Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Texto de Pedro Fernandes - "Temas, formas e obsessões em Claraboia, de José Saramago" Revista de Estudos Saramaguianos

Recuperação do texto de Pedro Fernandes, na data em que a obra é encenada pela companhia de teatro A Barraca.
Mais info, ver posts anteriores

Link geral das edições http://www.estudossaramaguianos.com/


Informação consultada, via Facebook na página "Revista Estudos Saramaguianos", aqui

O estudo pode ser descarregado em português, aqui 


«“Claraboia”, apesar de publicado em 2011, é o segundo romance de José #Saramago. A obra ainda não traz o peculiar jeito saramaguiano de escrita – que só se apresentará a partir de “Levantado do chão”. Mas, o leitor atento não deixará de perceber aí a presença quase integral dos principais temas que deram forma a toda sua obra literária; este é um motivo definidor do texto de Pedro Fernandes que recupera a necessidade da suficiência para considerarmos este um livro essencial e uma das peças fundamentais para a compreensão mais ampla sobre a escrita saramaguiana.» 
Texto de Pedro Fernandes O. Neto



Reflexão sobre a violência e consequente banalização das imagens que nos entram em casa através da comunicação social (29/06/1993)

Reflexão sobre a violência e consequente banalização das imagens que nos entram em casa através da comunicação social (29/06/1993)
in "Cadernos de Lanzarote - Diário I"
Caminho, páginas 69 e 70

"29 de Junho (1993)"
"A Lisboa, para gravar uma entrevista com Carlos Cruz. A hospedeira de bordo passa com os jornais, peço-lhe dois ou três para me ir entretendo durante a viagem (não gosto de ler livros nos aviões) e vou correndo os olhos pelas notícias, que, sendo de ontem, já me parecem tão velhas como o mundo. De repente, fico parado diante de uma fotografia que enche a página quase toda. Só alguns minutos depois, quando saí da espécie de estupor em que caíra, reparei que se tratava de um anúncio da Amnistia Internacional. A fotografia mostrava dois rapazes chineses (adivinha-se a presença de um terceiro, que não se vê) ajoelhados, com as mãos atadas atrás das costas. De pé, por trás deles, flectindo o joelho, três soldados que devem ter mais ou menos a mesma idade, cravam-lhes literalmente as bocas das espingardas à altura do coração. Não se trata de encenação, a fotografia tem uma realidade aterradora. Em poucos segundos os rapazes estarão mortos, esfacelados de lado a lado, com o coração desfeito. O texto diz que há na China milhares de presos políticos, que devemos fazer alguma coisa para os salvar. Deixo de olhar, penso que isto é banal, que todos os dias nos põem diante dos olhos imagens que em nada ficam a dever a esta (para não falar nas torturas e mortes fingidas que as televisões servem a domicílio), e chego a uma conclusão: que todos esses horrores, repetidos, cansativamente vistos e revistos em variações máximas e mínimas, se anulam uns aos outros, como um disco de cores, rodopiando, se vai aproximando, pouco a pouco, do branco. Como evitar que fiquemos, nós, também, imersos numa outra espécie de brancura, que é a ausência do sentir, a incapacidade de reagir, a indiferença, o alheamento? Talvez escolhendo deliberadamente uma destas imagens, uma só, e depois não permitir que nada nos distraia dela, tê-la ali sempre, diante dos olhos, impedindo-a de se esconder por trás de outros quaisquer horrores, que teria sido a maneira melhor de perder a memória de todos. Para mim, fico com esta fotografia dos três chineses que vão morrer (que já estão mortos) rebentados por três chineses a quem, simplesmente, alguém que não aparece na imagem, disse: «Matem-nos.»