Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 2 de março de 2016

"Ensaio sobre a Cegueira" pela companhia Sarabela Teatro de Ourense Espanha

"Unha epidemia súbita causa aos habitantes dunha cidade sen nome unha cegueira branca, descoñecida, que se expande de maneira fulminante polo país. Internados en corentena ou perdidos na cidade, os personaxes viven con intensidade o amor, o odio, a crueldade, a indiferenza e o medo.
A epidemia non se detén e os ollos da única muller non afectada serán testemuña excepcional do inferno provocado pola fame, a sucidade, a infamia e a aldraxe sexual. Fantasía e realidade entretecidas nunha impresionante parábola do tempo que vivimos. Recuperar a lucidez e rescatar o afecto son dúas propostas fundamentais desta obra que é, tamén, unha reflexión sobre a ética do amor e a solidariedade."

Aqui mais informações,
em http://sarabelateatro.com/ensaio-sobre-a-cegueira/


Imagens da representação


Entrevista história de Francisco José Viegas a José Saramago "Uma biografia de Jesus segundo José Saramago" - Ler #16 (Outono de 1991)

Aqui se reproduz, fielmente, uma peça histórica e de fundamental importância para o entendimento do pensamento politico e religioso de José Saramago. A entrevista realizada no final do Verão de 1991, com o manuscrito de quatrocentas e quarenta e quatro páginas da obra "O Evangelho segundo Jesus Cristo", entregue ao editor da Caminho - Zeferino Coelho -, é abordada de forma frontal a visão sobre o comunismo, a URSS em convulsão politica, e a dúbia posição do PCP, bem como, a aproximação e interpretação da figura de Jesus como homem que também teve o privilégio de amar uma mulher como a qualquer outro ser é dada a ocasião, em suma a humanização de um Jesus "saramaguiano".
Tendo em conta todo o processo de censura a que a obra foi alvo, remontando ao triste episódio do veto e censura do livro a um reconhecido prémio literário interposto pelo governo de então, durante a entrevista perpassa a ideia de um autor sereno e tranquilo, decerto longe de pensar em toda a conflituosidade que se iria gerar, levando posteriormente à decisão de mudar a residência para a ilha de Lanzarote.
Recordar as palavras ditas antes dos acontecimentos, e que perduram na história, serão sempre objecto de análise e objecto posterior em atestado da verdade. José Saramago, foi fiel ao seu princípio, a liberdade de um homem não pode ser vencida pela censura.
Rui Santos

Capa da revista Ler Edição Circulo de Leitores
N.º 16 - Outono de 1991

"Uma biografia de Jesus, segundo José Saramago"

"Não abdica do ideal comunista, escreveu um livro (a publicar em Novembro próximo) sobre a vida de um Cristo imaginado humano. "O Evangelho segundo Jesus Cristo", a lançar pela Editorial Caminho, é, em simultâneo, uma biografia de Jesus e do seu tempo. e uma reconstrução das suas ideias e obras, antes de o cristianismo as deter e reter para sim. Uma vida apaixonante de Cristo, de Deus, de Maria e de S. José, por José Saramago."

Texto de Francisco José Viegas
Fotografias de João Francisco Vilhena

"Por uma janela, vê-se o mar, ao longe, e a foz do Lisandro, que merece ser vista deste lugar, uma casa onde José Saramago se refugiou no final do Verão passado para terminar o seu novo livro, O Evangelho Segundo Jesus Cristo. No passado dia 23 de Agosto, o original foi entregue em mão ao editor. Quatrocentas e quarenta e quatro páginas do original, densas, de um livro que aborda a vida de Jesus Cristo, do seu nascimento à sua morte, uma biografia e um trabalho de imaginação da vida de Jesus Cristo - um livro sobre Jesus Cristo e sobre Deus, escrito por um homem que sempre se afirmou comunista e se declara ateu. 
É uma casa situada numa colina que desce para os campos cultivados que acompanham o final do braço do rio Lisandro, antes da Ericeira, arredores de Lisboa. Do outro lado da colina, se se subir até quase ao topo, ver-se-á um cenário que foi de outro livro, Memorial do Convento. E ver-se-ão sobre a mesa de trabalho de José Saramago, nos últimos dias de Agosto, alguns objectos que acompanham a escrita do livro - estatuetas: um Cristo, um "Diabo" de Rafael Bordalo Pinheiro, um boneco moçambicano; e livros; e a janela mesmo ao lado da mesa de madeira numa casa branca, de uma só e amplíssima divisão, abrigada do calor do Verão, tranquila, rodeada de muitas árvores e de um céu que se abre logo de manhã. 
José Saramago e Pilar Del Rio viveram aqui dois dos meses de Verão e a esta casa, de amigos de Saramago e Pilar, coube pelo menos metade das páginas do original que no próximo mês de Novembro será publicado. 
Por esses dias, a vida da URSS era agitada por um golpe que pretendia pôr em causa a perestroika ou a forma como a perestroika evoluiu - e o PCP, mais ou menos surpreendentemente, mais ou menos como alguns esperavam, pronunciou-se ambiguamente a favor do golpe que visava depor Mikhail Gorbatchov. José Saramago viveu esses dias intensa e preocupadamente, os dias em que, afinal, teria de introduzir as últimas alterações e correcções no manuscrito de O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Disso se fala também nesta entrevista." 

