Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Quadro da autoria do artista plástico Jiří "Georg" Dokoupil, na Biblioteca de José Saramago (Tías, Lanzarote)

(Quadro da autoria do artista plástico, Jiří "Georg" Dokoupil)

Extracto do texto de apresentação da biblioteca de José Saramago - Tías, Lanzarote
"A biblioteca é dominada por um retrato de José Saramago e da sua esposa, da autoria do pintor checo Jiri Dokoupil, que plasma um momento da apresentação do livro As Pequenas Memórias, que o artista viu num jornal e que, “como tudo pode ser contado de outra maneira”, como dizia Saramago, o pintor aplicou numa tela, realizando com fumo de uma vela e tinta amarela uma obra moderna e bela na qual o escritor se revia com muito gosto."



Pode ser obtida mais informação, via Wikipédia, 
"Jiří "Georg" Dokoupil (born 3 June 1954) is a contemporary Czech artist. He was founding-member of the German artist groups Mülheimer Freiheit and Junge Wilde, which arose in the late 1970s and early 1980s.
Dokoupil lives and works between Berlin, Madrid, Prague, Rio de Janerio and Santa Cruz de Tenerife." (...)



Entrevista de Adelino Gomes a Carlos Fuentes - «Divara é uma ópera estremecedora» (Público, 28/07/2001)

Adelino Gomes, entrevista Carlos Fuentes - "Público", publicado em 28 de Julho de 2001
Link, em http://www.publico.pt/culturaipsilon/jornal/divara-e-uma-opera-estremecedora-160260

Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez, Belisario Betancourt, José Saramago 
e Eloy Martínez (foto Victor Serra, 2004)


"Divara é uma ópera estremecedora"

"É diplomata, professor em Harvard e escritor consagrado (prémios Cervantes, Príncipe das Astúrias, Picasso, entre muitos outros). Acaba de entregar à editora francesa Grasset o original de um novo livro, onde fala de tudo - da política, da religião, do sexo, da família, da globalização. Carlos Fuentes, 72 anos, é também um apaixonado de ópera. De férias por uma semana em Portugal, onde veio pela primeira vez nos anos 50, o "Público" descobriu-o esta segunda-feira, no Teatro Luís de Camões, em Lisboa, no espectáculo de encerramento da temporada lírica do Teatro Nacional de São Carlos. Ao lado de José Saramago, o escritor mexicano assistiu, entusiasmado, à última representação da ópera "Divara - Água e Sangue", de Azio Corghi, baseada na peça "In Nomine Dei", que o Nobel português escreveu a pedido do Teatro de Münster, em 1993.

Carlos Fuentes, refere:
«É emocionante, estremecedora. Não faz concessão nenhuma. Nem lírica, nem romântica. Há uma coincidência total, uma fraternidade bárbara entre o tema, a música, a interpretação. Não se separam em nenhum momento: a representação não se separa do tema, a música não se separa do tema, e este não se separa da música, de modo que fazem uma unidade perfeita sobre a cegueira, a intolerância que caracterizou a história dos homens. Temos um lado de luz e um lado obscuro e quando este lado aparece é realmente a noite que aparece.»

P - A acção desenrola-se no século XVI. Acha que tem actualidade?
R - A violência é sempre actual. A imposição de dogmas é actual. Tudo coisas que é bom ir recordando para que não se repitam, embora, na verdade, se repitam. 

P - E a figura da mulher, nesta ópera?
R - São os seres mais poderosos. Quatro mulheres estão sentadas no final e são como uma coluna, o centro do universo nesse momento.

P - Já conhecia a peça?
R - Sim, claro.

P - O espectáculo corresponde à leitura que fez da peça?
R - É perfeito.

P - A reacção do público hoje [como na representação anterior] não foi muito calorosa...
R - Nem podia ser. Não se enfrentam acontecimentos como estes facilmente. Não se lhes pode responder como se responde à "Madama Butterfly"...

P - É amante de ópera. Qual foi a última a que assistiu?
R - Tive o enorme gosto de ver num espaço de dois meses, imagine, no Metropolitan de Nova Iorque e em Glyndebourne, Inglaterra, a ópera "O Caso Makropulos" do [compositor checo Leos] Janacèk [apresentada em Portugal na Lisboa 94]. Em duas interpretações diferentes. Uma grande experiência. Antes desta...

