Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

"Ensaio sobre a Cegueira, Um Requiem pela Humanidade" de Jorge Salgueiro

(...) "Ensaio sobre a Cegueira" é a história de uma cegueira fulminante que ataca os habitantes de uma cidade. Poderia tratar-se de uma epidemia, de uma praga, isso não está explicado no livro nem importa, a única coisa que se diz é que a gente perde a visão. (...)
(...) Mas o autor crê que já estamos cegos com os olhos que temos, que não é necessário que nenhuma epidemia de cegueira venha a assolar a humanidade." (...)

em, "A Estátua e a Pedra
Fundação José Saramago
Páginas 34

(...) "O cão das lágrimas esgueirou-se pela escada 
acima, roçou como um sopro as saias da velha, que nem 
se apercebeu do perigo que acabara de passar por ela, e 
foi pôr-se ao lado da mulher do médico, donde anunciou 
aos ares a proeza cometida. A velha do primeiro andar, 
ouvindo ladrar com tamanha ferocidade, temeu, mas 
sabemos quão demasiado tarde, pela segurança da sua 
despensa, e gritou esticando o pescoço para cima, Esse 
cão tem de estar preso, não vá matar-me aí alguma 
galinha, Fique descansada, respondeu a mulher do 
médico, o cão não tem fome, já comeu, e nós vamo-nos 
embora agora mesmo, Agora, repetiu a velha, e houve na 
sua voz um quebramento como de pena, era como se 
estivesse a querer ser entendida de um modo muito 
diferente, por exemplo Vão-me deixar aqui sozinha, 
porém não pronunciou uma palavra mais, só aquele 
Agora que nem pedia resposta, os duros de coração 
também têm os seus desgostos, o desta mulher foi tal que 
depois não quis abrir a porta para despedir-se dos
desagradecidos a quem tinha dado passagem franca pela 
sua casa. Ouviu-os descer a escada, falavam uns com os 
outros, diziam, Cuidado, não tropeces, Põe a mão no meu 
ombro, Segura-te ao corrimão, são palavras de sempre, 
mas agora mais comuns neste mundo de cegos, o que lhe 
pareceu estranho foi ouvir uma das mulheres dizer, Aqui 
está tão escuro que não consigo ver, que a cegueira desta 
mulher não fosse branca já era, só por si, surpreendente, 
mas que ela não pudesse ver por estar escuro, que 
poderia isto significar. (...) 
Excerto do "Ensaio sobre a Cegueira"



Título: Ensaio sobre a Cegueira
Obra: Ensaio sobre a Cegueira
Compositor: Jorge Salgueiro
Intérprete Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música
Registo Áudio
Título Ensaio sobre a Cegueira
Tipo de Registo Áudio Música
Tipo de Suporte CD
Faixas 1-22
Número de Pistas 2
Duração 00:76:00
Intérpretes da Gravação Sara Belo (soprano), Sílvia Filipe (mezzo-soprano), Inês Homem de Melo Marques (voz de criança) Coros do Círculo Portuense de Ópera Orquestra Nacional do Porto Jorge Salgueiro (direcção)



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