"Quanto tempo demorou a escrever este novo livro? 
Tive uma interrupção mais ou menos séria no final do ano passado, por razões de saúde, que teve a ver com um descolamento de retina, uma operação ligeira. Beneficiei, de resto, de alguma calma que se seguiu a esse período - e de dois meses nesta casa, fora de Lisboa, isolado. Escrevi as últimas cento e cinquenta páginas aqui, num mês. 

As suas actividades políticas não o impediram de escrever, nos últimos dois anos? 
Não, nunca me interromperam o trabalho, para já porque as minhas actividades políticas estão, neste momento, reduzidas a nada. Além do mais, o meu partido, o PCP, entende que eu não tenho que ser distraído do meu trabalho com actividades políticas mais imediatas. Na verdade, se alguma coisa afectou o trabalho de escrita, propriamente dito, foram as viagens que tive de fazer e que continuo a fazer. 

Por falar em actividades políticas, a situação actual da URSS não lhe coloca questões mais ou menos radicais sobre o futuro do comunismo? 
Desde há anos que considero que a URSS não é, nem pode ser, um problema meu. Claro que a URSS é uma referência quase obrigatória para a história política recente, mas eu nunca a tomei como uma referência obsessiva, sobretudo depois de uma viagem que lá fiz e que me deixou desconsolado por verificar que setenta anos de uma revolução e de um trabalho de construção de uma sociedade nova e de um homem novo não tinham resultados por aí além. Não tinha sido feito grande coisa... A perestroika, tomei-a como aquilo que me pareceu sempre uma espécie de correcção das virtudes e dos defeitos de um sistema burocrático que, não sendo diferente do capitalismo era exactamente o seu contrário, o seu oposto. Teria de ser necessariamente o seu oposto. Creio que, com o passar do tempo, ou porque fosse essa a vontade das pessoas envolvidas nesse processo de transformação da sociedade soviética (à medida que a máquina se põe em movimento há direcções novas tomadas em pleno processo...), comecei a compreender que não se tratava de corrigir o sistema vigente mas de encaminhar a vida da URSS num sentido diferente. 

Para fora da área do socialismo? 
Digamos que a URSS se converteu às maravilhas da economia de mercado, à visão mais ou menos paradisíaca de uma economia de mercado. De qualquer modo, a URSS deixou de ser, há muito, para mim, a referência obsessiva que para alguns ainda é. Portanto, aquilo que possa acontecer lá vejo-o sempre como um acontecimento entre outros e não como uma tragédia ou uma coisa que me possa afectar grandemente. Não como uma referência central. Como um acontecimento que não tem nada a ver com as minhas ideias, com o meu ideal.

Um ideal comunista? 
Cheguei à conclusão, e não foi só agora, de que se Babeuf foi comunista antes de Marx, também eu posso continuar a ser comunista depois de Gorbatchov. Verifico que para a generalidade das pessoas é mais fácil deixar de ser do que ter sido. De repente, os tais sólidos partidos comunistas do Leste europeu derreteram-se como manteiga ao sol. Agora, é difícil encontrar comunistas no Leste. E os que dizem que ainda são, creio que esperam o momento mais adequado para dizerem que já não são. 

É possível a sobrevivência do comunismo? 
Acho que sim. Repare, a ideia, o ideal comunista não nasceu ontem, não nasceu com Lenine, com Marx. Acompanhou o homem desde o início de tudo, desde o início dos tempos... O facto de os recentes acontecimentos na URSS apontarem claramente para um caminho que se situa fora da área do comunismo não quer dizer que o comunismo tenha acabado... 

Mas já não há um modelo que possa ser apontado como central, como resultado de um trabalho de construção política e económica dessa sociedade nova... 
O modelo falhou, não tenho dúvidas. É mais do que óbvio. Podemos dar–lhe os nomes que quisermos, socialismo científico, socialismo real, mas os factos estão aí, a dizê–lo e a prová–lo claramente: o modelo real falhou. Este era um dos modelos possíveis. Mas penso que o ideal não morre. Sobreviverá, disso tenho a certeza, e haverá tempo para pensar nele noutra escala, noutras condições. De qualquer modo, não tenho formação teórica suficiente para analisar estes tempos do ponto de vista da previsão dos próximos tempos e do estabelecimento de condições concretas para o socialismo. Não vejo muito bem como é que isso se fará. 