P - Está de férias em Portugal?
R - Sim, vim com a minha mulher. O embaixador do México [escritor José María Pérez Gay, de quem acaba de sair no México "Tu nombre en el silencio", Leon y Cal editores] é um velho amigo nosso e não podíamos perder a oportunidade de ver Saramago, Pilar e a ópera.

P - É a primeira vez que vem de férias a Portugal?
R - O meu pai foi embaixador do México aqui, nos anos 67, 68. E antes já cá tinha estado. Foi a primeira cidade europeia que conheci. Vim directamente para aqui, nos anos 50. Impressionou-me esta extraordinária mescla do mundo mediterrâneo, árabe, lusitano. Ela mostrou-me desde o primeiro momento uma Europa já mestiça, nesses anos 50. Tenho muitas recordações de Portugal, muitas leituras.

P - Essa Lisboa dos anos 50, reencontrou-a agora?
R - O perfil urbano sim, mas felizmente a situação política mudou. Esta ópera não podia ter sido representada sob Salazar. Havia sempre um censor sentado a ver o que se ia dizendo e representando. Nós riamo-nos, os intérpretes riam-se dele, ele ria-se um pouco, era de certo modo uma ditadura branda. O país mudou.

P - E a cidade?
R - Mal acabo de chegar, não a vi ainda. Sinto que há um perfil novo, moderno, mas parece-me que a cidade de sempre está aí. Essa Lisboa antiga não desapareceu, felizmente.

P - O que vai fazer durante estas férias em Portugal?
R - Ler, apanhar sol, nadar. Acabo de terminar um livro.

P - Como se chama?
R - É um livro de uma série francesa, da editora Grasset, chamada "Ce Que Je Crois". Iniciou-a François Mauriac, há 40 anos. O escritor diz o que pensa, naquilo em que crê.

P - Religião, política, globalização?
R - Fala-se de tudo: literatura, sexo, família, filhos, política. Fi-lo por ordem alfabética - amizade, amor, Balzac, beleza, Buñuel, ciúmes. Também globalização...

P - O que diz da globalização?
R - Que ela está aí. E que não vai desaparecer. O desafio é convertê-la em algo que sirva o ser humano. Não que o esmague e o aliene, como está a fazer. O Renascimento foi globalização. E o descobrimento da América. Vasco da Gama foi um globalizador. Faz parte de um fenómeno que temos que dominar. Não está sujeito à política, não está sujeito a leis e isso é o que a faz tão ameaçadora. É um mercado tão desbocado que não tem nenhum limite, nenhuma lei que o domine. (...)

P - O que disse a José Saramago no final do espectáculo?
R - Que intensidade! Que intensidade!..."

Por Adelino Gomes, publicado no "Público" a 28/07/2001

Biblioteca d'A Casa, em Lanzarote, "Um altar à literatura" nas palavras de Stephanie Merritt (30/04/2006)

A biblioteca José Saramago, na sua casa em Lanzarote.
A este propósito, João Céu e Silva, em "Uma longa viagem com José Saramago", página 137, faz uma nota de rodapé à entrevista ao jornal "The Observer", realizada por Stephanie Merritt, em 30 de Abril de 2006.
Refere a jornalista: «A arquitectura da biblioteca de José Saramago, pela forma como se ergue na encosta de uma colina na sua ilha adoptiva de Lanzarote, dá a impressão de ser uma catedral moderna. A luz do sol entra por estreitas janelas altas de vidro opaco que abrangem os dois andares; as nuas paredes brancas e a fresca pedra contribuem para uma sensação de reverência na presença de tantos volumes, antigos e modernos, em tantas línguas diferentes. É um altar à literatura, uma religião alternativa para o Nobel português, o qual deixou a sua pátria há 14 anos em protesto contra a censura governamental do seu romance "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (...)»

