Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Egas Moniz - um Nobel esquecido? - Saramago questiona

A propósito do ano (1973) em que se preparavam, pelas instituições da altura, as comemorações dos 100 anos do nascimento de Egas Moniz, José Saramago lança umas farpas direccionados ao aspecto festivaleiro da sociedade - "Está-nos na massa do sangue o vício da efeméride, corremos ansiosamente ao consolo lisonjeador da sessão solene, aperfeiçoamos todos os dias a técnica do descerramento de lápides..."
Este aspecto, o do folclore para inglês, poderá dizer-se assim mesmo, foi algo que sempre inquietava Saramago - os beberetes, as festas para aparecer na fotografia, a pompa e circunstância do momento que contrariava o natura apoio e reconhecimento fora das festanças.

Esta crónica, de 13 de Agosto de 1973, publicada no Diário de Lisboa com o titulo "A Propósito de Egas Moniz", é compilada no livro "Os Apontamentos - Crónicas Políticas".
Qual a razão do espanto?
Qual o motivo para a menção?

(...) Mas nós falámos em surpresa, e ainda por cima demo-la como legítima. Importa pois que nos expliquemos. Merecidas e justificadas serão todas as homenagens que venham a prestar-se ao homem de ciência que foi o professor Egas Moniz, nosso único prémio Nobel até esta data. Não é por aqui que a surpresa se introduz. (...)
Mas onde a surpresa se legitima é quando vemos que a ideia da homenagem vem, senão das mesmas pessoas, de instâncias que, em rigor, respondem no espírito e na substância, a uma anterior recusa displicente em reconhecer os méritos do futuro homenageado, em nome e por causa de divergências de ordem política. (...) 
  


Este, o motivo da estranheza, os mesmos que não toleram e impõem um regime de pensamento único político, são os que se preparam para lançar vivas ao prémio. Ao prémio, porque é sempre disso que se trata.
E continua...

(...) Não custa nada agora dizer que Egas Moniz foi um cidadão exemplar além do sábio que também era: como sábio amesquinhou-o a sua própria terra, e como cidadão não mereceram respeito as suas opções políticas. Mesmo hoje uma pergunta se justifica: merecerão mais respeito essas opções, ou simplesmente se «perdoam» elas a Egas Moniz graças ao lugar que ele ocupa na ciência mundial? E como considera o país aqueles filhos que não juntem as suas convicções democráticas à descoberta da leucotomia pré-frontal?... (fim de crónica) 



20 anos depois, agora com José Saramago, encontra-se um paralelo. 
Um directório de pensamento único, em tempos de suposta democracia, já na década de 90, vai mais longe do que o "marcelismo" afrontou Egas Moniz.
José Saramago, que levava Portugal e os portugueses a todos os cantos do mundo, traduzido em muitas línguas; o homem que deu a conhecer a história de amor entre Baltazar e Blimunda, num lugar chamado Mafra, era carimbado com o carimbo vermelho e o lápis azul da censura. 
A tristeza deste paralelo, tratando-se de não compreender/aceitar a obra e a opção livre e democrática no pensamento de cada um, mesmo quando é diferente do vulgo sistema, foi mais vincada e agressiva com José Saramago.
Aquando da sua morte, em Portugal (e só por cá) onde as honras de estado eram mais do que obrigatórias, seriam unificadoras em redor de um símbolo nacional, apresentaram-se patéticas. O sistema colocou tentacularmente os seus braços invisíveis, mas assas cirúrgicos, de fora. 
Este sistema, que se escudou sempre atrás de subsecretários de estado ou de meros serviçais, nunca perdoou a Saramago a sua palavra persistente e desassossegada; o seu reconhecimento pelo mundo fora; a inveja de um suposto sucesso; o alinhamento por um pensamento democrático que se queriam em desuso.
Este o paralelo encontrado por Saramago em 1973, tem a devida distância - de o ser não sendo. Em 1973, Saramago não lhe apeteceria pensar no Nobel, mas o tempo verificou esta causalidade de circunstâncias e semelhanças com Egas Moniz - também este um Nobel algo proscrito.

