Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 19 de maio de 2016

"Prefácio para um livro" - "Cadernos de Lanzarote Diário IV" (03/10/1996)

3 de Outubro (de 1996)
Prefácio para um livro: 
Antes de construir o primeiro barco, o homem sentou-se na praia a olhar o mar. Ali esteve todo um dia e toda uma noite, a ver como subia e baixava a maré, a ver levantarem-se ao largo as ondas, a ouvir o fragor delas quando se desfaziam na linha de rebentação, e depois o suspiro delicado da espuma ao ser sorvida pela areia. A necessidade o trouxera. O alimento que a terra tantas vezes lhe negou, pródiga de secas, pestes e dilúvios, o mar lho oferecia sem medida, não pedindo, em troca, mais do que a simples moeda da coragem. E também o dom da invenção e a aventura do conhecimento. Juntar umas tábuas, tecer uma rede, moldar um anzol, impelir o barco para a água, de pouco iria servir-lhe sem a lição das correntes e dos ventos, das mudanças do céu, do passo das nuvens, do estremecimento dos cardumes. Para tanto, um homem sozinho não bastaria. Outros homens chegaram, e mulheres, e crianças, o estrondo contínuo das vagas e os silvos do ar amedrontaram a alguns e fizeram-nos recuar para as terras do interior, mas esses, um dia, vindo olhar de cima das falésias a aldeia que se formara na franja de areia, deram com o mesmo mar, sereno agora, brilhando ao sol como uma dança de cristais, as ondas apenas sussurrando sob o voo das gaivotas. Então desceram. Fugir da morte pode tornar-se num modo de fugir da vida. 
As personagens que povoam José, o romance de Armando Palacio Valdés, são descendentes daqueles homens que diante do mar temeram e ousaram, aqueles que fizeram o barco e lançaram a rede, que arrancaram o peixe às sombras submarinas, que quantas vezes se afundaram nelas, de olhos abertos e com os pulmões cheios de água. Então o pranto humano teve de soar mais forte na natureza que todos os tufões nascidos dela, simplesmente porque o homem é o único animal capaz de chorar. E de sorrir. É diante do mar - do mar de Rodillero, do mar do mundo - que o riso e a lágrima assumem uma importância absoluta. Dir-se-á que mais profundamente a assumiriam diante do universo, mas esse, digo eu, está demasiado longe, fora do alcance duma compreensão comum. O mar é o universo perto de nós. 

in, "Cadernos de Lanzarote Diário IV"
Caminho, página 230 e 231 (03/10/1996)

Entrevista a Pilar del Río para o programa "ControVersos" conduzido por Manuel Luis Goucha (TVI24 - 17/06/2011)



"Ele vive... sempre que o estamos a ler, ou que com ele nos desassossegamos. Não podemos falar de José Saramago sem falar de Pilar del Rio, sobre quem disse: "Se eu tivesse morrido aos 63 anos antes de conhecer a Pilar, teria certamente morrido muito mais velho". 
Falemos então de José e Pilar..."


"Pilar del Rio no TVI24 recorda Saramago Viúva do escritor assinala primeiro aniversário da morte do Nobel da Literatura. Pilar del Rio, a esposa do falecido José Saramago, uma mulher controversa, segundo o próprio Manuel Luís Goucha. A última mulher do escritor português fala muito de Saramago, quase só dele. Da sua personalidade, da sua obra e decisões. 
Mas também do futuro, da Fundação, dos objectivos e sonhos. Também fala dela própria, para dizer como foi viver com o Prémio Nobel da Literatura. 
Gravação feita em 2011-06-17"







Programa "Baseado Numa História Verídica" conduzido por Aurélio Gomes entrevista Pilar del Río (Canal Q - 2.ª Temporada 9.º Episódio)

Pode ser recuperado e assistido, na plataforma dos vídeos Sapo, aqui

Entrevista a Pilar del Río


"Baseado Numa História Verídica" - 9º episódio da 2ª temporada do programa

Jornalista, tradutora, companheira de estrada de José Saramago, 
presidenta da fundação que recebeu o nome do único prémio Nobel da literatura português, 
Pilar del Río faz o esboço do guião da sua vida.