Mas o ideal continua... 
Sim. Eu penso que sim. As coisas para mim são bastante claras nesse domínio, e há um dado essencial que é preciso apontar e ter em conta neste momento: o capitalismo que se apresenta como uma panaceia, um processo de salvação da humanidade, não promete nada, não faz promessas; anuncia, isso sim, que está tudo ao alcance das pessoas, através da economia de mercado, da livre iniciativa, do investimento privado - por isso, como não promete, não decepciona. A tragédia do socialismo é precisamente essa: não cumprindo o que prometera de facto, decepciona muito mais, tem contra si a larguíssima maioria das pessoas e mesmo daqueles que algum dia pensaram ser possível uma sociedade diferente, nova, radicalmente nova. 

A reacção do PCP ao golpe de Agosto, em Moscovo, surpreendeu–o? Está de acordo com a pri-meira reacção do PCP? 
Bom, estamos ainda longe de Outubro, a data de saída da revista, não se sabe o que vai acontecer entretanto... 

Mas imagine que estamos a 20 de Agosto... 
Penso que a reacção inicial do PCP foi politicamente errada e com grandes defeitos de análise. De cada vez que na URSS se registaram mudanças, que alguma coisa se alterava na URSS, o PCP apareceu sempre com documentos a dizer que "agora é que é", "esta mudança é que é", por aí fora... Creio que essa era uma maneira de o PCP não tomar uma posição clara... Nesta altura, e imaginemos que estamos a 20 de Agosto, dizer a mesma coisa em relação a uma situação nova que decorria não de todo um processo evolutivo interno da URSS, mas de um corte drástico e abrupto, como é o caso de um golpe com as características de que aquele se revestia, aparecer o PCP a dizer que se esperava que esses acontecimentos evoluíssem de forma a corrigir, a emendar situações anteriores (vividas na perestroika), é um acto desesperado... 

E errado, politicamente, como disse há pouco? 
Uma manifestação de ingenuidade. Como é que se podia pensar que aquilo que acontecia era uma rectificação de erros anteriores? Ao dizê–lo, ao afirmar isso, o PCP estava a justificar um golpe, a justificar aquilo que é injustificável. Foi sem dúvida um erro político, muito ingénuo. Digamos que se estavam a sobrepor os desejos aos factos. Aliou–se, então, ingenuidade e imprudência. Do ponto de vista da nossa política interna, foi imprudente, fosse qual fosse o futuro do golpe - o PCP iria pagá–lo de algum modo e no caso de o golpe ir no sentido mais conservador, no do regresso a formas autoritárias de exercer o poder na URSS, íamos aqui pagar por estar a aplaudir o regresso a uma situação dessas. O golpe nem sequer durou o tempo suficiente para se saber se ia ou não ser assim... O PCP errou, por tudo isso. Arriscou um trabalho lento de alargamento da sua influência (e da sua base eleitoral...) por causa de um gesto de solidariedade mal orientada - que só nos veio prejudicar a nós. 

Prejudicou-o, a si? Quer dizer: o facto de o PCP ter errado nesse e noutros casos, o facto de o PCP não ter realizado a sua perestroika, prejudica-o a si enquanto figura pública, enquanto escritor? 
Eu tenho o partido que tenho, e não tenho outro. Se estou dentro, tenho de enfrentar todas as consequências. Na minha relação com o PCP não entro em conta com a minha "base social de apoio" (a expressão é do Eduardo Prado Coelho) enquanto escritor, ou cidadão. Se tiver de acontecer que o facto de o PCP não ter feito a sua perestroika afecte a minha vida pública como escritor, não é por isso que deixo o meu partido. Não, não deixo o partido. 

Não tem uma posição simpática em relação a Ieltsin, por exemplo? 
Não. Nada simpática. A figura dele não me é simpática, nem a mim nem aos políticos internacionais. É um demagogo, um homem instável, uma figura pouco respeitável e marcado por extremismos, tanto à esquerda como à direita. 

E Gorbatchov? 
Independentemente de se saber se ele é ou não comunista, creio que Gorbatchov é credor de respeito e de admiração. Quando digo que é credor, é credor mesmo no que me toca. Olho para ele com respeito e admiração: tentou evitar o desastre. Não vai ter grande futuro como político. Para fazer aquilo que fez é preciso ter coragem e ser uma grande figura humana. 

De qualquer modo, as suas actividades políticas mais imediatas afectam a escrita dos seus livros... Não, não vou dizer que são coisas distintas... Penso que houve uma função testemunhal que o escritor teve e manteve durante muito tempo, e que hoje já não tem. Enquanto cidadão, sim, continua a continuará a mantê-la, evidentemente - opinar quando é necessário, dar juízo. Mas como escritor dou a minha opinião e o meu testemunho sobre questões que me preocupam e que se podem deduzir dos meus livros, e que são questões que estão, não direi acima, mas noutro lugar. Noutra dimensão. Aquilo que um escritor como eu faz é tratar de questões e preocupações permanentes das pessoas. As da política são permanentes, mas sobem e descem de acordo com factores geralmente complexos. Esses interesses e preocupações flutuam, enquanto outras questões, as que eu penso ter tratado nos meus livros e as que eu quero continuar a tratar, são mais permanentes no sentido em que respiram de uma relativa eternidade, isto é, de uma continuidade no tempo. Só assim se explica que uma pessoa ideológica e politicamente definida como eu se tenha preocupado com a questão religiosa, a questão do catolicismo, da Igreja, de Jesus. É um tanto inesperado que um escritor como eu se preocupe com isso, eu sei, mas a verdade é que as essas preocupações políticas imediatas não devem absorver ou retirar importância, em caso algum, a outras preocupações que, sem dúvida, como eu disse, são mais importantes. 

