Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Roteiro de Leitura - "As Intermitências da Morte" - 72 apontamentos para memória futura

Os "Roteiros de Leitura" são apontamentos, linhas de passagem pelo decorrer da obra.
São pontos para memória futura, apontamentos.

Boa Viagem

Roteiro de Leitura

1. No dia seguinte ninguém morreu

2. O primeiro dia. O exemplo dos estropiados que não morrem

3. A rainha-mãe que tinha reunida a família real esperando a sua morte, fica em suspenso

4. Os primeiros rumores, as reacções do governo

5. A preocupação da igreja. A desculpa da "morte adiada" para que continue a existir uma razão para a continuidade da igreja

6. As notícias nos jornais e as manifestações de orgulho nacional através das bandeiras à janela

7. O declínio e preocupação da indústria funerária. O seu pedido ao governo para obrigar a equiparação dos funerais dos animais aos das pessoas e empréstimos a fundo perdido

8. Os hospitais em ruptura. Os que não tendo morrido ficam nos hospitais e em que condições normais teriam mordido

9. Os lares de 3a idade e o dilema de poder não esvaziar os utentes actuais e não poder admitir novos.

10. As companhias de seguros e a legitimidade da manutenção das apólices dos seguros de vida

11. Os filósofos da comissão interdisciplinar reúnem-se para debater as consequências da ausência da morte e posições das diversas igrejas

12. O caso da morte adiada ou da vida suspensa de 2 familiares na mesma família o avô e o recém-nascido neto. O avô que não suportando a vida pede que o levem e ao neto a enterrar para lá da fronteira

13. A curiosidade do vizinho. A denúncia prevista junto da guarda.

14. Acabaram por não ser condenados pela justiça mas não evitaram o julgamento popular. O certo é que fazendo 3 meses que ninguém morre, a travessia de pessoas com morte suspensa começou a ser prática.

15. Intervenção do governo com o patrulhamento das fronteiras

16. O surgimento do ultimato efectuado pela máphia e as negociações secretas com o ministro. Os vigilantes do governo que patrulham as fronteiras são desactivados mas mantidos nos locais como disfarce. A máphia assim fará o seu trabalho passando os corpos para além fronteiras.

17. As tropas que se perturbam com a aparente falta de respeito por parte das hierarquias. Foram mandadas regressar em parte aos quartéis para que a máphia fizesse o seu trabalho ilegal sob os olhos fechados do governo. Os 3 países que fazem fronteira também colocaram as suas tropas a tentar impedir a passagem e enterro dos quase mortos.

18. As negociatas entre a máphia e os do outro lado da fronteira para que este trabalho pudesse continuar

19. As máphias dos 4 países que se alinharam no princípio de proporcionar ganhos mútuos

20. A nova esperança para a indústria das funerárias... os moribundos são levados a passar a fronteira para morrer e regressam para serem enterrados

21. O caso das famílias que por vergonha preferem manter os familiares em suspenso, o decrescente número de funerais

22. A reacção da indústria funerária e da máphia. As certidões de óbito mencionando o suicídio dos que preferem morrer e libertar o peso da consciência das famílias

23. Aprendiz de filósofo e o espírito que paira sobre a água do aquário. Discussão sobre a morte, a particular e subalterna e a geral que decide sobre as espécies. Depois a última morte, a suprema que haverá de destruir o universo

24. A fábula

25. As movimentações dos republicanos e a preocupação do rei quanto a um eventual golpe de estado e da viabilidade da segurança social

26. O envelope violeta na secretária do director-geral da televisão

27. O pânico e a alteração de espírito do director-geral. O telefonema para o gabinete do primeiro-ministro. O secretismo dessa reunião. O comunicado do governo e a leitura da carta em directo na televisão.

28. A leitura da carta

29. Agitação social. Da vida que passou de eterna a anunciada com 1 semana de antecedência. Os que estavam com a morte suspensa morreram nessa noite.

30. A reacção da associação das agências funerárias, dos coveiros e das carpintarias. É necessário enterrar toda a gente depressa

31. A suspensão da morte fez 72580 moribundos que com a passagem da meia-noite finaram-se de vez

32. Colocação de bandeiras à janela para indicar a existência de um morto à espera que um médico o vá atestar com a certidão de óbito

33. As reacções na comunicação social e a morte que obriga um jornal a corrigir o teor da carta publicada.

34. O estudo da carta sob o prisma da grafologia

35. A análise à reacção das instituições... lares, hospitais,  companhias de seguros. A máphia altera a actividade e impõe-se como defensor das agências funerárias, que não sendo aceite o serviço ameaça com retaliações.