(Esta biblioteca não nasceu para guardar livros, mas sim para acolher pessoas. - José Saramago)

Nas palavras de Saramago, a implementação da biblioteca pode ser encontrada na página 203 ("Uma longa viagem com José Saramago", João Céu e Silva - Porto Editora), onde são já visíveis, os esboços e planos para a concretização deste espaço.

"É também a Universidade de Granada que está a organizar a sua biblioteca?
- Sim. A biblioteca é para ficar em Lanzarote até que a Fundação seja extinta. Enquanto a Pilar for viva ela administrará a Fundação - eu já cá não estarei mas a coisa continuará -, não sei quantos anos irá durar a Instituição, mas se um dia acabar, os seus bens pertencerão à Biblioteca Nacional de Lisboa à excepção da biblioteca que será levada para a Universidade de Granada, onde constituirá um núcleo de literatura que tem a ver com a própria cátedra que se vai criar. Aliás, a Universidade já destacou funcionários para trabalhar na catalogação em Lanzarote."


Agora, atravessamos mares, e vamos em direcção à casa propriamente dita. 
Situada em Tías, cidade próxima de Arrecife, capital de Lanzarote, fica localizada a poucos quilómetros do aeroporto.

Todas as informações podem ser encontradas no site da "Casa", 

Transcrição do maravilhoso texto de apresentação da biblioteca, 

"Diz José Saramago que aos livros, há que abri-los com cuidado, porque têm dentro o autor, com toda a sua sensibilidade, com tudo o que o fez ser único e irrepetível. Diz que há que passar a ponta dos dedos pelas lombadas dos livros comum gesto cúmplice, dizer-lhes, aos escritores, que não estão esquecidos e demonstrá-lo voltando a eles, hoje um livro, amanhã outro, para que não desesperem enquanto nos aguardam e nos chamam. Esta biblioteca tem gente nas estantes e Saramago pensava passar com ela muito tempo, vir aqui para ler e conversar com os seus contemporâneos ou com os que os haviam precedido. Mas tal não foi possível. O projecto foi cortado porque a morte não é inteligente nem compassiva.

Saramago vinha à biblioteca todas as manhãs. Sentava- se na mesa da frente depois de ter colocado um disco, talvez Bach, e começava o seu trabalho de escritor lendo as últimas palavras que tinha deixado acabadas e impressas. Corrigia pouco, quase nada, porque quando escrevia tinha já a história e, inclusivamente, as palavras, ordenadas na sua cabeça. “Escrever, dizia, é como fazer uma cadeira, as quatro pernas têm que assentar no chão, deve estabelecer-se uma certa harmonia entre as várias partes, ser bela, se o talento chegar para tanto”..E então começava o ritual: reorganizar os objectos em cima da mesa, ligar o computador, recostar-se no seu cadeirão, unir as mão, olhar em seu redor, começar a escrever. E de fora ouvia-se o som leve do teclado, um ritmo lento, cadenciado, sem grandes pausas, sem ruídos. Não fumava, não precisava de um café, talvez água, quase sempre esquecida a um dos lados da mesa. Escrever, dizia, é como fazer uma cadeira, as quatro pernas têm que assentar no chão, deve estabelecer-se uma certa harmonia entre as várias partes, ser bela, se o talento chegar para tanto. E assim, como um artesão, ia criando páginas que já estão na História da Literatura, enquanto à sua volta todos se envolviam noutras tarefas mais prosaicas, como catalogar livros, abrir correspondência e receber visitas, conscientes, todos, de que assistiam como testemunhas silenciosas ao acto mágico da criação, aquele que aqui, entre estas paredes, se produziu ao longo de quatro anos.-