É o que acontece com o novo livro? Que preocupações estiveram na base da escrita deste livro? 
Eu penso que responde a uma série de inquietações sobre a recuperação que a Igreja está agora a realizar no plano espiritual, material e político - em influência e capacidade de intervenção. Reajo a essa intervenção e a essa ingerência pondo, eu próprio, em causa, em dúvida, os Evangelhos, a criação da Igreja, o próprio Deus, a vida oficial de Cristo. Isso está aí nessas 444 páginas do manuscrito. Claro que se estivesse a reagir a questões mais imediatas, falaria dos supermercados, da sida, da droga, sabe-se lá. Mas essa preocupação pelo quotidiano é o campo de intervenção do jornalismo. As grande épocas de intervenção dos escritores na vida política e social são épocas em que a importância dos media é reduzidíssima. Hoje, os papéis inverteram-se. O escritor já não tem o papel de amplificador, de altifalante - esse papel cabe ao jornalismo. Ao escritor cabe ir às questões essenciais. 

O Evangelho Segundo Jesus Cristo é um livro sobre a religião? 
Não é um livro sobre a religião, sobre a religião católica, na medida, até, em que o catolicismo não existia na época em que eu situo a história. O livro começa com a concepção de Jesus e acaba com a sua crucificação, com a sua morte. É por isso que lhe chamo O Evangelho Segundo Jesus Cristo, e acaba como qualquer dos quatro Evangelhos. 

A sua perspectiva é a de contar, de outra maneira, a vida de Jesus Cristo? 
A perspectiva é a de, se você se lembra dos meus livros, ver o que é que está por trás das coisas. Portanto, pode imaginar o que é que eu posso ter feito com os Evangelhos, que são altamente coincidentes e altamente contraditórios. 

Tenta reconstruí-los? 
Não. Sirvo–me deles como testemunhos. Mas repare que essas contradições de que eu falo não são contradições formais dos Evangelhos, apenas. São contradições inerentes à própria biografia e atitudes de Jesus Cristo. Contradições, que acabam por tocar os próprios Evangelhos em conjunto e em particular: entre eles há coincidências e diferenças. Claro que a Igreja diz que os Evangelhos não são biografias de Jesus mas interpretações da sua vida, mas eu tratei-os como biografias, acrescentando-lhes a biografia que eu próprio estabeleço ou tento estabelecer. 

Fascinou-o, a figura de Jesus Cristo? 
Acho que é uma figura fascinante, mesmo para mim, que não sou crente, não sou crente de nenhuma religião. Pode pensar-se que, como não crente, não tenho direito algum de me apaixonar por uma figura como a de Jesus Cristo. Não estou de acordo. Qualquer escritor, todo o escritor, deveria, um dia, confrontar-se com a figura de Jesus Cristo. Por mim, saí do livro como entrei, isto é, não me fui convertendo à medida que as páginas foram avançando e eu fui investigando, estudando pormenores da vida de Cristo, mas não há dúvida que o trabalho de invenção de Cristo (e de contacto com alguns pormenores da sua biografia) e do seu mundo foi uma experiência muito funda - que não me faz sair do livro como um homem crente, mas com um grau de compreensão mais alto de toda esta tragédia humana que é necessitar de um Deus para justificar, para ter esperança, para organizar o mundo. Porque é de uma tragédia que se trata. De uma coisa vertiginosa. Imaginemos que (e para mim isso é claro) Deus não existe e que Jesus, assim, não é filho de Deus - e verificamos que esse não-ser construiu e mantém uma civilização inteira. Supondo, como eu suponho, que Deus não existe e que, portanto, não pode ter um filho, então tudo o que ele fez - fez como homem. É curioso verificar como se construiu uma civilização inteira (com a sua Filosofia, a sua Arte, as suas Éticas, o seu Direito) assente sobre nada de verdadeiro, sobre uma coisa que não é verdadeira. 

Você fala de uma religião, a católica, o cristianismo. Mas não de um sentimento religioso. Você é um homem religioso? 
Provavelmente sou um homem bastante religioso. Bom, para se ser ateu como eu sou, deve ser preciso um alto grau de religiosidade. 

