Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sábado, 19 de setembro de 2015

Fundação José Saramago – Exposição permanente "José Saramago A Semente e os Frutos"

Fundação José Saramago – Exposição permanente "José Saramago A Semente e os Frutos"


A presente informação pode ser consultada, através do site da FJS, aqui
em, http://www.josesaramago.org/folha-de-sala-da-exposicao-a-semente-e-os-frutos/

"Se o homem não for capaz de organizar a economia mundial de forma a satisfazer as necessidades de uma humanidade que está a morrer de fome e de tudo, que humanidade é esta? Nós, que enchemos a boca com a palavra humanidade, acho que ainda não chegamos a isso, não somos seres humanos. Talvez cheguemos um dia a sê-lo, mas não somos, falta-nos mesmo muito. Temos aí o
espetáculo do mundo e é uma coisa arrepiante.Vivemos ao lado de tudo o que é negativo como se não tivesse qualquer importância, a banalização do horror, a banalização da violência, da morte, sobretudo se for a morte dos outros, claro. Tanto nos faz que esteja a morrer gente em Sarajevo, e também não devemos falar desta cidade, porque o mundo é um imenso Sarajevo. E enquanto a consciência das pessoas não despertar isto continuará igual. Porque muito do que se faz, faz-se para nos manter a todos na abulia, na carência de vontade, para diminuir a nossa capacidade de intervenção cívica.
Canarias7, Las Palmas, 20 de fevereiro de 1994
[Entrevista de Esperanza Pamplona]

Fachada da sede da FJS - Casa dos Bicos

Na obra literária de José Saramago (Azinhaga, 1922) conjuga-se a literatura mais exigente e pessoal com as interrogações mais fecundas.Autor tardio, mas de formação caldeada no calor de letras escritas e de leituras, soube construir, a partir da década de oitenta, uma literatura renovadora e original, que lhe conferiu, em 1998, o primeiro Prémio Nobel concedido a um escritor de língua portuguesa. Denso e irónico, inteligente e cético, terno e sarcástico, demolidor e pertinaz nas suas críticas, praticou, ao longo da sua produção narrativa, tanto a desmitificação da História convencional como a censura ativa dos desvios contemporâneos, tomando sempre como referência a essência humana da vida, a solidariedade, a compaixão, o respeito pelo outro e a relatividade do ponto de vista.Armado por um autor-narrador forte, que invade o espectro da sua narrativa, defendia que a obra é o romancista, ao mesmo tempo que marcou uma literatura construída a partir de ideias fortes, de audazes metáforas visionárias e ilustradas, de uma deslumbrante fabulação e de uma consciência incómoda que quis e soube ligar o seu destino ao pulsar turbulento do coração do mundo contemporâneo, permanentemente posto a nu e questionado.


Saramago – que nunca ocultou a sua militância comunista – projetou mundialmente o seu trabalho e a sua figura pública, acentuando o seu perfil de intervenção cívica em defesa da liberdade, dos direitos humanos e da inclusão social, imbuído de valores e ideais suscetíveis de construir outra realidade mais justa, mais humana. Esta atitude engagée serviu-lhe para recuperar, com energia e credibilidade, o papel do intelectual inconformista, envolvido nas questões palpitantes e nos debates do seu tempo, trazendo ângulos de visão heterodoxos, refutando a ordem aceite maioritariamente e reclamando uma ética individual e coletiva que contemplasse como prioridade o ser humano, a sua dignidade, acima de qualquer outra hierarquia discriminatória ou qualquer outro interesse de poder ou económico. José Saramago desenvolveu, pois, com intensidade as suas responsabilidades cívicas, com o desejo de colocar o cidadão ao mesmo nível do escritor, tal e como ele mesmo expressaria: «Tenho muito cuidado em não transformar os meus romances em panfletos, apesar de ser marxista e comunista com cartão.Tenho umas ideias e não separo o escritor do cidadão das minhas preocupações. Acho que nós, os escritores, devemos voltar à rua, e ocupar de novo o espaço que antes tínhamos e agora é ocupado pela rádio, pela imprensa ou pela televisão. É preciso, além disso, fomentar o humanismo, o conhecimento de que milhares e milhares de pessoas não podem aproximar-se do desenvolvimento.»
La Provincia, Las Palmas, 3 de março de 1994
[Entrevista de Javier Duran]

Polémico, pessimista confesso, brilhante, ativista e incómodo, a perspetiva da sua vida caldeada oferece o balanço de um trabalho literário amplo e pertinaz, em que o cultivo do romance conviveu com o teatro, a poesia, as crónicas jornalísticas e as memórias. A exposição José Saramago. A semente e os frutos dá conta, em síntese, dessa dedicação, mostrando como o príncipe da literatura que foi José Saramago funde as suas raízes no operário das letras que, com o seu minucioso e metódico trabalho, em momentos difíceis da sua vida – os árduos e obscuros anos quarenta, cinquenta e sessenta em Portugal – sedimentou as bases do brilho futuro. A mostra, que aglutina numerosos manuscritos, documentos, primeiras edições e centenas de traduções em mais de quarenta línguas, propõe um percurso tanto pela produção literária de José Saramago como pelos seus contextos ideológicos e sociais.

A conceção expositiva de José Saramago. A semente e os frutos incorpora recursos audiovisuais postos ao serviço de conteúdos específicos que abrem as portas ao denso e rico mundo saramaguiano. O discurso expositivo oferece a possibilidade de aproximação à génese do escritor através de inúmeras portas de entrada, propocionando a cada visitante a oportunidade de construir o seu próprio percurso, em função dos seus interesses no momento de penetrar num universo literário e intelectual tão amplo e sugestivo como polifacetado.

A nossa grande tarefa está em conseguirmo-nos tornar mais humanos. Marx e Engels, num livro intitulado A Sagrada Família, têm uma frase que é essencial pôr em prática: «Se o homem é formado pelas circunstâncias, então é preciso formar as circunstâncias humanamente.»
José Saramago, 1999

Fernando Gómez Aguilera
 Fundação José Saramago – Exposição permanente
josesaramago.org"

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