Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

"Sobre rostos e mãos" Texto inserido em os "Cadernos de Lanzarote Diário III" (22/01/1995)

(Fotografia de João Francisco Vilhena)

"Sobre rostos e mãos:
Há quem fotografe rostos procurando nos seus traços o caminho para um espírito que se crê habitar por detrás deles; há quem se contente em captar a superfície plana e óbvia de uma beleza ou de uma fealdade inexplicáveis em si mesmas; há quem aceite deixar-se surpreender pela fotografia que fez, tal como espera que venha a surpreender-se o observador dela. Além de uma imagem, que será então o rosto para o fotógrafo? Um discurso, uma voz, uma pluralidade de discursos e de vozes? Expressivos até à fronteira do inefável, os rostos são o que mais facilmente mostramos e o que mais frequentemente ocultamos. Os rostos só são verdadeiramente autênticos quando desprevenidos: o medo, a cólera, um impulso que não pôde vigiar-se, exprimem a verdade total de um rosto. Em situações não extremas, o rosto é quase sempre, e só, um certo rosto referido a uma certa situação. E por isso que ele é capaz de revestir-se tão facilmente de expressões úteis, simulando um sentimento que não experimenta, uma emoção quando o pulso se mantém firme e o coração sossegado, um interesse quando está indiferente. Ou o contrário. 
Sendo, sem dúvida, instrumentos da vontade, da necessidade ou do desejo, as mãos são, não obstante, incomparavelmente mais livres que o rosto. Compomos a expressão da cara, não guiamos a expressão das mãos, e, se em alguma ocasião o tentamos, não tarda que recuperem o seu autónomo modo de ser, contradizendo muitas vezes, sem que nos dêmos conta, o que o rosto, artificiosamente, quer fazer acreditar. Dizem os antropólogos que a elas, em grande parte, devemos o cérebro que temos. Não custa nada a crer que assim seja, tão fácil é saber o que um cérebro é, só por olhar o que fazem as mãos."
In, "Cadernos de Lanzarote Diário III"
Caminho, páginas 25 e 26 (22 de Janeiro de 1995) 

Sem comentários:

Enviar um comentário