Fez muitas leituras para escrever este livro? 
Sim, claro. E há um livro de importância excepcional, de um autor catalão, chama-se La Sinagoga Cristiana, absolutamente notável: coloca Jesus, não na Igreja que veio a ser mas na sinagoga que havia na altura. Nos primeiros tempos, a actividade evangélica decorria nas sinagogas, e a mim interessou-me muito ver como é que o judaísmo passa, em certa versão, a ser cristianismo, mais ou menos subitamente, ex abrupto. Há uma fase cinzenta em que o que é e outra coisa qualquer que nasce contêm laços importantes com o passado. Por isso foi muito estimulante escrever este livro. Não trato da formação da Igreja mas de contactos, de aspectos da vida de Jesus. A verdade é que me interessei muito pelos Evangelhos. 

Fala de amores de Jesus Cristo? Quero dizer, amores humanos, deste mundo? 
Preocupei-me tanto quanto possível que ele tivesse uma vida normal, tanto do ponto de vista afectivo como do ponto de vista sexual - por uma razão: não apenas para contestar a ideia da castidade de Jesus, o que seria uma provocação banal, mas para conferir e restituir à mulher o lugar que certas épocas nunca lhe reconheceram. Posso contar-lhe que os judeus, que levavam o dia todo abençoando Deus (a quem chamavam Senhor) e pedindo a sua bênção, e que, a propósito de tudo e de nada invocavam os valores mais religiosos que se podem imaginar, tinham uma bênção de uma crueldade atroz, terrível, que era dita só por homens. E que era mais ou menos assim: "Bendito sejas Tu, meu Deus, meu Senhor, por não me teres feito mulher." Bom, é nesta religião que Jesus cresceu e viveu. Ah!, se havia alguma bênção de mulher, creio que era mais ou menos assim: "Bendito sejas Tu, meu Deus, meu Senhor, por me teres feito segundo a Tua vontade." É também para reagir a isto que, no livro, dei algum realce à vida afectiva e sexual de Jesus Cristo, uma vida normal, até ao dia da sua morte. E até no dia da sua morte. 

Qual a sua relação com Jesus, depois de escrever este livro? Como é que o imaginou? Apaixonadamente, claro. E criticamente, sempre. E também com ironia algumas vezes, mas uma ironia que nunca era dirigida contra ele mas contra situações que ele vive. Não digo isto por ter medo que me venham a castigar no Inferno, mas no sentido de querer compreender Jesus Cristo na sua dimensão total, aberta, diria real. 

Teme alguma reacção mais ou menos intempestiva por parte da Igreja, por exemplo? 
Não. A Igreja Católica aprendeu já a mais difícil das coisas, que é estar calada quando deve. O livro não lhes agradará muito, evidentemente, mas irão digerir em silêncio. Poderá haver um cura, um padre mais assanhado que acuse o autor de escrever heresias. Mas se qualquer coisa desse género vier a suceder, cá estarei. Aliás, deixe-me dizer-lhe, desde o princípio que soube que tinha de escrever este livro. Vivi-o com um raríssimo sentimento de urgência. É como se eu não quisesse sair deste mundo sem deixar este testemunho, independentemente dos seus méritos literários. Nenhum livro me deu tanto esse sentimento imperioso de urgência, de ter de escrevê–lo. 

Há, creio, no livro, um debate sobre a natureza do Bem e do Mal... 
Sim, sim... Há mesmo um capítulo extensíssimo, que trata do encontro de Deus, de Jesus e do Diabo e em que os três estão reunidos a falar das mil coisas que cabem em quarenta páginas, e a questão do Bem e do Mal é essencial nessa conversação... É sempre. 

O que o interessou mais na vida de Jesus Cristo? 
Pormenores. Ao fim de uma leitura mais atenta dos quatro Evangelhos interessavam-me muitas coisas: os milagres, as curas, a paixão, a morte, o sofrimento... No caso do meu livro, a questão fulcral é a relação entre Jesus e Deus, tomada, como eu a tomo, entre duas entidades abstractas. 

Mas há um outro aspecto, que é o da relação entre Jesus e Deus em termos de Pai e Filho... Uma família... 
Exactamente, esse é um aspecto determinante, porque Jesus aparece-nos muitas vezes distante da sua família... Para mim, o pai de Jesus é sempre S. José. Sempre. 

Isso é curioso porque Jesus Cristo abandona pai e mãe, S. José e Maria, para evangelizar, e algumas vezes menospreza essa relação com os seus pais, digamos, terrenos... 
Sim, a não ser no Evangelho segundo S. João, no qual a mãe e o pai acompanham Cristo na hora da morte, na sua morte, nos outros Evangelhos não há nada disso, não está presente uma relação familiar normal... Aliás, no catolicismo assistiu-se sempre a uma construção sistemática da vida de Maria (havendo mesmo necessidade de promover um culto especial a Maria). A presença histórica dela, tirando a Anunciação ou um ou outro episódio da infância de Jesus, é diminuta. Não há lugar para ela, no ambiente judaico reinante, talvez seja isso. Nem para a mulher, em geral, como sabemos. Na língua que os judeus falavam nessa altura, palavras como "justo" ou "piedoso" não tinham correspondência no género feminino, pensava-se que uma mulher não poderia, nunca, ser justa ou piedosa. De resto, Jesus pareceu-me sempre duro e indiferente em relação à sua própria família, está sempre fora da família. Quando lhe dizem "a tua família está ali para te ver", Jesus responde que a sua família são todos os que querem ouvir a sua palavra, a palavra de Deus. E há outros pormenores mais ou menos desconcertantes nos Evangelhos. Mas penso que nunca nenhum ateu leu com tanta atenção os Evangelhos como eu..." 

