Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 21 de agosto de 2016

"O Evangelho segundo Jesus Cristo" edição Porto Editora com a caligrafia de Sebastião Salgado

Via site da Porto Editora, aqui

"No dia 28 de julho a Porto Editora lança a nova edição de O Evangelho segundo Jesus Cristo, um dos principais e mais conhecidos romances de José Saramago, e certamente um dos mais polémicos. Para esta edição, o fotógrafo Sebastião Salgado foi o convidado a usar a sua caligrafia para ilustrar a capa.
A propósito deste livro, disse Harold Bloom: "estou convencido de que o seu melhor romance continua a ser O Evangelho segundo Jesus Cristo: corajoso, polémico contra o cristianismo em particular mas contra as religiões em geral. Há poucos livros que conseguem tratar Cristo e o catolicismo sem se sujeitar a um respeito obrigatório. Aqui, Saramago conseguiu, assim como D. H. Lawrence e, em menor grau, Norman Mailer. Creio que, de entre os premiados com o Nobel de Literatura nos últimos anos, ele foi quem realmente mereceu." Em A Estátua e a Pedra, José Saramago também se refere a este livro: "é o romance que gerou mais polémica e é a causa de ter mudado a minha residência de Lisboa para Lanzarote, em Espanha. É um livro que não projetei, porque jamais me havia passado pela cabeça escrever uma vida de Jesus, havendo tantas e sendo tão diferentes as interpretações que dessa vida se fizeram, destrutivas por vezes, ou, pelo contrário, obedecendo às imposições restritivas do dogma e da tradição. Enfim, sobre o filho de José e Maria disse-se de tudo, logo não seria necessário um livro mais, e ainda menos o que viria a escrever um ateu como eu. Simplesmente, o homem põe e a circunstância dispõe e aqui está o que me impeliu a uma tarefa cuja complexidade ainda hoje me assusta."

Capa da edição da Porto Editora com caligrafia de Sebastião Salgado

"À semelhança das edições publicadas pela Porto Editora, a capa deste título foi caligrafada por uma personalidade da cultura lusófona, neste caso o fotógrafo Sebastião Salgado. O design das edições ficou a cargo do atelier Silvadesigners. Este é o 22º título publicado nesta coleção."

Para assinalar a presente edição o "Diário Digital", publicou uma pequena nota por Pedro Justino Alves (18/08/2016)http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=838498

"O impiedoso Deus de Saramago"

"Da extensa obra de José Saramago, «O Evangelho Segundo Jesus Cristo», editado em 1991, talvez seja a mais provocatória, já que coloca em causa alguns dos pilares fundamentais da sociedade ocidental, obrigando o leitor a olhar de um modo diferente a forma que entende o Mundo. A nova edição, da Porto Editora, apresenta a caligrafia do fotógrafo Sebastião Salgado na capa.
O narrador de «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» testemunha a vida de Jesus, principalmente a sua infância e juventude. Ou seja, temos uma oportunidade única para “conhecer” uma parte pouco conhecida do Homem mais importante da História, raramente retratada nos evangelhos. Ao mesmo tempo, Saramago apresenta o omnipotente, omnipresente e inquestionável Deus, que não admite que o jovem questione as suas diretrizes e que coloque em causa o destino que lhe escolheu.
Portanto, temos uma história emblemática e diferente de tudo o que conhecemos de Jesus, com Saramago a dar um novo olhar sobre a sua vida, principalmente a sua relação com os mais próximos. Uma história onde a ironia está sempre presente, com o Nobel da Literatura em 1998 a deixar entrever muito das suas convicções. Talvez o principal mérito de «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» seja precisamente esse, fazer com que o leitor coloque em causa as suas certezas, sejamos crentes ou não. Não é por acaso que o livro causou tanta polémica aquando do seu lançamento, uma polémica que acabou por fazer com que Saramago emigrasse para a Espanha.
Temos assim um texto iconoclasta, irónico, erótico e crítico, um texto corrosivo que faz questão de questionar os cânones impostos pela Igreja Católica, que subverte por completo os episódios mais populares da vida de Jesus segundo os “interesses” do seu autor, que coloca em causa os alicerces da ideia de Deus e de Cristo, alicerces fundamentais para a existência da Igreja Católica.
No fundo, Saramago não “perdoa” Deus, que joga sem piedade o xadrez da vida, sempre tendo as suas crenças impiedosas como objetivo final. Para o ser supremo, o Homem não é mais do que um peão no seu tabuleiro, um peão que deve estar preparado para ser sacrificado de acordo com os seus desejos, mesmo que incompreensíveis. Neste jogo da vida, encontramos sempre à espreita o Diabo, que, muitas vezes, acaba por ser a verdadeira consciência, o lado racional da existência.
Mortes, violência, fúria, guerras, desavenças, etc. O legado de Deus é realmente mais do que questionável, a construção do seu reinado é mais do que devastador. Em resumo, em «O Evangelho Segundo Jesus Cristo», Saramago coloca isso em xeque. E a verdade é que consegue um brilhante xeque-mate."

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