night and day -- it is the weekend -- searching for her files. He helps himself to the contents of the school refrigerator and takes naps in the director's office.

All he comes away with is a half-dozen yearly reports, each with its photograph. Nothing is conclusive, nor is his further search: talking with shopkeepers, her parents and, finally, visiting the cemetery where she was buried after her suicide just days before.

His travels alternate with erratic appearances at his job. Strangely, his absences, meticulously noted, are not rebuked. To the contrary, the icy registrar takes an increasingly solicitous interest in his clerk, sending medicine, food and a doctor when he catches cold. The reason remains hidden; it is revealed in a final two pages that instead of closing the story, open it out.

''All the Names'' is a lesser work than some of Mr. Saramago's others: ''Gospel,'' ''The Stone Raft,'' ''Blindness'' and ''The History of the Siege of Lisbon.'' It is closest to the last. There, a modest proofreader reverses not just an oppressive bureaucracy but history itself, and finds love with a resplendent live woman instead of an elusive dead one. Here and in the other books there is an audacity and energy in the governing conceit that ''All the Names,'' occasionally as dusty as its registry, doesn't quite manage.

Mr. Saramago's unpunctuated sentences, bundling together a statement, an objection, a qualification and a digression, need a lot of narrative detonation to keep them moving. The quieter ''Names'' bogs dozily down from time to time; periodically roused, though, by the lilting surprises of this intensely mischievous and intensely humane writer."


Pintura de José Saramago - imagem alegórica onde são agregados vários aspectos da sua vida e obra


«Ao fundo, LANZAROTE !
"Onde não comem sete, não comem oito": antiprovérbio presente em LEVANTADO DO CHÃO. Sara da Conceição estava grávida uma vez mais e assim o texto ratifica a penúria do Portugal de então. Aliás, muito atual. E, por pensar em alimentos, a escrita é capaz de nos alimentar de ideias, de abrir os olhos para injustiças. Certo dia, um amigo português emprestou-me um "flyer" de um restaurante. Tal restaurante homenageava vários escritores; um deles, claro, foi José Saramago. Degustem a foto e identifiquem o nome dos pratos.»

Reflexão de Eula Carvalho Pinheiro, académica e ilustre Saramaguina