Citador #42 - A afirmação sobre Cuba na entrevista ao "La Vanguardia" (Xavi Ayén - 10/12/2008)

(...) "Diante do fuzilamento de três rapazes [em Cuba, em 11 de abril de 2003], escrevi aquele texto [a carta aberta “Fico aqui” publicada em El País em 14 de abril de 2003]. Senti-me muito impactado. Convidaram-me, depois, para ir à ilha, eu aceitei, e, ali, reiterei meus argumentos contra a pena de morte. Poderia configurar uma ruptura, mas o fato é que os cubanos não queriam romper comigo, nem eu com eles, e então me admitiram, mesmo com essas críticas. Não estou de mal de Cuba. É como se tivesse tido uma divergência séria com alguém da minha própria família." (...)

Xavi Ayén entrevista José Saramago 
“La Vanguardia", de Barcelona (10 de Dezembro de 2008)

José Saramago e Fidel Castro (Porto - Outubro de 1998)


A entrevista completa pode ser recuperada e lida, aqui

Mais trabalhos de Xavi Ayén, aqui

"Soñamos que tenemos el libre albedrío, pero no es así"

"Estoy con un nuevo libro, hoy he escrito la primera página"

"La injusticia y el abuso de autoridad sobre el individuo son los motores de mi obra"

"José Saramago, a sus 86 años, ha vuelto a la vida. Tras haberle visto la cara a la muerte, según propia confesión, a causa de unas neumonías sucesivas, lo primero que hizo al llegar a casa el pasado febrero, tras unos meses de hospital, fue ponerse a escribir. Y en agosto ya le había salido “El viaje del elefante” (Alfaguara/Edicions 62), una crónica épico-humorística del recorrido que realizó Salomón, un elefante propiedad del rey de Portugal que, en el siglo XVI, fue regalado al archiduque Maximiliano de Austria, por lo que tuvo que viajar de Portugal a Viena, pasando por Lisboa, Valladolid, Roses, Génova... 
El libro acompaña al paquidermo y a su cornaca, Subhro, así como a los ejércitos portugués y austriaco que lo custodian, por su hiperbólica ruta. Saramago recibió el pasado sábado en su casa de Lisboa a este diario, y nos mostró la futura sede de su fundación, la impresionante Casa dos Bicos, en el barrio de Alfama, un monumento nacional que se va a salvar de la ruina gracias al Nobel.

¿Escribir este libro ha sido también épico, como el viaje del elefante? 
Tenía 40 páginas hechas antes de caer. En todo el tiempo que estuve enfermo, casi un año, no escribí pero estuve pensando en el libro, le decía a los doctores: 'A ver si no voy a poder acabarlo...' Cuando finalmente llegué a casa, pesaba tan solo 51 kilos, estaba muy debilitado pero, contra todo pronóstico, a las 24 horas ya estaba escribiendo como un poseso. Es algo muy bonito y gratificante que, a pesar del estado deplorable en que me hallaba haya encontrado fuerzas para escribir. Más sorprendente todavía es que me haya salido un libro tan humorístico. 

¿Cómo es posible que, habiéndole visto la cara a la muerte, este sea mi libro más divertido, el único en que el humor está presente en cada página? 
No fue premeditado, es como si el libro hubiera querido ser escrito de ese modo. Nada de mi horrible experiencia ha pasado a él, ni siquiera un leve detalle. 

A lo mejor esa experiencia aparece en libros futuros... 
No creo. He tenido sueños absolutamente terroríficos, las peores pesadillas de mi vida, que olvidaría si pudiera. Nunca las recrearía en público. 

¿No? ¿Por qué? 
Al contrario de lo que Freud creía, no se puede describir un sueño porque siempre te queda algo esencial fuera, todo sueño contiene algo inefable que forma parte de su esencia.

¿Qué base histórica real hay en la novela? 
Se produjo efectivamente el regalo de un elefante de un rey a otro, y el animal realizó ese viaje, pasando por las ciudades que digo. El itinerario es exacto y el hecho de que murió al año de llegar a Viena también. Pero los datos históricos caben en media página, así que no he tenido más remedio que inventar. De todos modos, no estoy seguro de que esto sea una novela: no hay una historia de amor, no hay un conflicto, desarrollo y crecimiento de personajes... es el relato de un viaje, yo lo llamaría más bien un cuento, aunque tenga casi 200 páginas. 

