Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

“Euschistus (Mitripus) saramagoi”, uma nova espécie de insecto descoberta pelo investigador Filipe Michels Bianchi (Actualizado)

Com a elaboração do post original sobre a descoberta de novas espécies de percevejos, tomei a liberdade de contactar Filipe Michels Bianchi, investigador cientifico que atribuiu o nome de Saramago ao recém conhecido espécime. 
Contactado pelo Facebook, questionei-o sobre o que motivou a atribuir o nome de José Saramago ao distinto percevejo e que conhecimento tem da obra.
Recebida a resposta do investigador Filipe Bianchi e que publicamente aqui agradeço a disponibilidade, bem como os parabéns a toda a sua equipa, apresento as palavras que recebemos às questões colocadas.
Assim e com votos de longa vida ao percevejo “Euschistus (Mitripus) saramagoi”, aqui fica

"É muito importante trazer a ciência para mais perto das pessoas. Penso que ciência deveria ser mais popularizada. Ainda existe uma grande distância entre a academia e a população.
Sobre a homenagem a Saramago, posso dizer o seguinte: a escolha do epíteto especifico é de total escolha do cientísta que a descreve, tendo apenas que ter concordância com o Latim. A escolha por homenagear o José remete a grande admiração que tenho aos seus pensamentos. A sensibilidade, ainda otimísta, no seu jeito de ver o mundo. Se o mundo se constroi aos poucos, quem sabe alguém, algum dia se motivará a ler um livro de Saramado ao capturar esta espécie. José me faz muito bem, me pensar sobre a humanidade, relaçoes inter e intrapessoais, faz-me rir... 
José me faz bem.

Sobre o meu conhecimento sobre a obra, por sorte ainda tenho muito de Saramago para ler. Por sorte José escreveu relativamente bastantes livros com temáticas e cenários diferentes. Li cerca de dez dos seus livros e não tenho pressa em ler os próximos. Como alimento, procuro ler José quando sinto fome."
Filipe Michels Bianchi (26/01/2016)

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(Post original de dia 20/01/2016)
Informação via página da Fundação José Saramago, aqui
em http://www.josesaramago.org/euschistus-mitripus-saramagoi-uma-nova-especie-de-percevejos/



"O investigador brasileiro Filipe Michels Bianchi, mestre e doutorando em Biologia Animal na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, nomeou com o nome de José Saramago uma das mais recentes descobertas na identificação de percevejos. “Euschistus (Mitripus) saramagoi” passa, assim, a fazer parte dos compêndios de Zoologia pelas mãos da equipa de Bianchi, Alana Cioato e Jocelia Grazia.

A descoberta foi publicada como artigo científico na revista Zootaxa, no passado dia 27 de Novembro.

Fotografia — retirada do artigo científico “New species of Euschistus (Euschistus) from Jamaica, Euschistus (Mitripus) and Ladeaschistus from southern South America (Hemiptera: Heteroptera: Pentatomidae: Pentatominae)” da referida revista."

Aqui mais informação cientifica do investigador Filipe Michels Bianchi, aqui
em https://www.researchgate.net/profile/Filipe_Bianchi

"Carta aberta à CIA" publicada originariamente no Diário de Lisboa e recuperada nos "Cadernos de Lanzarote Diário II" (28/07/1994)

in, "Cadernos de Lanzarote - Diário II"
Caminho, página 160 a 165

28 de Julho de 1994
"Continua a escavação arqueológica. Agora foi o Público que, para a sua secção «20 anos depois», exumou do velho Diário de Lisboa um artigo que escrevi com o título pouco original de «Carta aberta à CIA». Sendo estes cadernos um diário, acho que tanto o podem ser do dia de hoje como do dia de ontem, em primeiro lugar porque o hoje está feito de todos os ontens, quer os próprios quer os alheios, e depois porque vinte anos não são nada e as coisas mudam muito menos do que cremos. Razões suficientes para que a estas páginas tenha decidido trasladar (palavra adequada, tratando-se de uma exumação) o corpo menos mal conservado dos meus protestos e indignações de então. Rezava assim o artigo: 

