Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 14 de dezembro de 2014

Sugestão de Leitura - Revista Digital "Blimunda" n.º 3 (08/2012) - com especial atenção a Jorge Amado

(Capa da revista)

Destaques
"Jorge Amado, cem anos de vida vivida"
"Diário de viagem de Pilar", dos Cadernos de Lanzarote, vol. IV
"Jorge Amado, Vivo", texto de José Saramago
"Livro infantil e promoção da leitura", sugestões
Dois textos sobre a personagem canina 
"O cão, personagem dor romances de José Saramago", por Helena Vaz Duarte
“Entra, chegaste à tua casa”, por Pilar del Río


Pode ser descarregada, gratuitamente para leitura e guardar, aqui

Sinopse
"Não se comemora o centenário de um escritor, celebram-se os cem anos de vida de um ser humano que a qualquer momento pode aparecer numa esquina, com uma camisa branca, ou talvez de flores, com um gesto tão aberto que nele podem continuar a refugiar-se gerações de pessoas, com uma incorruptível amizade, a mesma que o fez cruzar um século sempre acompanhado, tão confortável na sua pele como na sua relação com outros, sempre seus semelhantes. Porque Jorge Amado era dessa estirpe “graças a Deus”, como diria Zélia Gattai quando se definiu a si mesma como anarquista por influência divina.

Jorge Amado e José Saramago poderiam ter tido uma relação mais dilatada no tempo. Teria bastado que Saramago desse o pequeno passo que o aproximaria do grande escritor brasileiro num tempo em que o mundo era jovem, mas o sentido do respeito devido ao mestre levou a que o português seguisse o seu caminho e esperasse que um dia, talvez, acontecesse o que tivesse de acontecer. E assim foi. Saramago não se mostrou perante Jorge Amado de mãos vazias, quando chegou à sua presença e amizade levava – simbolicamente, claro – uns quantos livros que justificavam que ambos se encontrassem e se tratassem por tu. Puderam fazê-lo, fizeram-no e profundamente, porque se a relação entre o escritor da Bahía e o do Ribatejo não abarcou mais de uma década, foi suficientemente intensa para que se contassem medos e projetos, sonhos por realizar, aventuras que ficariam por viver e outras bebidas até à última gota. Os dois escritores conversaram sobre política e paixões, dificuldades e logros, por vezes com picardia, por vezes com uma seriedade quase doutoral que rematavam com uma gargalhada, e daquelas conversas ficam ecos que alguns amigos de vez em quando recompõem aos pedaços. Que pena que a grande Zelia Gattai não esteja aqui para documentar, com a sua prosa fresca e lúcida, aqueles encontros na Bahía, em Paris, Roma, Madrid e Lisboa, aquelas viagens pela Galiza ou pelo norte de Itália, aqueles projetos de contruir pontes sobre rios e mares, sobre oceanos, talvez entre planetas se ali existir o cheiro a canela, que é o cheiro da vida que eles tanto amaram, os três, Jorge e Zélia, José.

Começa agora o ano de Brasil-Portugal. A Fundação José Saramago entra em pleno nesta aproximação porque nasceu também para isso. Celebrar os anos de Jorge Amado no seu dia, no seu mês, é o primeiro passo. Depois virão outras atividades em que se irá contando que os seres humanos não passam, ficam, são imortais enquanto haja quem os recorde e festeje. Com dignidade, lucidez e emoção.

No enterro de José Saramago recordou-se Jorge Amado, o momento em que o avião em que o casal Amado-Gattai viajava teve de fazer uma aterragem de emergência. Então, Jorge, que tinha pânico de voar, pôs-se a pedir aos gritos o jornal, ante o espanto de Zelia: “Mas Jorge, vamos morrer e tu pões-te a pedir o jornal?” “Queres que morra sem saber o que passa no mundo?”, foi a resposta do marido. Pois se no enterro de José Saramago se recordou esse facto para dizer que no mundo, segundo os jornais, o que se havia passado era que tinha morrido um homem bom, um imprescindível, hoje pode acrescentar-se que os meios de comunicação, as livrarias, as bibliotecas contam nestes dias de agosto que um grande escritor está em festa de aniversário e nós com ele. Que não se foi, por isso, contrariando o jornal mexicano La Jornada que escrveu em manchete quando o escritor do Brasil morreu “Adiós, Amado”, hoje, na Fundação José Saramago o que dizemos, e connosco os que visitam a exposição e leem os seus livros é “Olá, Amado”."