Los protocolos de la corte, las relaciones entre los dos ejércitos reales, la comunicación entre el archiduque y el cornaca... señalan una reflexión sobre el poder y su pompa, ¿verdad? 
Sí, pero eso no era lo que más me preocupaba. El poder siempre es pomposo, lo fue en el siglo XVI y lo es todavía hoy, aunque no lo parezca tanto. Este es uno de mis libros menos políticos, aunque yo crea que, si profundizamos, todo es política siempre. ¿Sabe por qué lo escribí, en el fondo? 

No... 
Por el final que tuvo el pobre elefante: cuando se murió, ¡le cortaron las patas delanteras para hacer con ellas unos recipientes para guardar los bastones! Me pareció una injusticia enorme: ese elefante que recorrió miles y miles de kilómetros para llegar hasta Viena, sin saber por qué, ese paquidermo majestuoso que fue aplaudido por las gentes de pueblos de toda Europa a lo largo del camino, porque era un animal desconocido en la época, que salvó a la una niña de ser aplastada, un trayecto tan épico... que le cortaran las patas me pareció injusto, humillante, no se lo merecía. Si eso no hubiera ocurrido no me hubiera sentido estimulado a escribir el libro. De hecho, es una metáfora sobre la vida humana.

¿La muerte da sentido a la vida? 
Yo eso no me lo creo. Lo que dio sentido a la vida de ese elefante fue ese final tan cruel, destinar sus patas a un fin tan profano, tan por debajo del nivel de su epopeya. La injusticia es uno de los motores de mi obra, el abuso de autoridad sobre el individuo. Y aquí el individuo es el elefante. Todos somos elefantes. Soñamos que gozamos de libre albedrío pero en lo importante no lo tenemos. 

A Saramago se le reconoce tan solo leyendo una línea, por su escritura característica, por ejemplo esos diálogos intercalados en medio del texto, sin signos de puntuación, formando un continuo. 
Eso se lo sé defender de forma eficaz: cuando hablamos no hay signos de puntuación. Hablamos igual que se hace la música, con sonidos y con pausas. Una interrogación no es un signo al final, es una melodía. Para mí, el lector debe tener un papel que vaya más allá de interpretar el sentido de las palabras, el lector debe poner su música, interpretar la partitura del texto de un modo muscular, de acuerdo a su respiración y su propio ritmo. En el fondo, la puntuación es lo mismo que las señales blancas pintadas en las carreteras, que intentan impedir que el conductor tenga problemas pero, tal vez, si no existiera ningún tipo de señales, todo el mundo conduciría con mucho más cuidado. Eso es lo que quiero, que me lean con cuidado. 

Y, como en sus últimos libros, desaparecen casi todas las mayúsculas. 
Para eso no tengo mucha defensa racional pero sí un argumento estético: una página con muchas mayúsculas es muy fea, siempre subiendo y bajando. Con la abolición - nunca total - de la mayúscula, conseguimos una página más armoniosa. Hay muchos idiomas que no la usan: el hebreo, el chino, el árabe, el japonés. 

¿Qué papel tiene el cornaca, el cuidador del elefante? 
No quiero hablar de simbiosis, pero en el fondo el elefante hace lo que el cornaca quiere. Un elefante es un animal muy rotundo, con una presencia apabullante pero ¿qué piensa? ¿cómo siente? Como no conozco a ningún elefante, y no me parecía correcto antropomorfizarlo, eso era una tentación fácil, mi opción ha sido explicar cómo piensa su cornaca, que lo acompaña desde la India. Porque el elefante, en el fondo, es el motor de toda la historia pero un motor inconsciente, que no sabe lo que le pasa, no sabe adónde va, y esa falta de sentido es lo que conduce toda la historia. 

Pero se da una comunicación entre ellos. 
Al menos en una dirección. ¿Sabe qué me contó García Márquez? Que, un día, vio a un caballo que tenía las dos orejas llenas de larvas; vino un campesino, se acercó a él y empezó a hablarle con una especie de letanía y, a medida que iba hablando, ¡las larvas saltaban y se caían al suelo! Si las larvas son capaces de reaccionar a la palabra humana, ¿por qué un elefante no? 

A los dos, animal y cornaca, les cambia el nombre Maximiliano... 
Como señal de su autoridad imperial. Pero el cornaca, al dirigirse al emperador, a veces bordea el límite de lo permitido... 

¿Y qué representa la reina de Portugal? 
Es una figura contradictoria, ella tiene la idea de regalar el elefante pero a la vez le da mucha pena desprenderse de él por una especie de instinto femenino. El honor de cerrar la historia es suyo.

Este libro ¿supone un adiós a su línea reciente de parábolas políticas? 
Quién sabe... 