«Tenho visto que Vossa Excelência é habilíssima em conspiração, intrigas e golpes de Estado. Tenho-a visto de longe e não desejaria sabê-la de perto. Já me basta ter lido o que Vossa Excelência fez no Chile, a mortandade que por lá foi e vai, verificar todos os dias que governos promove e apoia Vossa Excelência, imagine se eu havia de gostar que Vossa Excelência mandasse para aqui os seus emissários e instalasse no meio da nossa roda o seu caldeirão de truques e bruxedos!... Ainda agora aí está o arcebispo Makários, de trastes às costas, só porque Vossa Excelência, de acordo com o governo que instalou na Grécia, entendeu que convinha acender no Mediterrâneo um novo foco de agitação (perdoe Vossa Excelência a fraca palavra), numa altura em que, se não interpreto mal, os povos da Europa andavam a perceber que mais bondade tirariam da paz do que das guerras... 
«Vossa Excelência sofre de vocação fascista. Não se ofenda, please. Em verdade, nunca dei por que Vossa Excelência tirasse de qualquer país um governo de direita para pôr um governo de esquerda... Vossa Excelência gaba-se (ou já não se gaba, sequer?) de muito estimar a democracia, mas estou em crer que padece de uma deformada visão política que a faz desejar ver o seu país cercado de fascismos por todos os lados, talvez para mais avultarem as qualidades democráticas, quando não republicanas, que exornam a Grande Nação Americana... Se bem entendo, Vossa Excelência, que vive ocupadíssima a instalar governos reaccionários por toda a parte e a defender os existentes, está satisfeita com o governo que tem. Que sorte a sua, poupada como a vejo ao trabalho de fazer golpes de Estado dentro de casa! 
«Não cuide Vossa Excelência que eu insulto. Como me atreveria? Sou um pobre cidadão português que ainda não ia à escola em 1926 e que viveu todo este tempo sob o regime fascista que Vossa Excelência tanto acarinhou e protegeu. A diferença é que, enquanto Vossa Excelência defendia Salazar e Caetano, não me protegia a mim. Nanja que eu lho pedisse ou desejasse, mas, se Vossa Excelência se desse a respeitar alguns dos seus avós que o merecem, teria escrúpulo em meter-se onde não é chamada ou aonde a chamam apenas aqueles que com Vossa Excelência costumam trocar serviços pouco limpos. Faço-lhe a justiça de supor que Vossa Excelência, até agora, não se ocupou muito com o povo português. Não precisava. Isto, por cá, ia andando com a prata da casa, uns dominando, outros dominados, mas era um insignificante quintal europeu onde só por ricochete aconteciam coisas. Bastava a Vossa Excelência estancar na origem as torrentes: para estas bandas tudo se resumia em águas estagnadas e numa desolação para que parecia não haver remédio. 
«Nós fazíamos o que podíamos para resistir. E resistimos muito, se não é confiado afirmá-lo a quem tem esmagado outras resistências. Se não tivéssemos resistido, não estaria agora Vossa Excelência tão perplexa e agitada a perguntar-se como foi possível dignificar-se de repente um povo para quem Vossa Excelência olhava com desprezo total, e, se calhar, com alguma repugnância. Permita Vossa Excelência que lhe revele um segredo pessoal: não me pesam nada estes quarenta e oito anos, sinto-me fresco e activo como um jovem, mais activo e fresco do que, quando jovem mesmo, me moíam o juízo com os louvores do Estado Novo. A diferença (outra diferença) é que nessa altura Vossa Excelência ainda não era viva, embora já por ai houvesse quem lhe antecipasse as vezes... Vossa Excelência (aproveito a oportunidade para lho recordar) é um simples elo de uma cadeia repressiva que tem, na sua terra, outras malhas: o Ku Klux Klan, por exemplo, e no confronto até sou capaz de preferir o Klan... Repare Vossa Excelência que eles usam uns capuchos ridículos, afantochados, coisa que já não se aguenta sem gargalhadas, ao passo que os emissários de Vossa Excelência são gente robusta, bem treinada, que toma banho regularmente, fala línguas estrangeiras, sempre de pistola pronta e karate de ponta-e-mola... E isto ainda é o menos. 
