Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Pedro Barroso canta José Saramago - "Nasce Afrodite amor, nasce o teu corpo" (Os Poemas Possíveis)

Pode ser visualizado, aqui, via YouTube 

Do DVD de Pedro Barroso 40 anos de música e palavras - Afrodite - 
Poema de José Saramago e Música de Pedro Barroso


Afrodite 
"Ao princípio, é nada. Um sopro apenas, 
Um arrepio de escamas, o perpassar da sombra 
Como nuvem marinha que se esgarça 
Nos radiais tentáculos da medusa. 
Não se dirá que o mar se comoveu 
E que a onda vai formar-se deste frémito. 
No embalo do mar oscilam peixes 
E os braços das algas, serpentinos, 
À corrente se dobram, como ao vento 
As searas da terra, as crinas dos cavalos. 
Entre dois infinitos de azul avança a onda, 
Toda de sol coberta, rebrilhando, 
Líquido corpo, instável, de água cega. 
De longe acorre o vento, transportando 
O pólen das flores e os mais perfumes 
Da terra confrontada, escura e verde. 
Trovejando, a vaga rola, e fecundada 
Se lança para o vento à sua espera 
No leito de rochas negras que se encrespam
De agudas unhas e vidas fervilhantes, 
Ainda alto as águas se suspendem
No instante final da gestação sem par.
E quando, num rapto de vida que começa,
A onda se despedaça e rasga no rochedo,
O envolve, cinge, aperta e por ele escorre
- Da espuma branca, do sol, do vento que soprou,
Dos peixes, das flores e do seu pólen,
Das algas trémulas, do trigo, dos braços da medusa,
Das crinas dos cavalos, do mar, da vida toda
Afrodite  nasceu, nasceu o teu corpo."

in, "Os Poemas Possíveis"
Porto Editora, 2014, páginas 131 e 132
Publicado originalmente em 1966 pela "Portugália Editora"

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