En su blog decía que tenia una idea de nuevo libro, y hoy le hemos visto escribiendo... 
Estoy con un nuevo libro, sí. Me han visto ustedes escribiendo la primera página, que ya está acabada. Es una idea que tuve hace tres años y que ahora me ha vuelto con una fuerza tal que no he podido resistirme.

El 10 de diciembre se conmemoran a la vez los 60 años de la declaración de derechos humanos y los diez años de la concesión de su premio Nobel... 
La declaración de derechos humanos no se cumple, es papel mojado. A pesar de eso, no existe un movimiento internacional capaz de oponerse a los intereses poco claros de nuestros gobiernos. Un cambio de política haría mejorar las cosas, yo no soy fatalista. Pero los medios de comunicación deben denunciar, asumir su parte de responsabilidad en la mejora del planeta. No creo eso de dejar el peso del cambio a los jóvenes, educados como están en un hedonismo irresponsable. El trabajo de hoy debemos empezarlo hoy. ¿Cómo van a tener esperanza de cambio los jóvenes si los adultos hacemos dejación de nuestras responsabilidades? Somos todos nosotros, hoy, los que hemos de cambiar las condiciones de vida. Si lo hacemos, si luchamos por ello, tal vez los jóvenes quieran imitarnos, pero si nos quedamos quietos seguro que ellos tampoco lo harán. Las vías de lucha están hoy neutralizadas y hay que revivir el espíritu critico. El fracaso del capitalismo financiero, hoy tan obvio, debería ayudarnos a la defensa de la dignidad humana por encima de todo. Vemos que todos los gobiernos inyectan miles y miles de millones a los bancos, ¿de dónde sale ese dinero? ¿no decían que no había dinero para solucionar los problemas básicos del mundo? ¡Jamás se han gastado tanto dinero en nada! Si son los bancos los que tienen problemas, el dinero público -que es nuestro- crece y se multiplica. ¿Por qué no salimos a la calle a denunciarlo? Si es Cuba la que sufre una catástrofe natural, como recientemente, EE.UU. le da 100.000 dólares de donación, que por supuesto el gobierno cubano rechazó. Hay que pensar en los derechos humanos, exigir que se cumplan, lo dije hace diez años en Estocolmo, en mi discurso del Nobel, muy criticado porque me dijeron que aquel no era el lugar ni el momento, pero le confesaré que, al volver a mi asiento, la misma reina de Suecia me susurró: 'Alguien tenía que decirlo'. 

¿Y el Nobel? ¿Le cambió la vida? 
Sí, pero en el mismo sentido en que ya la llevaba, es decir, intensificó mi tendencia a intervenir en cuestiones sociales y políticas. Lo importante es que no ha cambiado la persona que soy. Si quiere, puede contrastar ese dato con mis amigos y mi esposa. 

Pero le ha hecho, por ejemplo, frecuentar a muchos mandatarios... 
No, no, no me gustan los pasillos del poder, y hay políticos a los que me niego a ver, como al mismo presidente de Portugal, que, cuando era primer ministro, censuró una de mis novelas. 

¿Y su relación con Fidel Castro? Usted publicó una dura carta abierta contra su política, que se titulaba 'Hasta aquí hemos llegado'... 
Ante el fusilamiento de tres chicos, escribí ese texto. Me afectó mucho, después me invitaron a ir a la isla, acepté y, allí, repetí mis argumentos contra la pena de muerte. Podía haber sido una ruptura pero la verdad es que los cubanos no quisieron romper conmigo, ni yo tampoco con ellos, y me aceptaron con esas críticas incluidas. No estoy peleado con Cuba, es una diferencia seria que he tenido con alguien de mi propia familia. 

Siguen coleando sus declaraciones a favor del iberismo -la unión de España y Portugal- pronunciadas hace tres años... 
Lo que demuestra que, se quiera o no, el tema está vivo. Me han llamado de todo, traidor a la patria... pero yo creo que eso, un día, sucederá. Fíjese en el dibujo de España sin Portugal, le queda una forma un poco rara, estéticamente no es gran cosa. España sufre un complejo de amputación pero nosotros, los portugueses, todavía sentimos temor a Castilla (que no a Galicia o Catalunya), así que no sucederá mañana, pero sucederá, de un modo que no nos hará perder, por supuesto, nuestra lengua ni nuestra cultura. 

¿Le da esperanza Obama? 
Siempre tengo esperanza, porque todos vivimos de ella. Pero también recuerdo que Kennedy o Tony Blair se presentaban como esperanzas y luego se rieron de nosotros, especialmente Blair. El caso de Obama es diferente porque es negro e inteligente y, por esas dos razones, creo que nunca olvidará lo que han sufrido los suyos durante siglos. Si es capaz de ampliar ese sentimiento y extenderlo a toda una serie de injusticias, se producirá una gran rectificación de la política de EE.UU. en el mundo. Yo hace mucho que no voy a EE.UU., un país en el que en el aeropuerto la policía te copia el disco duro de tu ordenador. Eso es algo que me consta que están haciendo y que yo tengo el derecho de considerar intolerable."