A biblioteca é dominada por um retrato de José Saramago e da sua esposa, da autoria do pintor checo Jiri Dokoupil, que plasma um momento da apresentação do livro As Pequenas Memórias, que o artista viu num jornal e que, “como tudo pode ser contado de outra maneira”, como dizia Saramago, o pintor aplicou numa tela, realizando com fumo de uma vela e tinta amarela uma obra moderna e bela na qual o escritor se revia com muito gosto. Da série que Santa Bárbara realizou sobre o Memorial do Convento há na biblioteca outros dois quadros, para além das quatro gravuras do artista cubano Kcho, que Saramago trouxe de Cuba tendo muito claro em que lugar da sua casa iriam ficar.os livros escritos por mulheres estão juntos e por ordem alfabética A organização dos livros baseia-se em critérios pessoais. Assim, e embora a Literatura seja universal, os livros estão colocados pelos países de origem dos autores. A filosofia, o ensaio e as memórias arrumam- -se por uma ordem temática, como história ou política. Há, no entanto, uma excepção a todas as normas: os livros escritos por mulheres estão juntos e por ordem alfabética. Saramago nunca concordou com este critério, mas respeitou a decisão da sua esposa, que não quis que autoras que não tivessem sido consideradas pelos seus pares, pelo facto de serem mulheres, estivessem condenadas a partilhar estantes com quem não as respeitou ou valorizou.

A ante-sala da biblioteca é ocupada pelas duas pessoas que trabalhavam mais perto de Saramago. Aqui se encontra parte da literatura da América e vários retratos de escritores amados: Cervantes, Camões, Pessoa, Drummond de Andrade, e até um Dom Quixote vencido, que regressa derrotado de todas as batalhas, e que no entanto é, para sempre e em todo o mundo, o mestre que se invoca quando se dá início a uma empresa ousada. A gravura de Tàpies, as palavras de Saramago em português, euskera e castelhano: Uma inesgotável esperança.Preside a esta sala um trabalho conjunto que realizaram, por iniciativa do grupo basco Elkarri, Tàpies e Saramago, e que tinha como objectivo abrir uma campanha para encontrar uma saída pacífica e digna para o conflito basco. Durante uns meses, Tàpies e Saramago percorreram vários lugares, acumulando vozes e apoios. Como testemunho, a gravura de Tàpies, as palavras de Saramago em português, euskera e castelhano: Uma inesgotável esperança.

Na biblioteca José Saramago recebeu os seus amigos. Quando recuperou da doença que em 2007 esteve a ponto de acabar com a sua vida, o primeiro acto público que organizou foi convidar María Kodama para que falasse de Borges em Lanzarote. A memória de Borges é predominante na biblioteca porque Jorge Luis Borges, com Pessoa e Kafka, eram para Saramago os escritores imprescindíveis do século XX. Mais tarde,por aqui passaram outros companheiros de letras e deixaram as suas palavras. Estão contidas neste espaço, se é verdadeira essa lei que diz que nada se perde."



Aqui, o link com a entrevista completa,
em http://www.theguardian.com/books/2006/apr/30/fiction.features1

José Saramago: "Still a street-fighting man"

"In his first interview with an English newspaper, 83-year-old Portuguese novelist José Saramago reveals that his famed radicalism is undiminished

The architecture of José Saramago's purpose-built library, as it rises from a parched hillside on his adopted island of Lanzarote, creates the impression of a modern cathedral. Sunlight splinters through high, narrow windows of opaque glass that stretch the full two storeys; the clean, white walls and cool flagstones contribute to a sense of hushed reverence in the presence of so many volumes, ancient and modern, in so many languages. Here is a shrine to literature, an alternative religion for a Portuguese Nobel laureate, who left his homeland 14 years ago in protest at the government's censorship of his novel, The Gospel According to Jesus Christ (it vetoed its submission for the European Literature Prize on the grounds that it was offensive to Catholics).



It takes some effort to believe that Saramago is about to turn 84 - not just because of his vivid physical presence, his barely-lined face and the quickness of his eyes and hands when he talks, but also because of his extraordinary productivity.

Although Seeing is published this week in English translation, he has produced another book in the meantime; Las Intermitencias de la Muerte was published last autumn in Portugal, Spain and Latin America (his Spanish wife, Pilar del Rio, translates his books as he goes along so that they can be published simultaneously for his large Spanish readership), and he is now working on an autobiography entitled Peque?Memorias (Little Memories), about his childhood in rural Portugal.

