Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O célebre comentário "Privatize-se tudo" Aqui em versão completa - "Cadernos de Lanzarote Diário III" (1/9/1995)

1 de Setembro (de 1995)

"Regressados de uma viagem à Argentina e Bolívia, os meus cunhados María e Javier trazem-me o jornal Clarín de 30 de Agosto.Aí vem a notícia de que vai ser apresentada no Parlamento peruano uma nova lei de turismo que contempla a possibilidade de entregar a exploração de zonas arqueológicas importantes, como Machu Picchu e a cidadela pré-incaica de Chan Chan, a empresas privadas, mediante concurso internacional.
Clarín chama a isto «la loca carrera privatista de Fujimori». O autor da proposta de lei é um tal Ricardo Marcenaro, presidente da Comissão de Turismo e Tele-comunicações e Infra-Estrutura do Congresso peruano, que alega o seguinte, sem precisar de tradução: «En vista de que el Estado no ha administrado bien nuestras zonas arqueológicas - qué pasaría si las otorgaramos a empresas especializadas en esta materia que vienen operando en otros países con gran efectividad?» A mim parece-me bem. Privatize-se Machu Picchu, privatize-se Chan Chan, privatize-se a Capela Sixtina, privatize-se o Pártenon, privatize-se o Nuno Gonçalves, privatize-se a Catedral de Chartres, privatize-se o Descimento da Cruz de Antonio da Crestalcore, privatize-se o Pórtico da Glória de Santiago de Compostela, privatize-se a cordilheira dos Andes, privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for o diurno e de olhos abertos. E final-mente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... E, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.

in, "Cadernos de Lanzarote Diário III"
Caminho, páginas 147 e 148, (01/09/1995)

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