Agora, em 2014, Egas Moniz é nome de escolas, ruas, centros de enfermagem - mas não passa de simples menções. Portugal, e aquilo que é a sua arquitectura do pensamento, pretende esquecer estes patrimónios. Mais do que uma estátua no Hospital Santa Maria, a ideia de que somos portadores de 2 prémios Nobel não faz parte do compêndio.     



"Em 1992, o subsecretário da Cultura, António Sousa Lara, vetou a candidatura do romance "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", de José Saramago, ao Prémio Literário Europeu, justificando tal decisão dizendo que a obra não representava Portugal mas, antes, desunia o povo português. Em consequência do que considerou ser um acto de censura por parte do governo português, Saramago mudou-se em 1993 para Espanha, passando a viver em Lanzarote, nas ilhas Canárias."



Egas Moniz, dados via Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/António_Egas_Moniz

António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz GCSE • GCB (Estarreja, Avanca, 29 de novembro de 1874 — Lisboa, 13 de dezembro de 1955) foi um médico, neurologista, investigador, professor, político e escritor português.
Foi galardoado com o Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1949, partilhado com Walter Rudolf Hess.
Nascido António Caetano de Abreu Freire de Resende no seio de uma família aristocrata rural, a dos Viscondes de Baçar, seu tio e padrinho, o padre, Caetano de Pina Resende Abreu e Sá Freire, insistiria para que ao apelido (sobrenome) fosse adicionado Egas Moniz, em virtude de a família de Resende descender em linha directa de Egas Moniz, o aio de Dom Afonso Henriques.
O Aio Egas Moniz (1080-1146) antepassado do neurologista português, apareceu com sua família antes de o rei de Leão. Mosaico na estação São Bento (Porto), por Jorge Colaço (1864-1942)
Formação e actividade académica[editar | editar código-fonte]
Completou a instrução primária na Escola do Padre José Ramos, em Pardilhó, e o Curso Liceal no Colégio de S. Fiel, dos Jesuítas, em Louriçal do Campo, concelho de Castelo Branco. Formou-se em Medicina na Universidade de Coimbra, onde começou por ser lente substituto, leccionando anatomia e fisiologia. Em 1911 foi transferido para a recém-criada Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa onde foi ocupar a cátedra de neurologia como professor catedrático. Reformou-se em Fevereiro de 1944.
Em 1950 é fundado, no Hospital Júlio de Matos, o Centro de Estudos Egas Moniz, do qual é presidente. O Centro de Estudos é, em 1957 transferido para o serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria onde existe ainda hoje compreendendo, entre outros, o Museu Egas Moniz (onde se encontra uma restituição do seu gabinete de trabalho com as peças originais, vários manuscritos, entre outros).
Egas Moniz contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da medicina ao conseguir pela primeira vez dar visibilidade às artérias do cérebro. A Angiografia Cerebral, que descobriu após longas experiências com raios X, tornou possível localizar neoplasias, aneurismas, hemorragias e outras mal-formações no cérebro humano e abriu novos caminhos para a cirurgia cerebral.
As suas descobertas clínicas foram reconhecidas pelos grandes neurologistas da época, que admiravam a acuidade das suas análises e observações.
A 5 de Outubro de 1928 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Benemerência e a 3 de Março de 1945 com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.1
Egas Moniz teve também papel activo na vida política. Foi fundador do Partido Republicano Centrista, dissidência do Partido Evolucionista; apoiou o breve regime de Sidónio Pais, durante o qual exerceu as funções de Embaixador de Portugal em Madrid (1917) e Ministro dos Negócios Estrangeiros (1918); viu entretanto o seu partido fundir-se com o Partido Sidonista. Foi ainda um notável escritor e autor de uma notável obra literária, de onde se destacam as obras "A nossa casa" e "Confidências de um investigador científico".
Faleceu em Lisboa, a 13 de Dezembro de 1955.

Sem comentários:

Enviar um comentário