But the image of the venerable novelist shut away in his island retreat, disengaged from the world, could not be further from the truth. Saramago is about to leave Lanzarote for two months of travelling, as he does most years, in part to promote the new novel, but mainly to speak at conferences and presentations on politics and sociology. 'Most of it doesn't have much to do with literature,' he explains, 'but this is a part of my life that I consider very important, not to limit myself to literary work; I try to be involved in the world to the best of my strengths and abilities.' Still a member of the Communist party, Saramago is a vocal opponent of globalisation and many of his best known novels have taken the form of political allegory. Does he believe that the artist is obliged to take on a political role? 'It isn't a role,' he says, almost sharply.

'The painter paints, the musician makes music, the novelist writes novels. But I believe that we all have some influence, not because of the fact that one is an artist, but because we are citizens. As citizens, we all have an obligation to intervene and become involved, it's the citizen who changes things. I can't imagine myself outside any kind of social or political involvement. Yes, I'm a writer, but I live in this world and my writing doesn't exist on a separate level. And if people know who I am and read my books, well, good; that way, if I have something more to say, then everyone benefits.'

Seeing evolved into a kind of sequel to his 1995 novel, Blindness, in which the inhabitants of a republic that may or may not be Portugal are struck by a temporary epidemic of blindness and quickly revert to barbarism. Seeing revisits the same country four years later as it experiences another unprecedented phenomenon: despite the high turnout for the municipal election, when the votes are counted, more than 80 per cent have been returned blank. This wholesale vote of no confidence in any of the political parties makes a farce of the democratic process and the leaders are forced to declare a state of emergency.

'I was giving a talk about my novel, The Double, in Barcelona,' Saramago remembers. 'I have this habit of only talking about my books for a few minutes, then I prefer to spend the time talking about the world in which we find ourselves, a world which is a disaster, and usually I end up talking about the problem of democracy, whether we truly have a democratic system, and I believe that we don't. And in Barcelona, someone asked me, well then, what do you propose? Because I was saying that, in reality, the world is governed by institutions that are not democratic - the World Bank, the IMF, the WTO. People live with the illusion that we have a democratic system, but it's only the outward form of one. In reality we live in a plutocracy, a government of the rich.'

So what was his solution?

'I answered that I didn't have a solution, except that we, as citizens, do have the power of the vote, but we always use it to vote for one or other of the parties on off er. But there is another possibility, which is to cast a blank vote.' He leans forward and points a stern finger. 'And this is not at all the same as abstention. Abstention means you stayed at home or went to the beach. By casting a blank vote, you're saying that you understand your responsibility, you have a political conscience and you came to vote, but you don't agree with any of the existing parties and this is the only way you have of saying so.

'Then I thought about what would happen if the blank votes went up to 50 or more per cent. It would be a way of saying society has to change but the political powers we have at the moment are not enough to effect this change. The whole democratic system would have to be rethought.' He speaks Spanish with a heavy Portuguese inflection, each sentence composed with precision, not at all like the rather breathless, digressive narrative style that has become a hallmark of his novels. Expounding these theories, he comes across as grave and wise, though when he talks about the problems of poverty in Africa or the volatility of most employment, there flares a passionate anger that has fuelled his lifelong commitment to leftist politics.

But there's a twinkle of humour, too, in his mock sternness with his dog as she scuffles around our feet, and a warmth in his exchanges with his wife, who comes in to offer us coffee; as she turns to leave, he impulsively clutches her hand and gives it an affectionate squeeze. I point out that, for all the brave intentions of the blank voters in Seeing, the novel has a bleak end - the authorities simply revert to force, though the protest has been as peaceful as a protest could be; in the end, it seems to have been in vain. I tell him it reminded me of the anti-war demonstrations in London.

'Yes, it all ends badly, because things are not mature,' he says sadly. 'Here in Spain, 90 per cent of the population was against the war and nobody in power was interested. But look what just happened with the employment law in France - the law was withdrawn because the people marched in the streets. I think what we need is a global protest movement of people who won't give up, who won't leave the streets. In Madrid and London, we marched, we did our duty, then we went home and those in power did nothing.

'But we have to keep on demonstrating and demonstrating and demonstrating' - here he breaks into a rich, throaty laugh - 'there's no solution but to say we do not want to live in a world like this, with wars, inequality, injustice, the daily humiliation of millions of people who have no hope that life is worth anything. We have to express it with vehemence and spend days on the street if we have to, until those in power recognise that the people are not happy.'