36. A reacção da Igreja Católica

37. A morte que se anuncia em envelopes violetas e personalizados. O mecanismo do processo. As reacções.

38. A quase investigação criminal da morte. Quem é, onde está, como se move

39. Poderá ter a aparência de uma mulher de 36 anos.

40. Adensam os temores sobre a morte. A população e o medo de receber a carta violeta no dia seguinte.

41. A posição da Igreja perante a inevitabilidade do regresso da morte

42. A absurda excepção. Um envelope violeta veio de volta.

43. A morte reenvia-a de novo. Tem consigo a gadanha. As cartas são enviadas com um simples aceno da mão direita.

44. A devolução da mesma carta pela segunda vez, passados 30 minutos

45. O terceiro envio e a terceira devolução. O Violoncelista que deveria ter morrido com 49 anos e neste dia de devolução dos envelopes violetas faz 50 anos. A morte incrédula e furiosa

46. A morte que cede à tentação de particularizar o caso e ir procurar o destinatário das cartas devolvidas.

47. A casa do Violoncelista. Homem só com seu cão. 50 anos feitos.

48. A sala de música. O atril e a pauta com as peças de Schumann. O quarto onde dorme o Violoncelista e seu cão.

49. A morte que os observa

50. As reflexões, a organização dos arquivos, a lei geral que a rege e a suposta hierarquia

51. A legitimidade adquirida e o estatuto firmado

52. Mais 248 envelopes de cor violeta escritos e assinados ao que juntou pela 4.a vez o do Violoncelista. 10 segundos depois estava de volta.

53. A alteração do verbete na data de nascimento e na idade do Violoncelista. A gadanha fala pela primeira vez.

54. No teatro o Violoncelista ensaia com a Orquestra e a morte enche toda a sala sentada discretamente na sua cadeira a assistir ao ensaio

55. Nos próximos 3 dias a morte faz-se de sombra do sei alvo.

56. O retrato e a vida solitária do Violoncelista. A música de Chopin com que se auto define. A companhia do cão

57. A morte que o segue para o entender

58. O Violoncelista foi com o cão a um jardim e leva um livro de entomologia. A descrição da borboleta de capa Acherontia Atropos.

59. A morte absorvida por este quadro pensa inclusive que deveria ter enviado borboletas em vez de envelopes violeta.

60.  A morte que pede ajuda à silenciosa gadanha. Ausenta-se durante uma semana e deixa organizada toda a correspondência a enviar diariamente pela gadanha.

61. A morte que se veste de mulher de 36 anos, bonita segundo a gadanha

62. A alusão à mulher gorda vestida de preto e a Marcel Proust

63. A mulher/morte apanha um táxi e segue até ao teatro. Comprou o seu camarote para as duas sessões onde o Violoncelista irá actuar.

64. Hospedada num hotel aguardará a chegada da hora do 1.o concerto

65. Assistiu ao concerto e a sua presença de mulher fez-se notar. No final procurou o Violoncelista junto dos camarins.

66. O diálogo. A mulher/morte enigmática e o Violoncelista incrédulo. O trajecto de táxi até casa do músico e a morte que segue para o hotel. Até ao próximo concerto.

67. O telefonema tardio da mulher/morte pedindo desculpa pelo desenrolar da conversa. O mesmo rumo da conversa a desconversar. O Violoncelista sabe de uma suposta carta que a mulher lhe pretende entregar. A conversa acaba de forma abrupta.

68. O suposto ou eventual diálogo que poderia ter tido de seguida com o cão. As horas seguintes de incerteza e inquietação.

69. A mulher/morte não apareceu no segundo concerto. Nem na porta dos artistas ou à porta de casa. Frustração. Amargura. Resignação

70. Domingo e o passeio no parque com o cão. A mulher/morte que o aguarda no banco de jardim para se despedir e o envelope violeta que ficou no hotel. Diálogo e mais uma despedida repentina. O Violoncelista regressa a casa com o sentimento de amor não correspondido.

71. Fim da noite e a mulher/morte bate à porta. A surpresa. A carta prometida para ser entregue mais tarde. E o pedido de tocar o violoncelo. Bach Opus 1012.

72. Depois beijaram-se. Na cama. O Violoncelista que adormeceu. A morte que pega no envelope e o queima. A mulher que regressa à cama e sem entender o que se passa adormeceu pela primeira vez

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