Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sábado, 29 de novembro de 2014

"Correspondência 1959-1971 - José Saramago e José Rodrigues Miguéis"

Sugestão de leitura para fim de semana
Esta obra recolhe, diversa correspondência trocada entre José Saramago (Director Literário na Editorial Estúdios COR, Lda.) e José Rodrigues Miguéis, autor considerado consagrado, de vasta obra publicada e reconhecida com diversos prémios literários.
O período de tempo conhecido, nesta vasta troca de cartas entre Lisboa e Nova Iorque, compreende o ano de 1959 (24 de Fevereiro), até 1971 (12 de Novembro).  
As cartas, reportando e abordando o trabalho literário e suas minudências, entre o editor e o editado, provoca ao longo da correspondência um tom inicialmente cauteloso e muito cordial, com um trajecto que evolui a um honesto relacionamento de amizade.
A 24 de Fevereiro de 1959, José Saramago dirige-se com um "Exm.º Sr. Dr. José Rodrigues Miguéis, até ao "Querido Miguéis" de 8 de Novembro de 1971, e 4 dias depois, de volta com um "Querido Saramago".
Foram homens das artes, da literatura e literários, de outras artes... mas sobretudo de vida, de consciência social. A questão central deste livro, transfere a questão administrativa da relação profissional, para um polo lateral e que pode ser analisado com alguma curiosidade. Não deixará por certo e decerto de ser curioso, com a distância de mais de 50 anos, observar como estes dois homens tratavam as vendas, as correcções, as sugestões, a vida que alimentava os autores e os editores. 
Mas, tal como, e numa comparação abstracta, nas "cartas de guerra" dos militares que "embarcados" num qualquer monstruoso teatro de guerra, trocavam cartas de esperança e desesperança com as famílias e suas amadas, suprimindo desta forma a incerteza do momento seguinte, aqui, e confesso o eventual forçoso paralelismo, as missivas trocadas sobem no tempo a um lugar mais pessoal e confessional, entre dois que ficam próximos.

A 21 de Agosto de 1967. José Rodrigues Miguéis, adianta...
"Meu querido Saramago
Ainda nos veremos em Lisboa, antes da sua partida para as ilhas de Afrodite e de Safo: segredo - top secret! - só para três ou quatro pessoas mais chegadas, devo aterrar na Portela na manhã de 30 (4.ª feira)... (...) 
Saudades e abraços muitos para todos os amigos e em especial para si do seu
Miguéis"

Saramago, em 8 de Novembro de 1971, confessa o seu testemunho e desapontamento pela situação que foi criada na editora, "demiti-me da editora em virtude de me terem criado uma situação vexatória, qual seja a admissão de um novo director literário (Natália Correia), imposto pelo grupo financeiro que tomou posição na firma."

"Diga-me o que puder, quando puder. E perdoe-me o laconismo. No meu desconsolo e desânimo, só a si tenho escrito e a muito poucos. Vou fazer 70 anos dentro de três semanas! Quando lá chegar saberá o que isso é...
Abraça-o o amigo certo e grato
Miguéis", 12 de Novembro de 1971

É, leitura de fim de semana... salteada... mas a rever
Miguel de Azevedo

Pequeno apontamento, de José Rodrigues Miguéis, via Wikipédia,

José Claudino Rodrigues Miguéis (Lisboa, 9 de Dezembro de 1901 - Nova Iorque, 27 de Outubro de 1980) foi um escritor português
Nascido no número 13 da Rua da Saudade, no bairro típico de Alfama, passou a sua infância e juventude em Lisboa, recordações que marcarão a sua futura obra. Ainda em Lisboa viria a formar-se em Direito em 1924. Todavia, nunca exerceria de forma sistemática profissão nesta área, tendo consagrado a sua vida à Literatura e à Pedagogia. Neste último campo viria a licenciar-se em 1933 em Ciências Pedagógicas na Universidade de Bruxelas, tendo posteriormente dirigido, com Raul Brandão, um conjunto inacabado de Leituras Primárias, obra que nunca viria a ser aprovada pelo governo.
Herdando do pai, um imigrante galego, as ideias republicanas e progressistas, cedo entrou em conflito com o Estado Novo, o que acabaria por o levar ao exílio para os Estados Unidos a partir de 1935. Desde essa altura até à sua morte apenas voltaria pontualmente a Portugal, não passando no seu país natal períodos superiores a dois anos. Em 1942 viria a adquirir a nacionalidade americana. Um ano antes do seu falecimento foi agraciado com a Ordem Militar de Santiago da Espada, no Grau de Grande Oficial. Mário Neves publicou uma biografia sua em 1990.
José Rodrigues Miguéis pertenceu ao chamado grupo Seara Nova, ao lado de grandes autores como Jaime Cortesão, António Sérgio, José Gomes Ferreira, Irene Lisboa ou Raul Proença. Colaborou em diversos jornais como O Diabo, Diário Popular, Diário de Lisboa e República. Foi, juntamente com Bento de Jesus Caraça, director de O Globo, semanário que viria a ser proibido pela censura em 1933. Nos Estados Unidos viria a trabalhar como tradutor e redactor das Selecções do Reader's Digest. Segundo os linguistas Óscar Lopes e António José Saraiva, a sua obra pode ser considerada como realismo ético, sendo claras as influências de autores como Dostoiévsky ou o seu amigo Raul Brandão. De resto, parecem claras nas suas primeiras obras as influências estéticas da Presença, podendo ler-se nas entrelinhas das suas obras simpatias com as temáticas neo-realistas portuguesas (há mesmo quem afirme que José Rodrigues Migueis tenha aderido ao partido comunista). Tem obras traduzidas em inglês, italiano, alemão, russo, checo, francês e polaco.
Em 1961 foi eleito membro da Hispanic Society of América e, em 1976, tornou-se membro da Academia das Ciências de Lisboa. Em 1979 foi agraciado com a Ordem Militar de Santiago da Espada, com o grau de Grande Oficial.

Livros publicados
A Mumia, 1971;
Páscoa feliz (Novela), 1932;
Onde a noite se acaba (Contos e Novelas), 1946
Saudades para Dona Genciana (Conto), 1956
O Natal do clandestino (Conto), 1957
Uma aventura inquietante (Romance), 1958
Léah e outras histórias (Contos e Novelas), 1958
Um homem sorri à morte com meia cara (Narrativa), 1959
A escola do paraíso (Romance), 1960
O passageiro do Expresso (Teatro), 1960
Gente da terceira classe (Contos e Novelas), 1962
É proibido apontar. Reflexões de um burguês - I (Crónicas), 1964
Nikalai! Nikalai! (Romance), 1971
O espelho poliédrico (Crónicas), 1972
Comércio com o inimigo (Contos), 1973
As harmonias do "Canelão". Reflexões de um burguês - II (Crónicas), 1974
O milagre segundo Salomé, 2 vols. (Romance), 1975
O pão não cai do céu (Romance), 1981
Passos confusos (Contos), 1982
Arroz do céu (Conto), 1983
O Anel de Contrabando , 1984
Uma flor na campa de Raul Proença, 1985
Aforismos & desaforismos de Aparício, 1996

  


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