In a lifetime of political activism, Saramago has witnessed the struggle from various angles. He grew up as the son of landless peasant labourers in a village north east of Lisbon and, although he published his first novel, Land of Sin, at the age of 23, it was another 30 years until he attempted another. In the meantime, he worked successively as a mechanic, civil servant, metalworker, production manager at a publishing house and a newspaper managing editor, until the politico-military coup of 1975 made it impossible for someone of his political colours to find work.

He turned to writing full time, publishing his second novel, Manual of Painting and Calligraphy, in 1976, and producing plays, poetry, essays and newspaper columns until his 1982 historical novel, Baltasar and Blimunda, brought him international recognition. His most successful novels were all written when he was in his sixties and he won the Nobel Prize in 1998, at the age of 76. Why, after so many years and excursions into different genres, did he decide that the novel was the best form for the ideas he wanted to express?

'I think the novel is not so much a literary genre, but a literary space, like a sea that is filled by many rivers. The novel receives streams of science, philosophy, poetry and contains all of these; it's not simply telling a story.' Saramago is often described as a pessimistic writer. I ask if he feels genuinely pessimistic about the future or if he thinks there could be hope for the left?

'We're not short of movements proclaiming that a different world is possible,' he says, heavily, 'but unless we can co-ordinate them into an organic international movement, capitalism just laughs at all these little organisations that do no damage. The problem is that the right doesn't need any ideas to govern, but the left can't govern without ideas. It's very difficult.

'At 83, I don't hope for much, but you are young, you have to keep a perspective. I don't think this novel is going to change the world, but look - those in power are there because we put them there. If they don't get it right, then out! And let others try. There are plenty of reasons not to put up with the world as it is, and if the book has any kind of message, I suppose that's it."

Marco António Guimarães - "Blindness" - Bach Preludio M1 (OST)



"Uakti, a Brazilian instrumental quintet formed in 1979, (Aguas de Amazona, Mapa & I Ching) and heard on Paul Simon's album The Rhythm of The Saints, provide this evocative score. Julianne Moore and Mark Ruffalo star in the highly anticipated Blindness based on the internationally best-selling novel by Nobel Prize winner Jose Saramago. From Academy Award® nominated director Fernando Meirelles (The Constant Gardener, City of God) comes the compelling story of humanity in the grip of an epidemic of mysterious blindness. The journey shines a light on both the dangerous fragility of society and the exhilarating spirit of humanity. Blindness has a screenplay by Tony Award® winner Don McKellar and features and ensemble cast that includes: Julianne Moore (Far From Heaven, The Hours) and Mark Ruffalo (Zodiac, Reservation Road), with Danny Glover (Dreamgirls, The Color Purple). Blindness recently debuted to critical acclaim at this years Cannes Film Festival. It opens the Toronto Film Festival this September. U.S. nationwide opening is October 3rd."

"José Saramago: o nobel, 10 anos depois" - por Anabela Mota Ribeiro

Aqui, fica o último texto da jornalista Anabela Mota Ribeiro, cujo site, onde estão compilados os seus trabalhos (entrevistas e crónicas, de e sobre personalidades relevantes; publicadas em diversos órgãos de comunicação social), aqui deixo a minha recomendação de visita e leitura.

Publicado originalmente, no Jornal de Negócios, em Outubro de 2008

Link, para consulta em, http://anabelamotaribeiro.pt/62964.html

"José Saramago: o Nobel"