«O mais, ou o resto, está em ser Vossa Excelência polícia de alto coturno, armado de toda a sabença técnica e de uma falta de escrúpulos sem limites. Vossa Excelência, quando não pode eliminar, arruína, quando não pode fazer calar, faz barulho, e sempre que lhe é possível destrói a gente honesta para a substituir por celerados. Vossa Excelência sabe que assim é e nem sequer reage aos protestos que se levantam de todo o mundo a cada seu malefício, nem desmente as acusações que justamente lhe fazem... Tão segura está Vossa Excelência do seu poder! É das coisas que mais me intriga que, sendo Vossa Excelência ré de tantos crimes, não haja no seu país um tribunal que a julgue! Ignorante como só um português tem podido ser, muitas vezes me tenho interrogado sobre quem realmente mandará no país de Vossa Excelência. A resposta que encontrei é simples e vale o que vale: no meu fraco entendimento Vossa Excelência serve o capital dentro e fora da América (Estados Unidos), desde que ele seja americano ou, não o sendo, esteja ao seu serviço. Nunca Vossa Excelência teve outra regra de conduta. OK? 
«Vossa Excelência já deu fé (deu logo, pois claro!) de que temos em Portugal uma revolução. Digamos, uma revolução pequena. Tínhamos cá o fascismo que tão bem servia Vossa Excelência, até que veio o Movimento das Forças Armadas e deu nisto o safanão que se viu. Vossa Excelência espantou-se muito ao ver com que facilidade a coisa veio abaixo. Permita-me que lhe diga que é ingenuidade sua: o prédio parecia para durar algum tempo mais, mas estava todo esburacado, e tínhamos sido nós, os civis, que formigamente havíamos operado. Alguns morreram nesse trabalho, muitos sofreram na prisão, foram torturados. Tem Vossa Excelência sensibilidade? Boa pergunta. Que sabe Vossa Excelência disso, quando é capaz de olhar esse desgraçado Chile com a satisfação complacente de quem fez obra perfeita e nela se revê?... E não há, realmente, quem leve Vossa Excelência a tribunal? 
«Dizia eu que fizemos aqui uma revolução. E também digo que Vossa Excelência não está nada satisfeita com o andamento das coisas. Para Vossa Excelência só serve uma democracia que sirva obedientemente os interesses do capitalismo, e lá lhe está parecendo que os portugueses, afinal, aprenderam demasiado nestes cinquenta anos de fascismo. É verdade: aprenderam precisamente a saber, de todas as maneiras, o que o fascismo é. Há-de ser difícil convencer-nos Vossa Excelência a aceitar os fascismos que pela sua mão vêm ou querem vir. Eu até nem me iludo: Vossa Excelência tem, na minha terra, ainda muito quem a sirva nos seus desígnios: todos os fascistas que continuam a comer pão e a dar ordens, todos os que não o sendo vão de gorra com eles, alguns sem darem por tal, outros muito preconcebidamente. Vossa Excelência tem portanto amigos dentro da praça. Já se encontraram todos, pois não é verdade?, ora à mesa secreta das decisões, ora nas acções de rua, nas calúnias, nas intrigas, na bela conspiração, na compra e venda dos traidores... 
«Vossa Excelência talvez tente aqui a sua sorte. Já o fez tantas vezes, que uma mais não lhe faz diferença e decerto convém aos seus patrões. Mas consinta que lhe diga uma coisa. Vossa Excelência e o mundo espantaram-se de que esta nossa florida revolução não desse em banho de sangue, não foi? Levaria muito tempo a explicar as razões disso e Vossa Excelência nem sempre é, ao menos, medianamente inteligente. Mas tome nota de que haverá mesmo um banho de sangue se Vossa Excelência se atreve a intervir na nossa vida. Estes pobres portugueses viveram cinquenta anos de fascismo e não querem mais. Suponho que preferirão acabar com a vida lutando pelo que já têm, a voltarem ao domínio de governos como os que Vossa Excelência transporta no seu catálogo de caixeira-viajante da contra-revolução. Tenho a certeza. 
«Emprazo Vossa Excelência a que nos deixe em paz. Temos aqui muito que fazer, muito que trabalhar, muito que sonhar. Mas não vamos dormir, isso não. Se Vossa Excelência vier, terá de matar-nos com os olhos abertos.» 

Afinal, não valíamos tanto. A esses e outros senhores do mundo bastou-lhes facilitar uma mãozinha embaladora à nossa natural inclinação para o sono, e agora aqui estamos, vinte anos depois, meio sonâmbulos, só atentos ao tinir dos écus que ainda vão caindo das frondosas ramas europeias. De facto, dos portugueses nunca se esperou muito, aos portugueses nunca se lhes pediu nada. O despertar vai ser atroz. Ou talvez não. A gente habitua-se a tudo, até a não existir..."