Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 2 de novembro de 2014

Censura e Inquisição - Opinião e pensamento de José Saramago


A arte que transporta a Liberdade... os povos se que se exprimem através da arte.

José Saramago foi polémico, considera uns.
José Saramago foi incómodo. muitos o sentem.
José Saramago foi desassossegado, sempre inquieto.

Via Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Censura_em_Portugal)
"Em 1992, o subsecretário da Cultura, António Sousa Lara, vetou a candidatura do romance "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", de José Saramago, ao Prémio Literário Europeu, justificando tal decisão dizendo que a obra não representava Portugal mas, antes, desunia o povo português. Em consequência do que considerou ser um acto de censura por parte do governo português, Saramago mudou-se em 1993 para Espanha, passando a viver em Lanzarote, nas ilhas Canárias."

Este episódio poderá ser marcante, na e da cultura portuguesa, um entre muitos exemplos.
A censura em democracia, circula sem lápis azul... por certo e de certo que quem sente a censura, ela lhe aparece sob a forma mais subtil - o lápis transparente.

O pensamento primeiro, ou dos primeiros que me surge, transporta o peso de uma ideia - Portugal país milenar, de invasões e descobertas, nação una à volta da mesma língua, percorreu meio mundo divido através de uma negociada (tratado de Tordesilhas), onde a cultura há muito que não merece um ministério. Um edifício estatal que proteja e promova as diferente artes e língua.

Nas entrevistas que José Saramago concedeu, muitas vezes aflorou o tema da censura e suas formas de se manifestar, como um sensor das mentalidades e públicas virtudes.
O homem, o democrata, deu por diversas vezes o corpo às balas... demasiadas vezes sozinho.

Um dia, este homem, que amava o seu país - deverá ter pensado... estou farto do lápis azul...



Jornal de Letras
5 de Novembro de 1991
José Carlos de Vasconcelos

"Evangelho Segundo Jesus Cristo" é apresentado

A ideia que Saramago alimentava sobre alguma polémica com a Igreja

(...)
Então ainda pode ser excomungado...
Posso. Mas não penso que a Igreja me tome tanto a sério ao ponto de excomungar...

O tome tanto a sério ou tome tanto a sério o romance?
Acho que a Igreja vai fazer de conta que o livro não existe. O que não significa que não surjam por aí alguns ataques, mas não será a Igreja directamente como instituição que vai produzir uma nota ou um comunicado.

É capaz de dar um editorial da Rádio Renascença...
Sim, um editorial da Rádio Renascença é capaz de dar (risos)...

Isso diverte-o ou preocupa-o?
Nem me diverte nem me preocupa. Cumpri uma espécie de dever: tinha de escrever um livro, está escrito. O que possa acontecer depois atingir-me-á, de uma maneira ou de outra, mas de certa maneira as questões que se vierem a pôr não são comigo. São com o livro. Sou o seu autor e único responsável, não o podem retirar de circulação.

Já não há inquisição...
Não há inquisição, não há censura. (...)

Nesta entrevista, transparece o sentimento da liberdade do autor. É um romance, uma obra, o homem não concebe por estes dias a inquisição e a censura. Não redondo.


Revista Visão
16 de Janeiro de 2003
José Carlos de Vasconcelos

Passados anos... a censura sempre existiu... no tempo e à distância, atenta-se nestas palavras

(...) ... que aliás é (o «senso comum») uma personagem importante do teu último romance...
... um pouco de senso comum: em 1992 era governo o PSD, que pela pena ou a palavra de um subsecretário de estado da Cultura cometeu contra mim um acto de censura que não foi desautorizado pelo secretário de estado, nem pelo primeiro-ministro, nem por ninguém. Protestei, falou-se muito, inclusive na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, saí de Portugal e vim para aqui para Lanzarote. A seguir, veio um governo do PS, com quem tive relações normais, cordiais - para além de as ter, antigas, com alguns dos seus membros. Depois, regressou o PSD ao Governo. E o que eu disse é que não colaboraria com um Governo que cometeu um acto de censura do mais descarado e insultuoso da inteligência e do qual nunca pediu desculpa. E não tenho que colaborar, como se não tivesse acontecido nada, com instituições oficiais que dependem desse Governo. Que me peçam desculpas públicas (não através de uma cartinha confidencial), e a questão resolve-se. Ninguém deste Governo, a que pertencia o actual primeiro-ministro, se insurgiu contra o que se passou. Pelo contrário, chegou a haver um jantar de homenagem ao Sousa Lara! Então que queres que faça? Que não tenha vergonha na cara? O que lhes falta a eles, sobra-me a mim. Ah!, mas o prejudicado é o País... Por muito que me prejudique o País, nunca será tanto como eles o prejudicaram cometendo, com a divulgação internacional que se sabe, um acto de censura contra um escritor português que por acaso, uns anos mais tarde, veio a receber o Prémio Nóbel. (...)


Passado um ano, em Março de 2004, o assunto volta à baila. Talvez mais incisivo e decidido.

Revista Visão
25 de Março de 2004
José Carlos de Vasconcelos

(...)
Como vai o «mal de amor» pela Pátria de Saramago?
O mal de amor de José Saramago pela Pátria é conhecido. Pago todos os impostos em Portugal e voto em Portugal. Se não vivo em Portugal é porque fui maltratado, publicamente ofendido pelo Governo de Cavaco Silva, de que era secretário de Estado da Cultura Santana Lopes e subsecretário de Estado Sousa Lara. E no Governo, a que pertencia Durão Barroso, não se levantou uma única voz dizendo «isto é um disparate, isto não se faz»! Outro dia, alguém falou no caso ao primeiro-ministro (Durão Barroso), que disse querer arrumar o assunto: vinha a Espanha e teria muito gosto em almoçar comigo. Assim, durante o almoço, provavelmente entre a fruta e o queijo, ele diria «vamos pôr uma pedra sobre o assunto, não se fala mais nisso»; e eu diria, «sim senhor, vamos pôr». Só que comigo as coisas não são assim. Ofensa pública, desculpas públicas. (...)



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