Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

José Saramago recorda Ann Nixon Cooper, citada por Barack Obama no discurso de vitória (06/11/2008)

Aqui link para consulta e pesquisa, 
em http://caderno.josesaramago.org/10042.html

"106 anos"
"Essa mulher de cento e seis anos, Ann Nixon Cooper, que Obama citou no seu primeiro discurso como presidente eleito dos Estados Unidos, talvez venha a ocupar um lugar na galeria das personagens literárias favoritas dos leitores norte-americanos, ao lado daquela outra que, viajando num auto-carro, se recusou a levantar-se para dar o lugar a um branco. Não se tem escrito muito sobre o heroísmo das mulheres. Entre o que Obama nos contou sobre Anne Nixon Cooper não havia actos heróicos, salvo os do viver quotidiano, mas as lições do silêncio podem não ser menos poderosas que as da palavra. Cento e seis anos a ver passar o mundo, com as suas convulsões, os seus logros e os seus fracassos, a falta de piedade ou a alegria de estar vivo, apesar de tudo. Na noite passada essa mulher viu a imagem de um dos seus em mil cartazes e compreendeu, não podia deixar de compreendê-lo, que algo novo estava acontecendo. Ou então guardou simplesmente no coração a imagem repetida, à espera de que a sua alegria recebesse justificação e confirmação. Os velhos têm destas coisas, de repente abandonam os lugares-comuns e avançam contra a corrente, fazendo perguntas impertinentes e mantendo silêncios obstinados que arrefecem a festa. Ann Nixon Cooper sofreu escravidões várias, por negra, por mulher, por pobre. Viveu submetida, as leis teriam mudado no exterior, mas não nos seus diversos medos, porque olhava à sua volta e via mulheres maltratadas, usadas, humilhadas, assassinadas, sempre por homens. Via que cobravam menos que eles pelos mesmos trabalhos, que tinham de assumir responsabilidades domésticas que iam ficar na sombra, apesar de necessárias, via como lhes travavam os passos decididos, e não obstante continuam a caminhar, ou não se levantando num autocarro, contemo-lo uma vez mais, como aquela outra mulher negra, Rose Banks, que fez história, também

Cento e seis anos a ver passar o mundo. Talvez o veja bonito, como a minha avó, pouco antes de morrer, velha e formosa, pobre. Talvez a mulher de quem Obama nos falou ontem sentisse a serenidade da alegria perfeita, talvez o saibamos um dia. Entretanto felicitemos o presidente eleito por tê-la tirado da sua casa, por ter-lhe prestado uma homenagem que ela provavelmente não necessitaria, mas nós, sim. À medida que Obama ia falando de Ann Nixon Copper, percebemos que a cada palavra o exemplo nos tornava melhores, mais humanos, à beira de uma fraternidade total. De nós depende fazer durar este sentimento."

6 de Novembro de 2008

em "O Caderno"
Caminho, 2.ª edição

"This election had many firsts and many stories that will be told for generations. But one that's on my mind tonight's about a woman who cast her ballot in Atlanta. She's a lot like the millions of others who stood in line to make their voice heard in this election except for one thing: Ann Nixon Cooper is 106 years old."
Barack Obama, excerto do discurso de vitória (06/11/2008)



Informação biográfica, via Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/Ann_Nixon_Cooper
"Ann Louise Nixon Cooper (January 9, 1902 – December 21, 2009) was a centenarian mentioned in United States President-elect Barack Obama's November 2008 election speech as a representative of the change in status African Americans had undergone during the past century and more in America. Before that, she was a noted member of the Atlanta African-American community and an activist for civil rights.
Cooper was born in Shelbyville, Tennessee, on January 9, 1902, and raised in Nashville. She moved to Atlanta, Georgia, in her early twenties with her husband, Albert Berry Cooper, a dentist, and they had four children together.[2] During that time, she served more than fifty years in public work on the board of Gate City Nursery Association and also helped found the Girls Club for African American Youth. Because there were no integrated Boy Scout troops in 1930's Atlanta, she wrote to the Boy Scouts in New York for help in starting Troop 95, Atlanta's first Boy Scout troop for African Americans.[4] When her husband died, Martin Luther King, Jr. sent Cooper a telegram; she also met with Coretta Scott King and saved photographs of the occasion.[5] Cooper first registered to vote on September 1, 1941. Though she was friends with elite black Atlantans like W. E. B. Du Bois, John Hope Franklin and Benjamin Mays, she didn't exercise her right to vote for years, because of her status as a black woman in a segregated and sexist society.
During the 1970s, she served as a tutor to non-readers at Ebenezer Baptist Church. She also served on the Friends of the Library Board, serving at one time as vice president of the board. In 1980 she received a Community Service Award from Channel 11 for being one of the organizers of the black Cub Scouts and serving as the first den mother for four years.
She was also awarded the Annie L. McPheeters Medallion for community service from the Auburn Avenue Research Library on African American Culture and History in 2002."

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