"Um momento de glória. Quando chega a uma escola nova e dá um único erro ortográfico no ditado: escreve “calsse” em vez de “classe”, e passa para a carteira do melhor. “Foi aqui, agora que o penso, que a história da minha vida começou”.
Outro momento. “Quando o PEN Clube me atribuiu o seu prémio pelo romance “Levantado do Chão”, contei esta história para assegurar às pessoas que nenhum momento de glória presente ou futura poderia, nem por sombras, comparar-se àquele. Tinha publicado o “Levantado do Chão” em 1980, ainda tinham que passar 18 anos para que me dessem o Prémio Nobel... Momento de glória, o que é que isso quer dizer?”
A Glória. “Uma sensação de glória só pode ser algo muito fugaz. O que constrói a glória é a visão dos outros. Já que os outros acham que têm motivo para isso, a pessoa começa também a achar. Imaginar que por causa do Nobel é que passei a andar num virote... A minha vida antes já era essa, desde os anos 70, final dos anos 60. Só multiplicou aquilo que vinha sucedendo já. Mas multiplicou por muito, tenho que dizer. Não mudou nada. Nem me pôs defeitos que não tivesse antes, nem introduziu qualidades que não fossem as minhas. A pessoa que sou não mudou. E os meus amigos e todos os que me conhecem podem confirmá-lo. Não tenho pose. Gosto muito quando vou na rua e as pessoas me param: “É só para o cumprimentar, como vai?, gosto muito daquilo que escreve”. São pequenas glórias praticamente quotidianas. Aqui ou em Espanha”.
José Saramago, 2006, em entrevista para o Jornal de Negócios a propósito da publicação do seu livro de memórias. Um livro em que recua até um tempo que deixou de existir. Mas que vive nele, porque ele fez-se nesse “fundo movediço, composto de restos, de detritos de tudo e de todos” onde fica a infância. “E há coisas que estão aí “ipsis verbis”, frases que ficaram durante 70 anos ou mais na minha memória. Até mesmo factos, pessoas e nomes que julgava esquecidos, quando comecei a escavar, de repente, subiram à superfície. O quarto onde se dormia, a varanda que dava para a Rua Heróis de Quionga, na Mouraria, a prostituta que me disse assim, eu tinha doze anos: “O menino quer vir para o quarto?”.
Fez-se na Azinhaga, nos quartos com serventia de cozinha nas casas partilhadas de Lisboa. Fez-se na aspereza dos dias. Na necessidade. Na humilhação. O que ficou desse tempo?
Um sapateiro que lhe perguntou: «Você acredita na pluralidade dos mundos?». A memória reconfortante do avô Jerónimo: “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler, nem escrever”. Citou-o no discurso do Nobel. A memória reconfortante da avó Josefa: “Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. (…) E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém”. Memória transformada em carta, publicada n’ A Capital em 1968 e publicada recentemente em postal.
Era um tempo em que José Saramago era Zezito. Que vive nele. Abeirou-se dessas memórias como quem abraça as árvores do seu quintal. “Terá o pressentimento de que o fim chegou, e irá de árvore em árvore do seu quintal, abraçar os troncos, despedir-se deles, das sombras amigas, dos frutos que não voltará a comer. (...) Que palavra dirá então?”.
A morte rondou-o, há um ano. A gadanha pronta. Tê-lo-ia o inconsciente pressentido quando o parou nas memórias de infância? O consciente afirma que a ideia do livro existia há vinte anos. Mesmo assim. Foi um susto. Pilar agarrou-lhe pelos colarinhos e gritou-lhe que ele tinha de viver. Segurou-o. Novo milagre: o amor a prendê-lo à vida. O primeiro milagre é, segundo Eduardo Lourenço, toda a sua vida.
“Não tive estudos que estavam ao meu alcance e ao alcance da bolsa da família: estudei para ser serralheiro mecânico. Fui serralheiro mecânico. Depois fui várias coisas ao longo da vida. Li muito. Livros meus só os tive quando tinha 19 anos, quando pude comprar, com dinheiro que um amigo me emprestou. Houve dois momentos importantes na minha vida que decidiram tudo. Um deles, não muito consciente, foi o facto de ter deixado de escrever depois de ter escrito esses livros. Durante 20 anos, quase não escrevi. Só voltei a publicar em 1966. O segundo momento foi em 1975, quando, depois do 25 de Novembro, fiquei sem trabalho e sem esperança de o conseguir. “E agora, o que é que eu faço? Tenho aí alguns livros, mas não tenho uma obra, é agora ou nunca”. Durante cinco ou seis anos, talvez sete, vivi de traduções, ao mesmo tempo que ia escrevendo o “Manual de Pintura e Caligrafia”, e o “Objecto Quase”. A sorte foi que o Círculo de Leitores me tivesse convidado para escrever “Uma Viagem a Portugal”, em 1979-80. Foi bem pago, deu-me uma estabilidade económica que me permitiu afrontar durante um ano ou dois o trabalho [da escrita], sem estar a pensar que tinha que ganhar dinheiro_ ele já estava ganho”.
Pilar, “mais do que um anjo, uma mulher. Podia ser qualquer outra, dirá você. Pois, mas é esta. A diferença está aí. De anjo tem muito pouco. É de carácter demasiado forte”. A jornalista espanhola que apareceu na sua vida em 1986. Na agenda pessoal do escritor, permanece a folha de uma árvore, dourada pelo tempo, que assinala esses dias. Era para ter sido no dia 11 de Junho, e ele pensava que ela era Pilar de los Rios. Mas o encontro deu-se, na verdade, dias mais tarde, a 14, e ele riscou sobre o nome e sublinhou numa cor fluorescente: Pilar del Río.
Tudo mudou. Saramago tinha passado os 60, e não podia supor que tinha ainda uma vida inteira para viver. Nunca desligada da criança que havia sido. Nunca desligada das convicções que fizeram dele o homem de convicções que é. “Quero ter tempo para escrevê-la [a obra], reivindico tempo para escrevê-la. Mas não é a única prioridade, eu vivo neste mundo. E o que se passa, em primeiro lugar interessa-me, em segundo lugar impressiona-me, em terceiro lugar indigna-me, e tenho que dar voz a estes sentimentos. Passe-se a questão na América Hispânica, em África, na China. Não é que ande a dar lições de moral a todo o mundo. Limito-me a dizer aquilo que penso. Se tenho algum motivo de orgulho, e creio que tenho direito a tê-lo, é poder dizer que a mim não me calam”.
Pilar já estava quando a expectativa do Nobel existia. O amigo Jorge Amado escreve numa carta, em 1994: “Queridos Pilar e José, ainda não será desta que iremos os quatro, a Estocolmo, festejar o Nobel de José: um japonês nos atropelou. (…) PS: Para dizer toda a verdade, devo convir que os US$950,000 do Nobel cairiam muito bem no bolso de um romancista português ou brasileiro, pobres de marré marré”. Estava quando intelectuais como Susan Sontag os visitou em Lanzarote (1996). Ou quando se deram os encontros com Harold Bloom (2001) e George Steiner (2002).
Saramago estava no aeroporto de Frankfurt quando lhe comunicaram que “pela sua capacidade para tornar compreensível uma realidade fugidia, com parábolas suportadas pela imaginação, a compaixão e a ironia” lhe era atribuído o Prémio Nobel da Literatura. No dia 8 de Outubro de há dez anos. O escritor quer continuar a ser o cidadão comprometido que sempre foi: “O Nobel dá-me a oportunidade de ser mais eu”. Em 2004 dirá: “Sim, tenho o Nobel, e quê? Nada mudou”. E por isso não é estranho que durante o banquete, na Suécia, tenha denunciado o incumprimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Foi nomeado, agraciado, reconhecido. Filho adoptivo desta e daquela cidade, sócio honorário deste e daqueloutro clube, honoris causa de mil e uma universidades. Recebeu medalhas, condecorações, títulos. Uma imensidão. Quais o terão tocado? Alguns exemplos: Leitor Emérito da Biblioteca Nacional. O Grande Colar da Ordem de Santiago, até aí reservada apenas a chefes de Estado. “Ensaio sobre a Cegueira” foi adaptado por Fernando Meirelles e abriu o último Festival de Cannes. A exposição “A consistência dos sonhos” mostrou numa sequência cronológica a sua vida, primeiro em Lanzarote, depois em Lisboa. Reconciliou-se um pouco com o país. Sócrates disse-lhe: “Gostamos muito de si”. Ele respondeu um “obrigadinho” sentido.
Há uns meses, regressou à ilha. A casa. Escreveu um romance cuja ideia é antiga. “A Viagem do Elefante” é um livro que podia não existir. Há um ano, não se acreditaria que ele existisse. Mas está pronto a sair. Terceiro milagre."

Publicado originalmente no Jornal de Negócios em Outubro de 2008